O urbanismo desumano



O URBANISMO DESUMANO

Rosângela Elias da Silva

 

Segundo o escritor Jean-Louis Harouel, o conceito de urbanismo vem sendo discutido desde o início das civilizações urbanas, em seguida defende-se a idéia de arte urbana. Nos meados do séc. XIX, o urbanismo passa a ser pensado como uma ciência/disciplina com caráter reflexivo e crítico – assim surge um novo conceito de urbanismo com obras públicas, morfologia urbana, planos urbanos, práticas sociais e pensamento urbano, legislação e direito relativo à cidade.

Na França, o grande historiador M. Poëte considera o urbanismo antropológico – a ciência das cidades como uma ciência da observação. Segundo ele, a cidade é “um ser humano coletivo, que evolui através das idades... que vive sobre a terra e da terra (grifo meu), o que significa que aos dados históricos devem-se acrescentar dados geográficos, geológicos e econômicos”. Neste sentido, a cidade é vista como um organismo vivo que busca atender às necessidades de seus habitantes e luta por meio de seus cidadãos para a sua própria sobrevivência.

Já o urbanismo progressista de O. Niemeyer apresenta edifícios públicos gigantescos em imensos espaços vazios considerados uma escultura urbana de inspiração cubista, à base de volumes geométricos simples. A cidade brasiliense não difere dos modelos habitacionais dos subúrbios tanto de Paris quanto Moscou ou Singapura.

Por outro lado, o urbanismo desumano, hoje é o que predomina em Brasília. Em nome da urbanização moderna progressista, constroem-se estradas e criam-se novas regiões administrativas e novos bairros incorporados a elas. O grande entrave da evolução urbanística pode estar nas obras propostas e executadas pelo governo local.

Não precisa ser um especialista, arquiteto, ambientalista para constatar que cidades e estradas estão estrangulando as poucas reservas ambientais que restam no Distrito Federal (figura 01 e 02).

    

Figura 01                                                       Figura 02

                                       

A destruição de mananciais e de várias reservas ecológicas em função da construção da “linha verde” (figura 03) na EPTG é um grande exemplo de descaso com a natureza da população local. Esse paradoxo é preocupante porque na realidade, essas obras não têm nada de verde.

Figura 03

Há uma conotação cinza urbanística nessas grandes obras, apenas britas e concretos são usados (figura 04). Os recursos hídricos nessas áreas estão escassos, as águas já não têm para onde correr, então estas são cobertas com cascalho ou brita, ato  lamentável que faz desse cenário uma situação irreversível. Talvez quando não mais existir água potável, os responsáveis desse crime ambiental se conscientizarão do mal que fazem ao nosso ecossistema e aos valores associados a ele.

Figura 04

            Observa-se que a recém criada cidade de Águas Claras, não mais faz jus ao seu nome, visto que, agora, ela pode ser considerada “águas escondidas” por estruturas metálicas, blocos de concreto armado e altos edifícios de pura desumanidade e desnatura (figura 05).

Figura 05

Em nome do urbanismo “moderno”, que de moderno só tem os equipamentos tecnológicos, cidades baseadas em modelos utópicos vêm sendo desenvolvidas sem os devidos estudos e análises de impacto ambiental, tanto é verdade, que só depois das construções das avenidas locais já prontas, começaram-se as instalações das vias pluviais das mesmas (figura 06). Além disso, é comum ver correr, nas avenidas de Águas Claras, águas advindas dos cortes das fundações feitos nos lençóis freáticos das edificações.

 


                        Figura 06

Segundo HAROUEL (2004), a cidade futurista parece formigueiros extremamente confortáveis com inúmeras células habitacionais, ou seja, o lugar da felicidade perdida para homens-máquinas. Os benefícios momentâneos da urbanização são indiscutíveis, mas faz-se necessário a criação urgente de órgãos governamentais ou não-governamentais capazes de estudar, monitorar, avaliar e fiscalizar tais obras, a fim de minimizar os danos e prever as futuras conseqüências.

A cobrança pela preservação das nossas águas e das nossas reservas ecológicas é de responsabilidade de todos e principalmente daqueles que defendem o urbanismo moderno.

Bibliografia consultada:

n  HAROUEL, Jean-Louis. História do urbanismo. 4.ed. Tradução: Ivone Salgado. Papirus, São Paulo,  2004.

n  Coulanges, Numa-Denys Fustel de. A Cidade Antiga. Título original La Cité Antique - Étude sur Le Culte, Le Droit, Les Institutions de la Grèce et de Rome. Tradução Frederico Ozanam Pessoa de Barros, 2006 Versão para eBooksBrasil. Fonte Digital: Digitalização do livro em papel Editora das Américas S.A. - EDAMERIS, São Paulo, 1961. Acesso em: 11 set 2009.

n  BENEVOLO, Leonardo. História da arquitetura moderna. Perspectiva. São Paulo, 2004.


Autor: Rosangela Elias


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