O Impacto Da Utilização De Estratégias De Marketing Social Na Consolidação Da Marca Natura



CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE – UNI-BH

PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO, PESQUISA E EXTENSÃO

ESPECIALIZAÇÃO ‘LATO SENSU’ EM MARKETING E COMUNICAÇÃO 
 

O IMPACTO DA UTILIZAÇÃO DE ESTRATÉGIAS DE MARKETING SOCIAL NA CONSOLIDAÇÃO DA MARCA NATURA 1

GISELLE APARECIDA DA SILVA 2

ROGÉRIO TOBIAS 3 
 

Belo Horizonte, 27 de outubro de 2007. 

RESUMO

Este artigo pretende discutir o uso do marketing social como ferramenta de negócio e sua aplicabilidade em empresas de varejo. Será utilizado como objeto de análise a empresa Natura. Nesse trabalho buscar-se-á identificar o impacto da produção das empresas e do consumo no meio ambiente e como o marketing pode interferir positivamente em todo processo.

Palavras-Chave: marketing, marketing social, responsabilidade social corporativa, desenvolvimento sustentável, impacto ambiental.  

ABSTRACT

This study pretends to discuss the use of social marketing as a business toll and its way of application in retail companies. The exploration object is the company Natura. This study shows the importance of identifying the product impact made by the companies and the consumer impact in the environment, besides showing how the marketing can work positively in all the process.

Key-Words: marketing, social marketing, corporation social responsibility, supported development, environment impact.

 

1 INTRODUÇÃO 

     A questão ambiental vem ganhando cada vez mais destaque no mercado empresarial nos últimos tempos. Este ano, a divulgação do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostrou as evidências científicas claras sobre as conseqüências do aquecimento global e tornou incontestável o impacto das empresas no ambiente e a necessidade, cada vez maior, de iniciativas empresariais que possam promover o desenvolvimento com equilíbrio econômico, social e ambiental.

     Nesse momento, em que o impacto da produção e consumo sobre o meio ambiente está em foco, esquenta a discussão entre a questão ética e econômica e coloca-se em dúvida a aplicabilidade de estratégias guiadas pela ótica da responsabilidade social e desenvolvimento sustentável.

     Considerando esse novo cenário de negócio, este artigo pretende discutir o uso do marketing social como ferramenta de negócio e sua aplicabilidade em empresas de varejo. Para isso, será apresentado um estudo de caso sobre a empresa Natura com o objetivo de identificar o impacto da produção das empresas e do consumo no meio ambiente e como o marketing pode interferir positivamente em todo processo. 
 

2 MARKETING  
 

2.1 Definição 

     Embora já tenha sido visto como um modismo, o Marketing resistiu e hoje é considerado uma ferramenta importante para o planejamento das organizações, buscando sempre o crescimento e desenvolvimento do negócio de forma lucrativa e promissora, aproveitando racionalmente os recursos e oportunidades que existem para cada negócio.

     O conceito de marketing poderá ser mais bem compreendido por definições apresentadas por diferentes autores: 

        Marketing é mais do que uma forma de sentir o mercado e adaptar produtos ou serviços – é um compromisso com a busca da melhoria da qualidade de vida das pessoas... (COBRA, 1992, p.29).

     Kotler (2000) destaca a distinção entre as definições gerencias e sociais. A primeira considera uma maneira superficial de abordar o conceito, algo como “a arte de vender produtos”. Para ele o marketing pretende um esforço muito maior do que apenas garantir a venda de um produto ou serviço, recorrendo à necessidade de aprofundar na definição social do conceito: 

        Marketing é um processo social por meio do qual pessoas e grupos de pessoas obtêm aquilo de que necessitam e o que desejam com a criação, oferta e livre negociação de produtos e serviços de valor com outros (KOTLER, 2000, p.30). 

     Dessa forma, considera que a venda deveria ser uma conseqüência natural do processo de marketing, que seria conhecer e compreender a necessidade do cliente, oferecendo-o um produto ou serviço que se encaixe perfeitamente no seu desejo de compra, sem que sejam necessários grandes esforços de venda. 

