MULHER & MAGISTÉRIO, FEMINILIZAÇÃO & FEMINIZAÇÃO



INTRODUÇÃO

Sempre se ouve falar que a mulher é quem tem vocação para ser professora, pois é mais paciente, zelosa, carinhosa, costuma agir com seus alunos / as como se fosse mãe deles / as. Certa vez, sair duma escola em que eu dava aula e fui conversando com um rapaz que ao saber que eu era professora soltou a bela frase ­de que mulher tem mais jeito para o ensino, sorrir e sacudir a cabeça. Pensar que em pleno século XXI os ideários de que as mulheres têm mais vocação para o ensino ainda vivem ativamente.

A ideia de que mulher foi destinada ao magistério pelas características atribuídas a ela socialmente, fez com que ocorresse do final do século XIX e início do século XX o que se chama de feminização do magistério primário.

Um aumento significativo de mulheres na procura pela Escola Normal e conseqüentemente como professoras no ensino primário enquanto havia uma diminuição na procura dos homens nessa área profissional.

Por diversos motivos as mulheres ingressaram no magistério e tal ingresso possibilitou que as mesmas e outras mulheres obtivessem liberdade de expressão no público seja através da própria exposição ou mediante escritos, como cartas, ou seja, houve uma abertura para que saíssemos do privado, do cerco murado da casa para as ruas.

Percebemos durante as leituras feitas que as características de um/ a profissional da educação e das mulheres eram similar e encontramos o termo feminilização, ou seja, feição da profissão similar as atribuídas às senhoras da época. Logo, tal compatibilidade favoreceria o ingresso feminino no magistério primário.

Trabalhamos na construção desse texto com fundamentação nas bibliografias lidas e analisadas durante a pesquisa acerca da Feminização do Magistério Primário Baiano na Primeira República indo de 2008 a 2009.

Nosso objetivo é abordar de forma sucinta a inclusão das mulheres no magistério e a feminização e feminilização para uma possível introdução no assunto, já que reconhecemos a amplitude do tema.

MULHERES PARA O MAGISTÉRIO

A inclusão das mulheres na Escola Normal serviu para adentrarem no mundo público, podendo atuar no mercado de trabalho lecionando no ensino primário ou pelo interesse em obter uma cultura ampla anterior ao casamento. Segundo Bruschini (1988):

A escola Normal "sobrepunha o Ensino Primário e com uma característica marcadamente profissionalizante, converteram-se numa das poucas oportunidades de continuação dos estudos para as mulheres. Por essa razão acabaram servindo tanto às mulheres que iam efetivamente lecionar, quanto àquelas que pretendiam apenas prosseguir os estudos e adquirir boa cultura geral antes do casamento." (p. 5)

Os interesses em incitar o ingresso das mulheres no magistério tinham o objetivo de manter princípios morais e conservadores, de acordo com Bruschini (1988). Além de que "o magistério era a única profissão feminina respeitável e a única forma institucionalizada de emprego para a mulher de classe média." e segundo Costa e Conceição (2001),

"Não obstante as limitações, discriminações e impedimentos, essa inserção na força de trabalho era ainda uma das poucas possibilidades de atuação no espaço público possível para as mulheres de classe média."

De acordo com Costa e Conceição (2001), O magistério era a carreira considerada mais apropriada às mulheres em inteira harmonia com os estereótipos femininos dominantes. Segundo Almeida (1998), a profissão de professora foi praticamente à única que as mulheres tiveram o direito de exercer, já que os demais campos profissionais lhes foram oclusos. De acordo com Louro (2006), os homens estavam abandonando as salas de aula, dando origem a uma "feminização do magistério", fato provavelmente ligado ao processo de urbanização e industrialização, os quais ampliavam o campo de atuação masculina.

O gênero feminino era idealizado como um ser bondoso, zeloso, meigo e bonito, tornando-se mãe "deveria ser pura e assexuada", transformando a sala de aula à extensão do lar e atribuindo virtudes divinas às mulheres como doce, meiga, paciente etc., fez com que se levantasse a bandeira de que a mulher seria a pessoa ideal para ocupar cargo docente.

Segundo Louro (2006):

"A educação da mulher seria feita, portanto, para além dela, já que sua justificativa não se encontrava em seus próprios anseios ou necessidades, mas em sua função social de educadora dos filhos ou, na linguagem republicana, na função de formadora dos futuros cidadãos." (p. 447),

Desouza apud Hahner (1990):

"De 1872 a 1900, a percentagem de professoras nas escolas primarias dobrou, de um terço para dois terços, pois o magistério era uma extensão natural do papel das mulheres como cuidadoras mantendo o arquétipo do modelo de Maria. A entrada das mulheres nesta profissão resultou da redução do salário dos educadores (Hahner, 1990)"

Além de que, de acordo com Vieira (2008), a educação feminina tinha por objetivo "preparar a mulher para atuar no espaço doméstico como mãe e esposa. E 'ser professora' seria apenas um prolongamento dessas funções".

