As trombetas do Juízo Final
de Romano Dazzi
Francisco estava desesperado. Dois anos antes havia comprado uma pequena gráfica;: simpática, baratinha; uma pequena entrada e trinta prestações; pagas umas pequenas dívidas, começaria a dar frutos. Um negócio da China!
Francisco levara o sogro, Alfredo; este só disse: “ é uma arapuca – e está armada!”
Mas o Francisco, cansado de outros insucessos, pensava que seria a salvação.
E comprou.
Trabalhou firme, mas tudo deu errado. Em dois anos estava no buraco.
Alfredo, todos os meses aparecia, meneava a cabeça e : “Falei que era uma arapuca!” E ia embora.
Francisco comentava que alguém poderia ajudar, em vez de jogar pedras.
Quanto maior a dívida, mais rápida corre a justiça.
É uma lei de física, deveriam ensiná-la nas escolas.
Já tinha todos os sintomas do devedor: as costas, encurvando-se um pouquinho mais a cada dia; um ligeiro tique no olho direito; piscava seguido, um pequeno tremor aparecia no canto da boca.
Todos sintomas da mesma doença: insolvência galopante.
É um diagnóstico de medicina caseira: deveriam ensiná-lo nas escolas.
Quando a Laís sugeriu uma consulta, para saber da pressão, triglicérides e colesterol , retrucou, agressivo:
- “Tá louca, mulher! Vira essa boca pra lá! Já tenho tantos problemas, só me falta agora ter que pensar na saúde!”
Dito e feito: na manhã daquele feriado, sentiu uma forte dor no peito e capotou; ficou lá, estirado, até uma faxineira dar o alarme; no PS, o médico não viu nada de grave.
-“Pensei ter ouvido as trombetas do juízo final!” exclamou Francisco.
-“ Que nada!” respondia o outro - “Quando soam aquelas trombetas, não há saída; após o primeiro toque, adeus.... Este foi só um aviso. ...mas agora....Dieta leve, sem sal, poucas gorduras, poucas calorias, nada de café, de açúcar, de álcool, de fumo, exercício moderado e ..... cuca fresca.
Deixe de se aborrecer. Descanse. Tire um mês de férias.”
Francisco logo pensou: três D: dieta, descanso, despreocupação.
Mas eu já tenho três D: dívidas, desespero, desastre!.....
Laís dizia: - Estamos encrencados, Francisco, ma bem que meu pai nos alertou...Porque você não lhe pediu ajuda?
- Porque tenho minha dignidade!
- Escuta Francisco. A dignidade nesta altura já foi para o brejo! E depois, ainda dá para trocar as máquinas pelas dívidas, não é? Quem sabe se meu pai....
- Ora,seu pai, seu pai! Parece que ele sabe tudo! Me dá uma raiva....
- Está bem, está bem. Vamos deixar tudo como está. Mas você precisa ir descansar; eu vou levar a firma por um tempinho. Depois você volta e assume, está bem?
- Bom, pior do que está não pode ficar.
Em rápida reunião, o Alfredo assumiu provisoriamente a firma; era uma raposa velha e sabia lidar com os caçadores.
Tudo foi arranjado pelo sogrão.
Francisco deu à Laís uma procuração e foi a um hotel fazenda, onde ficaria duas semanas... se conseguisse.
Quando ficaram a sós, Laís tirou do armário os balanços da gráfica.
Fez alguns cálculos e digitou um número do telefone:
- Doutor Martins? É a Lais. Meu pai quer falar com o senhor...
- Pronto, meu caro amigo, como vai?... Aqui também, tudo
“ Quanto mais difícil a negociação, tanto melhor se consegue fechar o negócio” – comentou o Alfredo.
- “É uma lei de química – respondeu Laís – deveriam ensiná-la nas escolas...”
–” Papai, agora precisamos falar com o Francisco... para ele não ficar sentido...”
- “Lais, coloquei minhas amizades e um bom dinheiro, neste negócio. A gráfica vai desaparecer e os concorrentes vão faturar como nunca. O Francisco era uma pedra nos sapatos deles. É por isso que estão pagando o que pedimos...
Na manhã seguinte o telefone tocou. Era o Francisco, esbaforido, com a voz alterada, contando uma grande novidade:
- Olha, Laís, acho que podemos vender a Gráfica! Um pessoal daqui que quer mudar-se para São Paulo e vai comprá-la, desde que acertemos as dívidas!
- Mas, Francisco; as dívidas valem tanto quanto as máquinas. Como quer pagá-las e ainda repassar ....
- Puxa, você tem razão; não estava fazendo as contas direito ... Mas estava pensando que, quem sabe, seu pai poderia dar uma mãozinha...
- Espere aí, Francisco. Agora, vai pedir a ajuda do meu pai? Onde está sua dignidade?
- Eu sei, eu sei; mas não tenho alternativa. Se não resolver logo, vou acabar na cadeia...
- Bobagem. Pare com este desespero, Francisco. Seja homem, agüente.
- Está bem, agüento; mas, você poderia vir até aqui? Estou sentindo tanta falta de você!
- Sim, eu vou. Não faça nada, não decida nada, deixe-me juntar minhas coisas.
Vou chegar aí à tarde. Não se esqueça que sem a minha assinatura não vai haver venda nenhuma....
Homens são todos iguais – pensou a Laís – todos uns molengas, fracos, inseguros.... salvo meu pai... que capacidade.... e que talão de cheques!...
Segurança e equilíbrio são diretamente proporcionais à conta bancária e inversamente proporcionais ao montante das dívidas....
É uma lei da aritmética; deviam ensiná-la nas escolas!....
Entrou no carro e foi procurar o maridinho, para contar-lhe as novidades.
Autor: Romano Dazzi
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