        É preciso descobrir o que o consumidor quer, ou necessita, e a partir daí orientar uma produção mais racionalizada. Esse é o enfoque centrado no marketing para identificar as necessidades dos consumidores. (COBRA, 1992, p.33). 

     Cobra (1992) destaca que a lei da sobrevivência influenciou a maneira como as organizações passaram a se orientar levando em consideração as necessidades e exigências do mercado. Segundo ele, o processo vem acontecendo desde a orientação para a produção, passando pela orientação pelas vendas, chegando até a era de orientação para o produto e, mais recentemente, a transição entre a era do produto e uma nova era voltada para o consumidor, a era do Marketing.

     A nova fase marca a concentração de esforços para entender e responder as necessidades do consumidor e também uma nova relação de competitividade entre as empresas, em que a eficiência não reside apenas na oferta de bens e serviços de qualidade, mas na compreensão do desejo ou necessidade dos indivíduos expressos pelos valores identificados nos produtos, serviços e até mesmo imagem da empresa.

     Kotler (2000) acredita que a administração de marketing deve ser um processo de planejar e executar a concepção, a determinação de preço, a promoção e a distribuição de idéias, bens e serviços para criar negociações que satisfaçam metas individuais e organizacionais. Neste processo será necessária a escolha de mercados-alvo (necessidades, desejos e demandas) além da captação, manutenção e fidelização de clientes (valor e satisfação). Para uma escolha eficaz serão necessárias ferramentas que constituem o mix de marketing. 

2.2 O Mix de marketing 

        A compreensão das ferramentas de marketing pode ajudar a neutralizar as forças ambientais, canalizando recursos e obtendo resultados financeiros e de posicionamento de mercado compensadores. (COBRA, 1992, p.44). 

     Kotler (2000) define mix de marketing ou composto de marketing como um conjunto de ferramentas de marketing que a empresa utiliza para perseguir seus objetivos de marketing no mercado-alvo. Esse conjunto de ferramentas de marketing será representado por quatro variáveis controláveis, denominadas de 4P´s: produto, preço, praça e promoção.

     O produto representa algo que pode ser oferecido a um mercado para a sua apreciação, uso ou consumo na tentativa de satisfazer um desejo, necessidade ou demanda.

     O preço é uma variável quantitativa que resume a quantia que os consumidores trocam pelos benefícios da utilização de um produto ou serviço. A decisão do preço precisa considerar uma série de fatores do macro ambiente (fatores tecnológicos, políticos e legais, demanda e ciclo de vida do produto), além de questões subjetivas (valor percebido pelo cliente e reações dos concorrentes).

     A praça representa os canais de distribuição e logística, ou seja, o fluxo entre produtor e consumidor e considera os canais, a cobertura, variedades, locais, estoque e transporte, entre outros.

     A promoção será a comunicação com o consumidor, ou seja, todo o esforço que motivá-lo ou encorajá-lo a comprar. A promoção deve agregar um diferencial para experiência de compra (físico ou emocional) para que o consumidor tenha uma percepção positiva e possa também contribuir para a imagem da empresa ou produto.

     Para Cobra (1992) o sistema de marketing pode ser representado também por outro modelo de interação das ferramentas de marketing proposto pelo professor Raimar Richers e baseado em 4 A's: análise, adaptação, ativação e avaliação.

     A análise é uma fase de identificação de forças do mercado (política, sociedade, legislação, tecnologia e concorrência) e pretende estimar a demanda de mercado e o potencial de consumo.

     A adaptação é a fase de ajustes dos produtos ou serviços às necessidades levantadas na análise inicial, um estágio de interpretação do ciclo de vida de cada produto em relação à concorrência.

     A fase de ativação é chamada de composto promocional e tem como elementos principais a distribuição, força de venda pessoal, promoção de vendas, propaganda, merchandising e relações públicas.

     O momento de análise será feito na fase de avaliação, quando serão avaliadas as principais forças e fraquezas organizacionais, oportunidades e problemas os esforços de marketing executados.  

2.3 Segmentação 

     A segmentação de mercado é a divisão do mercado em grupos distintos de compradores com necessidades, características ou comportamentos próprios na tentativa de entender cada grupo de consumidores que tendem a responder de forma semelhante a um conjunto de estímulos de marketing. A partir da identificação e segmentação do mercado, torna-se possível segmentar mercados homogêneos e utilizar estratégias específicas para atender as necessidades de consumidores.