A família exercia papel importante na decisão das mulheres na escolha do seu futuro, segundo Passos (2001):

"O estímulo recebido dos familiares, decerto, além de representar uma necessidade concreta de uma família de poucos recursos, que exigia e permitia o trabalho feminino, fez-se em virtude dessa ser uma das poucas opções de trabalho permitido à mulher naquele momento." (P. 105)

Muitas mulheres iniciaram sua vida profissional em decorrência das necessidades familiares, de acordo com Bruschini (1988), o magistério seria então especialmente atraente para aquelas com responsabilidades familiares.

Além de que, o magistério era (é) um emprego que admitiria "conciliar a vida profissional com as tarefas domesticas e familiares, pois, além das férias escolares não exigiria extensas jornadas de trabalho.

A feminização do magistério na Bahia foi concomitante com a do Brasil, do final do século XIX e início do século XX foi o período de transformação de responsáveis no setor educacional primário, passando duma maioria de professores para professoras.

De acordo Passos (2001), o magistério se apresentava como uma das poucas ocupações possíveis, pela dignidade e adequação que supostamente representava para o sexo feminino e segundo Leite (2001) o magistério, assim como a filantropia, era área de atuação culturalmente designada às mulheres, por estar de acordo com suas capacidades físicas, intelectuais e emocionais.

A mulher se via entre o trabalho e o casamento, ajudar financeiramente a família e cuidar da casa, ser uma boa mãe e esposa, e muitas vezes era necessário ser feita uma escolha

"quase sempre, uma opção que mulheres que se dedicavam a uma profissão precisavam fazer, diante da incongruência, definida socialmente, entre trabalho e casamento.", "Assim, as mulheres que, por escolha ou por necessidade, abraçassem uma profissão, renunciavam a vida de casada e aos papéis de esposa e de mãe biológica" .(Passos, 2001, p. 106)

O processo de socialização das mulheres, segundo Leite (2001), "pode ser visualizado a partir do envolvimento das mulheres em diversas atividades", como por exemplo, o assistencialismo, onde as mulheres abastadas poderiam "intervir ativamente nos problemas de sua realidade."

Segundo Bruschini (1988),

"Embora o encargo da mulher com a socialização infantil seja fruto da divisão sexual do trabalho, diferenças biológicas são invocadas para justificar esse fato como 'natural'. Daí a considerá-lo uma 'vocação' é apenas um pequeno passo."

Considerando que a vocação foi um das estratégias mais competente para induzir as mulheres a optar pelas profissões desvalorizadas socialmente, como o magistério, que segundo Costa e Conceição (2001), "entrada massiva de mulheres no magistério veio acompanhada de um processo crescente de desvalorização salarial e de perda de prestígio".

Segundo Passos (2001), no final do século XIX argumentava-se que as salas aulas eram mais adequadas às mulheres, "por que elas já desenvolviam atividade análoga dentro de casa, na criação e educação dos filhos", de acordo com Leite (2001) o imaginário republicano construiu um arquétipo de mulher ressaltando uma cadeia de virtudes consideradas naturais. Além disso, a pedagogia tradicional ensinava as mestras, segundo Passos (2001), a tratarem os educandos como filhos e fazer da escola a continuidade do lar.

Para enriquecer o nosso trabalho e até mesmo ter uma visão política não - sexista, trazemos uma citação de Silva e Inácio Filho (s.d.) acerca de que o ingresso da mulher na Escola Normal

estava estritamente ligada à demanda do curso primário, devido ao esforço pela democratização da cultura e pela preocupação com o alto índice de analfabetismo da população.

Percebemos que há crenças de que as mulheres se inseriram no magistério por conseqüência da necessidade social em possuir um maior número de docente já que aumentava o número de instituições com o ensino primário. No entanto, no mesmo artigo está explicitado que a feminização do magistério ocorreu por causa do "estereótipo criado pela própria sociedade" para a mulher, mas que com esse intuito a mulher se inseriu na docência primária conquistando uma profissão.

DA FEMINIZAÇÃO A FEMINILIZAÇÃO

O termo feminil aparece para confundir nossos pensamentos, pois pensando em feminização, que seria o processo pelo qual o magistério foi se tornando feminino, tendo por maioria as mulheres, que por razões diversas ingressaram nas escolas normais no decorrer da Primeira República, tornando-se professoras primárias.

A feminilização, segundo Tambara (s.d.), não é o fato de mulher ocupar o magistério que o tornou um trabalho feminino, mas é o trabalho que exige do profissional que tenha a pretensão em atuar na área, características peculiares, como a paciência, tolerância e meiguice.

Segundo Werle (s.d.), a Escola Normal foi à grande responsável por esse processo de constituição da forma feminil, envolvendo o assemelhamento da docência com o trabalho doméstico, dependência e fragilidade.

O perfil idealizado do gênero feminino durante a Primeira República e ratificado pelo influxo do positivismo não se diferenciava da mulher professora. Mesmo tendo "adquirido seu espaço" a mulher deveria manter o que lhes foi atribuído socialmente, como pureza, beleza, bondade, amor, maternidade, entre outros.

