Nossas escolhas diante do rosto sofrido e suas consequências na sociedade contemporânea.



Nossas escolhas diante do rosto sofrido e suas consequências na sociedade contemporânea.

 

 

 

Emmanuel Lévinas, crítico declarado ao mapa conceitual da razão moderna apresenta o fenômeno do rosto como linguagem ética. Só assim é possível a reverência ao diferente, ao humano e em conseqüência a construção da justiça que gera a paz. A racionalidade moderna deixa o homem deficiente de sensibilidade perante o outro, pois o outro é um resultado social.

 

Se pensa como um racionalista, que tudo calcula e determina por normas e fórmulas, é reconhecido. Mas se não agi assim, logo se despreza seus próprios valores e abre mão do seu ser pessoal. Ligeiramente é excluído do convívio “sócio-racionalizado”.  Uma razão que “encaixota” o ser humano em si mesmo, o outro não mais existe em quanto outro é apenas parte de um todo e igual a todos.

 

Lévinas coloca à prova a própria matriz de pensamento, a Fenomenologia, quando insiste que a verdade não é um fim, mas está inculcada no homem. Aos poucos vai substituindo a questão do ser, a ontologia, pela questão do humano. Ao tentar explicar que o rosto fala, ele insiste em afirmar que a sua própria manifestação é o primeiro discurso. Uma busca do sentido, e não apenas seu sentido empírico. Pois o rosto do outro é infinitamente além do que se apresenta.

 

Claramente Lévinas, pensa o homem como que nascendo para o outro, entendendo que não é somente o ser que nos solicita; mas a imposição do humano. A linguagem do rosto não é imanência, mas transcendência; pois o outro não se esgota no que percebemos pelos sentidos ou conceituamos pela razão empírica, cartesiana ou positivista. Para ele, essa é uma relação totalmente diferente da experiência no sentido sensível do termo que é relativista e egoísta.

 

Com o egoísmo outro perde sua identidade de outro, o rosto do outro não visto ou percebido. Tem se um rosto desfigurado pelas injustiças sociais. Desfigurados pela escolha da razão que domina a sensibilidade pelo outro. Podemos afirmar isso quando temos um médico que decide não atender mais seus pacientes, pessoas sem rosto e sem nomes que esperam na fila do hospital público.

 

Nossas decisões afetam diretamente o outro. Podemos dizer também das pessoas sem rosto que bate de porta em porta, são pessoas que em muitos casos são ignoradas. São pessoas desfiguradas pela maldade e egoísmo. São pessoas sem rosto e sem nomes. Sem nomes, pois para nós não tem identidade e até mesmo nem existem.

 

Talvez seja uma crítica ao modelo ocidental e moderno, onde o homem perdeu a simplicidade da vida. Diante de tantas informações, propostas normativas, discursos sobre o nosso agir, perdemos também um pouco do que é mais significativo: a razão e a sensibilidade. E esse é o caminho tentador proposto pelo racionalismo, onde conceituar é universalizar partindo de uma remota idéia de enquadramento. Mas o que podemos ver de fato é que o outro é um universo, um infinito que escapa de toda e qualquer sistema.

 

Não podemos querer fazer do outro o eu como tal sou. O outro é outro, com toda autonomia e direito de ser outro. O outro é feliz como escolhe ser, pelo que almeja conquistar. Este outro deve ser respeitado como tal qual como ele é, na sua dignidade de ser outro ser humano. Assim o eu não precisa ser o outro, mas compadecer do outro, ter a coragem de ajudar, compadecer-se do outro, sensibilizar pelo outro, o rosto sofrido e carente de necessidade. Desta forma tentar resgatar esse rosto sofrido e infeliz de uma vida amargurada

 

O rosto é ao mesmo tempo interdito e súplica, majestade e indigência. Ou seja, a expressão do outro, a sua fala está expressa com e por sua alteridade. Sua alteridade é a dignidade ser do outro como pessoa e como ser humano. Também nisto consiste sua felicidade de ser livre como outro. Em tudo que lhe foi negado ou tirado, a dignidade da alteridade é o único e último requisito que lhe faz gente, feliz e partícipe do convívio social. A alteridade é a única realidade que não o faz pedinte, infeliz e mendigo social.

 

Dito de outro modo, o rosto não expressa somente a imagem carnal nua, expressa o simbólico de algo muito maior, que é toda a transcendência da alteridade, um infinito que não cabe no finito. Não há o risco da anulação da identidade ou da subjetividade em função dessa abertura, pois o outro é a autenticação do princípio ético.

 

A imagem do rosto do interlocutor é fenômeno que desinstala, não é e nem deve ser apreensível pela razão. Por que essa imposição radical da fala do corpo, ou do corpo como fala presente e expressa pelo rosto, precede toda e qualquer conceituação, portanto é desafio, convocação irrefutável que impele para uma resposta, uma relação. Uma relação humana e sensível de ter o outro como ele é.

 

O pensamento de Lévinas questiona a banalização da própria vida como conseqüência da crescente onda de relativização da violência, a falta de responsabilidade social e individual. Sempre é tempo de retomada da questão humana. Constantemente precisamos rever as orientações sobre as relações entre os seres humanos e os seus fundamentos. A reflexão levantada por Lévinas apresenta o rosto como mediação, como linguagem. Portanto, a possível chave de leitura para uma construção de uma superação da anarquia conceitual é a linguagem, pois ela atinge o outro.


Autor: Gilvan L. Silva


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