     A partir do momento em que se segmenta o mercado, fica mais fácil encontrar o mercado-alvo e, com isso, a empresa terá maiores chances de conseguir resultados satisfatórios com o seu posicionamento porque já entenderá melhor as necessidades de seu público-alvo. A segmentação torna-se um preparatório para que as empresas possam se posicionar competitivamente, através da identificação de um mercado atrativo e adequado a sua proposta e, dessa forma, desenvolver seus pontos fortes e potenciais, assim como minimizar a vulnerabilidade dos pontos fracos, ou mesmo abandoná-los. 

        Posicionamento começa com um produto (...) mas posicionamento não é o que você faz com o produto. Posicionamento é o que você faz na mente do cliente em perspectiva. Ou seja, você posiciona o produto na mente do comprador em potencial. (RIES & TROUT, 2001, p.2) 

      Tendo então escolhido o mercado-alvo as empresas devem buscar um diferencial para seus produtos e/ou serviços e estar atentar para que as estratégias escolhidas resultem em vantagem competitiva e não ofereçam riscos para as metas do plano de marketing.

     Kotler (2000) e Ries e Trout (2001) têm visões diferentes sobre posicionamento. O primeiro propõe uma abordagem mais ampla e defende que para se obter uma boa posição na mente dos clientes-alvo é necessário entender primeiro como estes percebem as diversas ofertas do mercado, para depois construírem suas estratégias, de forma tal que alcance a diferenciação dos seus produtos e/ou serviços e tenha este valor reconhecido. Kotler (2000) ainda destaca que a escolha do posicionamento estratégico de uma empresa não é linear e depende muito da situação em que a empresa se encontra. O primeiro passo é identificar as vantagens competitivas e só depois selecionar quais aquelas deverão estar na base do posicionamento do produto sendo também necessário uma comunicação eficaz desta posição.

     Já para Ries e Trout (2001), posicionamento não é o que se faz com o produto, mas sim como ele é colocado na mente das pessoas, considerando-se os conhecimentos e necessidade de cada uma delas.  

        Para muitas pessoas e produtos de hoje, o caminho para o sucesso consiste em ver o que a concorrência está fazendo e despojá-la da poesia ou da criatividade que constituem barreiras para que a mensagem chegue até a mente. Com uma mensagem purificada e simplificada, aí você consegue penetrar na mente do consumidor em perspectiva. (RIES, 2001, p.20)  

     Ries e Trout (2001, p.14) acreditam que "o posicionamento é um sistema organizado para se encontrar uma janela para a mente. Baseia-se no conceito de que a comunicação só pode ter lugar no momento certo na circunstância certa". Para eles, fixar uma marca na opinião do cliente em potencial, nos dias de hoje, está cada vez mais difícil, pois existem obstáculos que devem ser considerados.

     Em um primeiro momento, há uma sociedade saturada de comunicação, na qual todos querem se fazer ouvir: pessoas e/ou empresas, ocasionando apenas “barulhos”, e com isso, péssimos resultados, já que as mensagens não surtem os efeitos esperados. Daí a importância do posicionamento para se alcançar uma posição na mente das pessoas, direcionando os discursos de acordo com a realidade que está na mente do cliente em potencial. Afinal, nem todas as informações recebidas serão aceitas, é preciso que exista conexão com conhecimentos ou experiências anteriores.

     Conclui-se que acompanhar o mercado e segmentá-lo pelos diferentes grupos de consumidores é vital para que uma empresa possa se sobressair nos dias de hoje. Posicionar-se no contexto correto é importante para se obter vantagem competitiva frente à concorrência e aproveitar ao máximo as táticas e estratégias no mercado-alvo. 

2.4 Ciclo de vida do produto 

     O ciclo de vida de um produto é na verdade a análise de sua trajetória no mercado desde o momento em que é introduzido até a sua retirada total, considerando a relação entre o tempo de comercialização e resultado de vendas. Os estágios que marcam a trajetória do ciclo de vida são:

     • Introdução: fase pioneira em que o produto está sendo desenvolvido e a produção é pequena assim como o número de concorrentes no mercado. É caracterizada pela baixa lucratividade devido aos custos mercadológicos e de lançamento do produto.

