GADAMER E O CÍRCULO HERMENÊUTICO



Gadamer faz ver, tendo como base Heidegger, que o círculo tem um sentido ontologicamente positivo na compreensão, pois ele possibilita ao intérprete elaborar um projeto sobre o que se vai interpretar; mas, no decorrer da interpretação, é possível a elaboração de um novo projeto e isso sucessivamente. Nesse sentido, os pré-conceitos e pré-compreensões, que o intérprete possui ao se deparar com um texto, têm espaço para serem postos à prova e, assim, evidenciar a possibilidade para uma coerente compreensão.

Quando um intérprete se propõe a interpretar um texto, ele não o faz com a mente vazia, isto é, sem pré-compreensão. Ele sempre parte de um pré-saber, que equivale ao seu modo de se relacionar com as coisas. Para Gadamer, essa posição do intérprete, sem os devidos cuidados, pode comprometer a validade da compreensão. Para haver legitimidade na compreensão, os pré-juizos não devem ser arbitrários, é necessário que o intérprete examine tais pré-juizos quanto a sua origem e validez.

Faz jus chamar a atenção que, com isso, Gadamer não defende a possibilidade de uma neutralidade ou uma auto-anulação do intérprete em relação ao objeto, mesmo porque tal façanha seria impossível. Ele só sugere que haja abertura por parte do intérprete e que este permita, de certa maneira, um confronto de opiniões entre ele e o texto.

Com essa perspectiva que acabamos de nos ater nas linhas precedentes é possível falar do sentido do projeto na compreensão circular. A partir do momento que um intérprete se propõe a interpretar um texto ele estará concretizado um projeto. Concretizar um projeto pode é ir ao texto e fazer dele uma fonte para interpretar, de forma tal que à medida que se interpreta um texto, o projeto se modifica e se estrutura de forma mais consistente e mais livre de possíveis erros.

É interessante notar que o círculo abre espaço para um constante reprojetar, ou seja, a interpretação inicia-se com conceitos prévios, como vimos, e com o passar do tempo eles são, geralmente, substituídos por outros mais adequados. Dessa forma, podemos dizer que o primeiro projeto vai se corrigindo a medida que a coisa vai sendo decifrada.

Diante de um texto, por exemplo, o intérprete não procura aplicar um critério geral a um caso particular: ele se interessa, ao contrário, pelo significado fundamentalmente original do escrito de que se ocupa...

... O conhecimento histórico não pode ser descrito segundo o modelo de um conhecimento objetivista, já que ele mesmo é um processo que possui todas as características de um acontecimento histórico. A compreensão deve ser entendida como um ato da existência, e é portanto um "pro-jeto lançado". (GADEMAR, p. 57, 1998)

Não podemos nos apegar a determinados conceitos estabelecidos tanto pela sociedade como pela cultura em que estamos inseridos, pois, tais conceitos podem ser mudados e esclarecidos, fazendo com que se tenha possibilidade de uma nova perspectiva, de uma nova visão de mundo, quebrando os pré-conceitos existentes.

Para cada época, um determinado texto terá uma determinada interpretação que seja de acordo ao saber e ao contexto da época. Podemos perceber que, o intérprete não chega ao texto totalmente vazio como uma folha em branco. O intérprete se dá conta de seu saber e pré-jugamento do texto ao chocar-se com o texto; sendo assim, o entendimento do texto estabelece um diálogo com o texto. Esse diálogo deve ser aberto, discursivo, e deixar o texto falar e responder as suas interpelações.

Podemos dizer que a incumbência peculiar da compreensão está na elaboração de projetos autênticos que estejam em consonância com a "coisa mesma". Nesse sentido, Gadamer diz: "Elaborar os projetos corretos e adequados às coisas, que como projetos são como antecipações que apenas devem ser confirmadas 'nas coisas', tal é a tarefa constante da compreensão".

Uma primeira interpretação acontece a partir dos conceitos pré-existentes que temos. O intérprete consegue entender o texto desde o pré-juizo formado, mesmo correndo o risco de errar ou acertar. Neste ariscar, só se tem a certeza do que é correto pelo contexto. A interpretação se dá pelo que já se sabe, a partir daí é possível um conhecimento do homem, a linguagem e da natureza. O intérprete deve estar atento e respeitar a alteridade do texto

Por isso, escreve Gadamer, "quem quiser compreender um texto deve estar pronto a deixar que ele lhe diga alguma coisa. Por isso, uma consciência educada hermeneuticamente deve ser preliminarmente sensível à alteridade do texto. Essa sensibilidade não pressupõe 'neutralidade' objetiva nem esquecimento de si mesmo, mas implica numa precisa tomada de consciência das próprias pressuposições e dos próprios pré-juizos...". (GADAMER, p. 631, 1998)

Partindo do raciocínio de Gadamer, podemos afirmar que pertencemos a um contexto, seja ele histórico ou cultural: ele nos fornece os pressupostos para nos relacionarmos com o mundo. Sempre que vamos ao encontro do novo, temos antecipadamente pré-compreensões que favorecem a compreensão daquilo que até então era estranho e desconhecido.

Sem esses preconceitos não haveria compreensão, porque a nossa mente seria como um papel em branco, ou seja, sem nenhuma estrutura prévia que possibilitasse compreender o que nos é apresentado. Mas é de grande importância que estejamos com a mente aberta para o novo, para uma compreensão diferente do que possivelmente esperamos obter. É necessário que deixemos que esses preconceitos sejam testados pela alteridade do texto.

Em todo princípio de interpretação, ele se apresenta como sendo aquilo que a interpretação necessariamente já "põe", ou seja, que é preliminarmente dado na posição prévia, visão prévia e concepção prévia. (HEIDEGGER, 2001, p. 207)

Conceitos formados na minha existência, conceitos que trago desde sempre, tornam-se preconceitos para novos conceitos. É desta forma que obtemos a compreensão do mundo e das coisas do mundo sem que a mente fique estagnada e inerte em determinado conceito formado e petrificado.

GADAMER, Hans – Georg. O problema da consciência histórica. Org. Pierre Fruchon. Trad. Paulo César Duque Estrada. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1998.

REALE, Giovanni e ANTISTERI, Dario. História da Filosofia: do Romantismo até nossos dias. São Paulo: Paulus. 1998

HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Trad. Macia de Sá Cavalcante, 10º edição. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2001


Autor: Gilvan L. Silva


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