As trombetas do Juízo Final



 

228 A - AS TROMBETAS DO JUÍZO FINAL

                                           de Romano Dazzi

Francisco estava desesperado. Dois anos antes havia comprado uma pequena gráfica;: simpática, baratinha; uma pequena entrada e trinta prestações; pagas umas pequenas dívidas, começaria a dar frutos. Um negócio da China!

Francisco levara o sogro, Alfredo; este só disse: “ é uma arapuca – e está armada!”

Mas o Francisco, cansado de outros insucessos, pensava que seria a salvação.

E comprou. 

Trabalhou firme, mas tudo deu errado. Em dois anos estava no buraco.

 Alfredo, todos os meses aparecia, meneava a cabeça e : “Falei que era uma arapuca!”  E ia embora.

Francisco comentava que alguém poderia ajudar, em vez de jogar pedras.

Quanto maior a dívida, mais rápida corre a justiça.

É uma lei de física, deveriam ensiná-la nas escolas.

Já tinha todos os sintomas do devedor: as costas, encurvando-se um pouquinho mais a cada dia;  um ligeiro tique no olho direito; piscava seguido,  um pequeno tremor aparecia no canto da boca.

Todos sintomas da mesma doença:  insolvência galopante.  

É um diagnóstico de medicina caseira: deveriam ensiná-lo nas escolas.

Quando a Laís sugeriu uma consulta, para saber da pressão,  triglicérides e colesterol ,  retrucou, agressivo:

- “Tá louca, mulher! Vira essa boca pra lá! Já tenho tantos problemas, só me falta agora ter que pensar na saúde!”

Dito e feito: na manhã daquele feriado, sentiu uma forte dor no peito  e capotou; ficou lá, estirado, até  uma faxineira dar o alarme; no PS, o médico não viu nada de grave.

-“Pensei ter ouvido as trombetas do juízo final!” exclamou Francisco.

-“ Que nada!” respondia o outro -  “Quando soam aquelas trombetas, não há saída; após o primeiro toque, adeus....  Este foi só um aviso. ...mas agora....Dieta leve, sem sal, poucas gorduras, poucas calorias, nada de café, de açúcar, de álcool, de fumo, exercício moderado e ..... cuca fresca.

Deixe de se aborrecer.  Descanse. Tire um mês de férias.”

Francisco logo pensou: três D: dieta, descanso, despreocupação.

Mas eu já tenho três D: dívidas, desespero, desastre!.....

Laís dizia: - Estamos encrencados, Francisco, ma bem que meu pai nos alertou...Porque  você não lhe pediu ajuda?

- Porque tenho minha dignidade!

- Escuta Francisco. A dignidade nesta altura já foi para o brejo! E depois, ainda dá para trocar as máquinas pelas dívidas, não é?  Quem sabe se meu pai....

- Ora,seu pai, seu pai! Parece que ele sabe tudo! Me dá uma raiva....

- Está bem, está bem. Vamos deixar tudo como está. Mas você precisa  ir descansar; eu vou levar a firma por um tempinho. Depois você volta e assume, está bem?

- Bom, pior do que está não pode ficar.

Em rápida reunião, o Alfredo assumiu provisoriamente a firma; era uma raposa velha e sabia lidar com os caçadores. 

Tudo foi arranjado pelo sogrão. 

Francisco deu à Laís uma procuração e foi a um hotel fazenda, onde ficaria duas semanas... se conseguisse.

Quando ficaram a sós, Laís tirou do armário os balanços da gráfica.

Fez alguns cálculos e digitou um número do telefone:

- Doutor Martins? É a Lais. Meu pai quer falar com o senhor...

- Pronto, meu caro amigo, como vai?... Aqui também, tudo em ordem. Ouça: Estou com a minha proposta pronta. .... Ok. Então aqui vai. Queremos dois milhões a vista e a quitação de todas as dívidas.... Ah, não deve passar de seiscentos mil, pelo que calculamos. Cem mais, cem menos.... Claro, porteira fechada. Passamos o cadastro dos clientes e ficamos afastados por três anos. Ok. Fechado, então. Mando-lhe o contador para os detalhes.   Obrigado, doutor Martins. Boa tarde.

“ Quanto mais difícil a negociação, tanto melhor se consegue fechar o negócio” – comentou o Alfredo.

- “É uma lei de química – respondeu Laís – deveriam ensiná-la nas escolas...”

–” Papai, agora precisamos falar com o Francisco... para ele não ficar sentido...”

- “Lais,  coloquei minhas amizades e um bom dinheiro, neste negócio. A gráfica vai desaparecer e os concorrentes vão faturar como nunca. O Francisco era uma pedra nos sapatos deles. É por isso que estão pagando o que pedimos...

 

Na manhã seguinte o telefone tocou. Era o Francisco, esbaforido, com a voz alterada, contando uma grande novidade:

- Olha, Laís, acho que podemos vender a Gráfica! Um pessoal daqui que quer mudar-se para São Paulo e vai comprá-la, desde que acertemos as dívidas!

- Mas,  Francisco; as dívidas valem tanto quanto as máquinas. Como quer pagá-las e ainda repassar ....

- Puxa, você tem razão; não estava fazendo as contas direito ... Mas estava pensando que, quem sabe, seu pai poderia dar uma mãozinha...

- Espere aí, Francisco. Agora, vai pedir a ajuda do meu pai? Onde está sua dignidade?

- Eu sei, eu sei; mas não tenho alternativa. Se não resolver logo, vou acabar na cadeia...

- Bobagem. Pare com este desespero, Francisco. Seja homem, agüente.

- Está bem, agüento; mas, você poderia vir até aqui? Estou sentindo tanta falta de você!

- Sim, eu vou.  Não faça nada, não decida nada, deixe-me juntar minhas coisas.  

  Vou chegar aí à tarde. Não se esqueça que sem a minha assinatura não vai    haver  venda nenhuma....

 

Homens são todos iguais – pensou a Laís – todos uns molengas, fracos, inseguros.... salvo meu pai... que capacidade.... e que talão de cheques!...

 

Segurança e equilíbrio são diretamente proporcionais à conta bancária e inversamente proporcionais ao montante das dívidas....

É uma lei da aritmética; deviam ensiná-la nas escolas!....

Entrou no carro e foi procurar o maridinho, para contar-lhe as novidades.

    


Autor: Romano Dazzi


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