     • Crescimento: fase de expansão e crescimento. É caracterizada pelo início da demanda e expansão de mercado através do aumento de vendas (maior confiança e aceitação no mercado). Também os lucros começam a ser percebidos já que existe uma redução nos custos de fabricação devido à economia de escala de produção.

     • Maturidade e saturação: fase em que acontece a estabilização das vendas. Momento de equilíbrio entre o número de consumidores e volume de compras. A falta de estímulo gera disputa pela concorrência, reduzindo lucros.

     • Declínio: momento em que as preferências dos consumidores mudam devido à entrada de novos produtos no mercado. Caracteriza-se também pela diminuição dos esforços promocionais e por preços estabilizados em níveis baixos. Os lucros são pequenos ou inexistentes. Surgem novas oportunidades de investimento e produto é retirado do mercado.

     Cobra (1992) ressalta que, embora o ciclo de vida tenha uma ordem natural, existem produtos que atingem a maturidade e permanecem nesse estágio sem necessariamente entrarem em fase de declínio.

     Como verificamos pelas características pontuadas em todas as fases do ciclo de vida do produto torna-se essencial ao marketing orientar estratégias diferenciadas no sentido de prolongar ao máximo a vida de um produto, seja antecipando seu lançamento ou incrementando esforços como novos usos e aplicações do produto. As estratégias podem ser classificadas como: promocional, de distribuição, de preços ou de planejamento do produto. Cada uma delas está relacionada a uma determinada fase do ciclo e pode ser adaptada a tendências identificadas no mercado. 

3 MARKETING SOCIAL 

     O marketing social para Zenone (2006, p.65) é uma “extensão de marketing ao longo de sua dimensão substantiva, isto é, a ampliação das áreas concernentes ao marketing para focar os interesses a longo prazo dos consumidores e da sociedade. 

        O conceito de marketing social sustenta que a organização deve determinar as necessidades, desejos e interesses dos mercados-alvo, e então proporcionar aos clientes um valor superior de forma a manter ou melhorar o bem-estar do cliente e da sociedade. É a mais recente das filosofias de marketing. A administração de marketing concentra-se em equilibrar três fatores ao definir sua política de mercado: os lucros da empresa, os desejos do consumidor e os interesses da sociedade. (ZENONE, 2006, p.67 apud KOTLER E ARMOSTRONG, 1998. p.11) 

     Neto e Froes (1999) destacam que nos últimos 30 anos ocorreram importantes transformações na gestão organizacional. O papel da empresa começou a ser repensado na sociedade e o social surgiu como um espaço institucional e um novo campo de oportunidades para as organizações. Essas transformações associadas às mudanças culturais fizeram com que a sociedade despertasse também para uma consciência ambiental, situando o meio ambiente como um dos princípios fundamentais do consumidor moderno.

     Expressões como cidadania corporativa, ética empresarial e responsabilidade social estão sendo cada vez mais associadas ao marketing social, que segundo Zenone (2006), explica-se pelo fato de estarem no mesmo campo semântico.

     A responsabilidade social seria então uma forma de conduzir os negócios da organização de tal maneira a torná-la parceira e co-responsável pelo desenvolvimento social. Para isso, a organização precisaria ter a cultura da responsabilidade social incorporada à sua missão e não apenas desenvolver ou participar de programas sociais isolados, nem mesmo tê-la como uma imposição legal. A gestão organizacional precisa legitimar a responsabilidade social, de modo a garantir resultados positivos e sustentáveis ao longo do tempo.  

        Responsabilidade social pode ser definida como o compromisso que uma organização deve ter para com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes que a afetem positivamente, de modo amplo, ou a alguma comunidade, de modo específico, agindo proativamente e coerentemente no que tange seu papel específico na sociedade e a sua prestação de contas para com ela. (...) Assim, numa visão expandida, responsabilidade social é toda e qualquer ação que possa contribuir para a melhoria da qualidade de vida da sociedade. (ASHLEY, 2003, p.06-07). 