Segundo Carvalho (2005), a visão supracitada que se tinha (tem) da mulher torna o conjunto das mulheres homogêneo, sendo assim, essencialismo, pois atribui alguns traços de personalidade a todas as mulheres ao longo da história, não levando em conta as ricas diferenças, como sua inserção socioeconômica, etnia, geração etc.

Pensando nas relações de gênero como construções sociais e históricas, perceberemos as múltiplas feminilidades e masculinidades, segundo Carvalho (2005), que coexistem em cada contexto cultural e que modificam no decorrer do tempo.

Segundo Scott (1991), os sujeitos se encontram no processo de construção, mas a teoria tende a universalizar as categorias "homem e mulher" e a relação entre o masculino e feminino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O magistério primário foi a única profissão, no período da primeira República, possível as mulheres brancas e de classe média. A educação feminina era diferente da masculina e as mulheres eram preparadas para o lar, serem boa esposa e mãe, tendo essas qualificações, as senhoras estariam preparadas para atuação docente.

Os homens se distanciavam do magistério em decorrência da desvalorização da profissão, do atraso salarial, do desprestigio dado ao docente, assim como a busca de áreas mais rentáveis que acompanhava o crescimento da urbanização e industrialização.

As mulheres ingressavam no magistério por diversas razões, entre elas, pelo fator familiar, pis a família precisava de dinheiro, outro fator seria por que a profissão dava espaço para as mulheres atuarem como mãe, esposa, professora, etc.

Acreditamos que a feminilização do magistério ocorreu antes da feminização, ou melhor, a feminização é consequência da feminilização, pois, se pensarmos que a profissão docente tinha características similares às atribuídas as mulheres da época e que isso facilitou o ingresso maciço das senhoras no ensino primário, veremos que a feminilização antecedeu a feminização.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Jane Soares de. Mulher e Educação: a paixão pelo possível. São Paulo: UNESP, 1998.

BRUSCHINI, Cristina e AMADO, Tina. Estudos Sobre Mulher e Educação: Algumas Questões Sobre o Magistério. CAD. Pesq., São Paulo (64): 4-13, fev. 1988.

COSTA, Ana Alice Alcântara e CONCEIÇÃO, Helida. As mulheres na "Revolta dos resignados". A greve dos professores municipais em 1918. . In: Fazendo Gênero na Historiografia Baiana / organizado por Cecília M. B. Sardenberg, Iole Macedo Vanin e Lina Mª Brandão de Aras. Salvador: NEIM/ UFBA, 2001. P. 119 – 131

DESOUZA, Eros, BALDWIN, John R. e ROSA, Francisco Heitor da. A Construção Social dos Papéis Sexuais Femininos. Psicologia: Reflexão e crítica, 2000, 13 (3), p. 486.

LEITE, Márcia Maria da Silva Barreiros. As Damas da Caridade: Sociabilidades Femininas na Bahia Republicana. In: Fazendo Gênero na Historiografia Baiana / organizado por Cecília M. B. Sardenberg, Iole Macedo Vanin e Lina Mª Brandão de Aras. Salvador: NEIM/ UFBA, 2001. P. 89 - 103.

LOURO, Guacira Lopes. Mulheres na Sala de AULA. In: DEL PRIORE, Mary. (Org.). História das Mulheres no Brasil. 5º. Ed. – São Paulo: Contexto, 2001. p. 443-481.

FAGUNDES, Tereza Cristina Pereira Carvalho. Mulher e Pedagogia. Salvador-Bahia. Editora Helvécia. 2005

PASSOS, Elizete. Entre a autoridade e o afeto: Anfrísia Santiago e a Educação Feminina na Bahia. In: Fazendo Gênero na Historiografia Baiana / organizado por Cecília M. B. Sardenberg, Iole Macedo Vanin e Lina Mª Brandão de Aras. Salvador: NEIM/ UFBA, 2001. P. 105 - 118.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Recife: SOS Corpo, 1991.

SILVA, Michele e INACIO FILHO, Geraldo. Mulher e educação católica no brasil (1889-1930): do lar para a escola ou a escola do lar?. Disponível em:< http://www.histedbr.fae.unicamp.br/art14_15.pdf> Acesso em: 13.Jan. 2009.

TAMBARA, Elomar. A Femilização da Feminização do Magistério no Brasil. Disponível em: < http://web.letras.up.pt/7clbheporto/trabalhos_finais/eixo4/ID563.pdf > Acesso em: 15. Jan. 2009.

VIEIRA, Débora Magali Miranda. Mulher e Formação Para o Magistério: "Entre a condição desejável e a possível de se obter" – Bahia – 1873 a 1895. Monografia. UFBA – Salvador, 2008.

WERLE, Flávia Obino Corrêa. Práticas de gestão e feminização do magistério. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0100-15742005000300005&script=sci_arttext&tlng=es > Acesso em 12.Jan. 2009.


Autor: Marise Urbano


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