     Neste raciocínio, a avaliação de desempenho de uma empresa diante de suas responsabilidades deve ser, portanto, vista sempre em relação à sociedade, à economia e ao ambiente em que está inserida. Ashley (2003) e Froes e Neto (1999) acreditam que a responsabilidade social seja parte de um conceito mais amplo: o desenvolvimento sustentável. Ela estaria inserida na dimensão social que, juntamente com as dimensões econômica e ambiental, constituiriam os três pilares do conceito como um todo.

     O marketing social destaca-se nesse novo panorama de negócios em que papel do marketing, segundo Kotler (2000), deve considerar “o conceito humano”, “o conceito do consumo inteligente” e também “o conceito do imperativo ecológico”. Dessa forma ressalta ainda que: 

        A orientação de marketing societal sustenta que a tarefa da organização é determinar as necessidades, os desejos e os interesses dos mercados-alvo e entregar as satisfações desejadas mais eficiente e efetivamente que a concorrência, de uma maneira que preserve ou aumente o bem-estar do consumidor e da sociedade. (KOTLER, 2000, p.51) 

     Cabe a esse “braço” do marketing articular estratégias empresariais competitivas por meio de soluções corretas, ambientalmente sustentáveis e economicamente viáveis. Soluções que sejam adequadas para a comunicação e o conhecimento sobre os impactos econômicos, sociais e ambientais e as expectativas daqueles que participam da rede de relacionamentos (stakeholders4) derivados do negócio.

     Ashley (2003) e Froes e Neto (1999) ressaltam que apoiar o desenvolvimento da comunidade e preservar o meio ambiente não são ações suficientes para atribuir a uma empresa a condição de socialmente responsável.  

        Algumas pessoas questionam se a orientação de marketing é adequada a uma época de deterioração ambiental, escassez de recursos, explosão demográfica, fome e miséria em todo o mundo e serviços sociais negligenciados. (KOTLER, 2000, p.47) 

     O marketing social é um elemento primordial nas estratégias de marketing e não deve ser visto à parte. É fruto da harmoniosa interação entre o marketing orientado para o consumidor e o marketing institucional (orientado para a imagem). Dessa sintonia entre os três pilares pretende-se alcançar a recíproca nas relações que se estabelecem entre as organizações e a sociedade como um todo. 

        A imagem da empresa tem papel fundamental na decisão de compra dos consumidores, envolvendo não só a qualidade dos seus produtos e processos, mas também os esforços da empresa em relação às práticas sociais. (ZENONE, 2006, p.23) 

     Zenone (2006, p.68) pontua que “o marketing social é, na verdade, uma tecnologia de gestão do processo de transformação social” e que pode servir aos objetivos comerciais e a longo prazo do planejamento de marketing. 

4 O CASO NATURA 

     Dados da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos revelam que o mercado brasileiro de cosméticos apresentou um crescimento médio deflacionado composto de 10,9% nos últimos 11 anos. No ranking mundial, segundo o Instituto Internacional de Pesquisas – Euromonitor 2005, o Brasil ocupa a quarta posição entre os países de maior consumo de cosméticos do mundo, perdendo apenas para grandes potências como Estados Unidos, Japão e França.

     Atualmente a Natura é a maior empresa brasileira de cosméticos e mantém a liderança desde 2001, quando superou sua concorrente Avon. Nos últimos quatro anos, a participação da empresa no mercado brasileiro saltou de 12% para 22,8%.

     A empresa possui alcance nacional e internacional e tem mais de 5.000 colaboradores e cerca de 617 mil profissionais autônomos, consultoras e consultores, que levam até os consumidores os produtos e valores da marca Natura. Esse relacionamento com os consumidores é a grande chave do sucesso de suas vendas.

     A Natura foi fundada em 1969 por Jean-Pierre Berjeaut e o atual presidente, Antônio Luiz da Cunha Seabra, com o nome de Indústria e Comércio de Cosméticos G. Berjeaut Ltda. Começou como uma pequena loja e um laboratório situados à rua Oscar Freire, em São Paulo (SP), e com a idéia de incorporar a seus serviços uma abordagem personalizada, oferecendo produtos diferenciados para o clima úmido do país e para os vários tipos de peles locais.

     Além desse diferencial, a empresa passou a investir no sistema de vendas diretas, com vendas “porta-a-porta”, que permitia o contato direto e personalizado da empresa com seus clientes. As Consultoras Natura tornaram-se então o principal elo da empresa com o consumidor final, que se mantém até hoje.

     A empresa começou a se destacar no cenário nacional na década de 80, quando inicia uma fase de crescimento e uma reestruturação interna, a fusão de 4 empresas para constituir a atual composição da empresa. Naquele momento, a estratégia funcionou como uma resposta eficaz para as necessidades de crescimento rápido em um cenário favorável já que a economia estava fechada, a inflação alta e a moeda instável, tornando a competição estrangeira inviável no mercado. Porém, neste mesmo período, uma crise econômica no Brasil barrou o crescimento da empresa e contribuiu para a instabilidade.  

        Para a Natura, as implicações eram que ela tinha que se comparar com padrões internacionais de qualidade e inovação e enfrentar a competição com mais recursos e linhas de produtos mais diversificados. O consumidor brasileiro agora tinha uma renda mais estável, porém também havia ficado mais exigente, como resultado, o impressionante crescimento e margens da Natura estavam sob ameaça. (GHOSHAL, BARROS, SULL, SANTOS, 2000, p.02).  

     A década de 90 marca o início de um novo posicionamento no mercado e a revolução corporativa da Natura, começando por contratações para a diretoria e um investimento pesado em programas de qualidade e tecnologia. Em 1995 a Natura formalizou seu Plano Institucional no qual deixou claro suas crenças, valores, visão, missão e o relacionamento da corporação com os diferentes públicos.

     Os 30 anos da empresa foram comemorados em 1999, com o início do processo de modernização visual da identidade Natura. A reformulação de branding incluiu mudanças na logomarca que passou a ter cores mais quentes, traços mais leves e modernos, e na sua assinatura que deixou de ser “A verdade em cosméticos” para passar a ser “bem estar bem”. A antiga assinatura não atendia mais os novos conceitos que a Natura pretendia incorporar à sua marca. Essa mudança veio acompanhada pela ampliação do investimento em novas linhas como a de suplementos nutricionais e produtos para saúde.

     A mudança foi apoiada por um estudo dos aspectos relacionados à marca e à imagem da empresa junto a seus principais públicos. Os resultados das pesquisas auxiliaram no direcionamento da modificação da marca, evitando possíveis rejeições de seu público e preservando aspectos importantes como a fidelidade emocional, uma série de elementos importantes que podem não ser óbvios à primeira vista, mas que fazem com que esses clientes tenham uma ligação emocional com a marca.

     Paralelo a esses investimentos, a empresa começou a expansão do espaço físico que proporcionou um significativo aumento na capacidade de produção. A Natura deu um salto no domínio de tecnologias de ponta e novos processos de fabricação e distribuição. O novo espaço Natura em Cajamar, São Paulo, centralizou as operações de produção, distribuição e treinamento da empresa e tornou-se um centro de referência em pesquisa e tecnologia, responsável pelos estudos do uso sustentável da biodiversidade brasileira em produtos da linha Natura.

     O impulso permitiu estabelecer parcerias com universidades brasileiras, ONG’s, e adquirir um laboratório de fitoterápicos com um acervo de pesquisas de mais de 280 plantas brasileiras além de uma linha de 300 produtos já desenvolvidos.

     A Natura precisava acompanhar as tendências da economia e a nova atitude do consumidor. O mercado sinalizava que qualidade, inovação e preço deixavam de ser diferenciais e o consumidor adotava uma postura mais rígida quanto às suas escolhas, criando novas expectativas em relação aos valores identificados e experiências pessoais para a compra. 

Uma questão ambiental 

     De olho nessa fatia do mercado, a Natura procura moldar sua imagem para a de uma empresa socialmente responsável. Em sua proposta não inclui projetos isolados e sim uma política de responsabilidade social incorporada à sua gestão organizacional. Essa estratégia precisava também refletir na força de sua marca e na forma como seus consumidores vivenciavam uma relação emocional com ela.

     A Natura introduz então o conceito de responsabilidade social na sua gestão corporativa. Os indicadores do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social serviram de base para a implementação de um projeto que disseminaria o conceito para todos os colaboradores, o Programa Natura de Responsabilidade Social. A empresa adota também o Global Reporting Initiative (GRI), um modelo de disseminação de indicadores de sustentabilidade aplicáveis globalmente. Já em 2001, publica o primeiro Relatório Anual da América Latina baseado no GRI, que propiciou à empresa um padrão de comparação internacional, demonstrando os resultados da gestão integrada (econômica, social e ambiental) da empresa.

     Em seguida, destina parte do investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) ao estudo do uso sustentável da biodiversidade brasileira para a criação de uma linha que irá trabalhar um novo conceito de equilíbrio entre a natureza e o homem.

     Surge então a linha Natura Ekos5. A linha é fruto de uma pesquisa intensa com ativos encontrados na Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado, e traduz em sua essência todos os valores que a gestão integrada da empresa pretende disseminar em sua imagem.

     A estratégia de marketing da linha Natura Ekos está apoiada em três pilares: uso de ativos da biodiversidade brasileira, desenvolvimento sustentável (economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto) e aproveitamento das tradições populares.

     O primeiro pilar se justificava pelo uso de ativos da biodiversidade brasileira. O segundo pilar da linha Ekos é o desenvolvimento sustentável (economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto). O objetivo da Natura era integrar esses conceitos, promovendo uma boa qualidade de vida, de processos e produtos, responsabilidade social e ambiental.

     O terceiro e último pilar da linha Natura Ekos é o aproveitamento das tradições populares. Esse visível na comunicação adotada para a linha, onde a Natura buscou resgatar em cada canto do país um pouco da cultura de cada povo. A linha nasceu da biodiversidade, inspirando-se em brasileiros que vivem pela terra e com a terra, como caboclos, sertanejos, caiçaras e indígenas.

     Esses conceitos trabalhados pelos três pilares acabam “contaminando” a marca Natura, que utiliza-se do diferencial da linha e do sucesso mundial que o exotismo brasileiro suscitava e suscita para trabalhar em sua imagem o conceito de “valorização do Brasil”.

     A linha Natura Ekos conferiu à Natura o título de pioneira no segmento de cosméticos brasileiros no que diz respeito ao uso de princípios ativos naturais para composição de produtos ecologicamente corretos com benefícios de ação comprovada. Esse investimento em pesquisa e desenvolvimento, de forma contínua, tem sido então a principal estratégia da empresa para garantir inovação e renovação de suas linhas, e também mantê-la em posição de destaque no mercado nacional e internacional de cosméticos.  

        A imagem da marca Natura como empresa comprometida com a preservação e conservação dos recursos naturais e com o desenvolvimento sustentável e socialmente justo, foi comprovado em pesquisa realizada junto a seus consumidores: para 75% das mulheres e 63% dos homens ouvidos o atributo socialmente responsável tão importante quanto a tecnologia e a confiança nos produtos. (www.aberje.com.br

     A linha Natura Ekos ainda consolidou-se como uma aliada ao trabalho de promoção da imagem institucional e da marca Natura, uma empresa que investe em tecnologia e aprimoramento de forma socialmente responsável e ecologicamente correta. Também serviu de base para as estratégias de internacionalização da marca, por agregar valores representativos para o mercado internacional de cosméticos. A linha tinha o apelo necessário para fazer da Natura uma concorrente de peso entre outras empresas do segmento internacional de cosméticos, como a inglesa The Body Shop, as francesas Sisley e L'Occitane e a americana Aveda, que também incorporam conceitos ''ecológicos'' em seus produtos.

     Por esse motivo, tornou-se então um carro-chefe para uma nova tentativa do processo de internacionalização da marca Natura, que veio a se concretizar em 2005, com a inauguração da Casa Natura em Paris (França) e o início das operações no México.

     Além do retorno institucional, a linha contribuiu para o crescimento no faturamento da empresa. Dados da Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas mostram que, em 2002, a Natura registrou um crescimento de 19% no volume de negócios em relação a 2001, alcançando um faturamento de R$ 1,9 bilhão. Já em 2003, esse número foi superado e o volume de negócios chegou a R$ 2,6 bilhões.  

Promessas e ação 

     Durante algum tempo prevaleceu a idéia de que o controle do impacto ambiental era uma ameaça para o desenvolvimento dos negócios, mas a crescente preocupação com temas ambientais, entre eles o aquecimento global, chamou a atenção do mercado corporativo para iniciativas socialmente responsáveis, sendo criado então índices de responsabilidade social e sustentabilidade.

     Acompanhando essa tendência mundial, a BOVESPA, em conjunto com várias instituições, uniu esforços na criação do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE). O índice tornou-se um instrumento financeiro, de reconhecimento internacional, para direcionar a aplicação de recursos e investimentos em empresas socialmente responsáveis, sustentáveis e rentáveis no país.

     As empresas mais bem avaliadas pelo ISE têm em comum o uso de instrumentos de gestão de sustentabilidade, relatórios publicados regularmente sobre o assunto, políticas na área formalizadas, planejamento baseado em metas de desempenho e prestação de contas com transparência.

     Algumas empresas financeiras e da indústria de base estão na carteira do ISE, mas são as empresas energéticas que mais se destacam entre as participantes do indicador, entre elas a Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais) e a Copel (Companhia de Energia Elétrica do Paraná).

     A Petrobras, por exemplo, lutou durante 4 anos e apenas em 2006 conseguiu a indicação para o Dow Jones Sustainability Indexes (DJSI), índice que reúne empresa socialmente responsáveis cotadas na bolsa de Nova York. Já a Cemig, em 2005, foi indicada pela sexta vez consecutiva e foi a primeira é única concessionária do setor elétrico da América Latina a figurar na lista do Dow Jones Sustainability Indexes.

     Ambas têm em comum a preocupação com a imagem no mercado internacional e visualizam esses índices como "selos" que atestam o compromisso com a sustentabilidade e as diferenciam num mercado altamente competitivo.

     Para a Natura não é diferente, a empresa mostra sintonia com essa nova perspectiva de investimento e coleciona uma série de reconhecimentos no segmento empresarial nos últimos anos, além da liderança no ranking nacional de empresas de cosméticos.

     Graças ao investimento em um conceito socioambiental de negócios a Natura, conseguiu uma série de avanços e, recentemente deu um passo mais agressivo no processo de internacionalização de sua marca e produtos. A empresa que começou a planejar a abertura das suas instalações na França em 2002, inaugurou em abril de 2005 a loja chamada Maison Natura em Paris. Em agosto do mesmo ano, abriu no México a Casa Natura, um ponto de referência para as consultoras e para transmissão dos valores da marca naquele país.

     Embora o retorno do investimento no mercado internacional ainda seja pequeno no faturamento da empresa, cerca de 3%, o processo sinaliza uma participação mais efetiva no segmento internacional.

     Como reconhecimento do compromisso da empresa com a sustentabilidade, em 2006 as ações da Natura permaneceram na composição do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da Bolsa de Valores de São Paulo.

     Tudo isso mostra que a Natura, assim como outras empresas nacionais, buscam boas práticas de governança corporativa, de gestão ambiental e de relacionamento com os públicos, visando retorno financeiro, institucional e competitivo. Todos seguem uma tendência mundial que vem ganhando espaço também no Brasil.

     Entretanto, é preciso ressaltar que estas ações e processos ainda precisam ser mais discutidos no que diz respeito ao compromisso de sustentabilidade nos negócios. Uma prova disso é a polêmica levantada para o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), alvo de críticas por ter em sua listagem empresas dos setores de papel e celulose, energia elétrica e siderurgia, cujas atividades causam impactos ambientais significativos e, portanto, possuem práticas questionáveis em termos de sustentabilidade.

     Cabe então cautela e muito estudo ainda para se avaliar e classificar produtos e serviços como sustentáveis a médio e longo prazos, assim como as estratégias de marketing social e os resultados em todo o processo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

ABIHPEC. Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos. Disponível em: www.abihpec.org.br. (Acesso em 6 de outubro de 2007)

ASHLEY, Patrícia Almeida (coordenação). Ética e responsabilidade social nos negócios, 2ª ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2003. 340 p.

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Autor: Giselle Silva


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