O ESCLARECIMENTO



O ESCLARECIMENTO

No momento em que escrevo este texto acontece uma manifestação de estudantes paulistas de escolas particulares contra uma medida provisória que transfere o direito de bolsas de estudos das escolas particulares para as escolas públicas. A manifestação acabou em violência e sem nenhuma garantia de sucesso para os que reivindicaram. Qual foi o pressuposto dos legisladores desta medida provisória? Que alunos de escolas particulares são mauricinhos então eles não precisam de bolsas de estudos? No ocorrido se vê uma manifestação justa de pessoas esclarecidas que rejeitam a arbitrariedade. Desde o aufklärung (esclarecimento) escrito por Immanuel Kant (1724-1804) no oitocentismo iluminista; o uso da razão, como influência do pensamento cartesiano, aponta o caminho para a liberdade.

É característico de Kant a autonomia e o uso público da razão que dispensa qualquer tutela não esclarecida. Suas idéias atuaram como um marco intelectual entre a individualidade esclarecida e o poder instituído obscurantista. Porque faltou o aufklärung, a sociedade medieval permaneceu amordaçada no uso da razão plena e os primeiros tecelões da ciência foram acusados de hereges (do grego hairétikós "que escolhe", seria uma nomenclatura dada a todos os que "escolheram" não interpretar o mundo a partir da cartilha da igreja?) e condenados pelo tribunal da inquisição.

Entretanto, como a reflexão é própria do criticismo kantista, é preciso avaliar o conhecimento científico e político que temos hoje, (como um exercício reflexivo do esclarecimento de Kant) que em muitos aspectos parece ter regredido à era obscurantista.

Desta vez, não pelas vias de uma ditadura eclesiástica, mas pela omissão individualizada e generalizada do uso da razão e da liberdade.

O esclarecimento, que até então contribuiu para grandes descobertas científicas, desde a máquina a vapor que diminuiu as distâncias do transporte e da tecnologia, até a atual clonagem a partir da célula tronco; nas últimas décadas têm servido para atender políticas arbitrárias e egoístas em nome da democracia e da segurança global.

Neste sentido segue a atual política de guerra dos Estados Unidos que, aliado com a Inglaterra, tentaram convencer o mundo de que o terrorismo representava um perigo mundial. Então o frenesi norte-americano na destruição da hegemonia iraquiana significaria um ato heróico e soteriológico em favor do mundo, com nenhum direito de questionar a postura antiética e prepotente do chamado (sociologicamente questionável) primeiro mundo, principalmente com referência a não constatação de armas de destruição em massa, mundialmente reconhecido como pretexto norte-americano, quando os reais motivos permanecem impermeáveis nos sólidos campos da menoridade kantiana atual.

No âmbito sócio-político nacional foi possível constatar a imensa menoridade intelectual de uma sociedade proibida de pensar o mundo a partir da individualidade.

A ditadura militar foi mais que uma tutela da menoridade sobre menores, posto que a educação ainda era embrionária. Contudo, os poucos com uma maioridade adquirida, não o seriam se não a buscassem em Universidades estrangeiras. Estes mesmos foram proibidos de pensar, refletir e publicar qualquer pensamento crítico a partir de uma leitura da razão prática do status quo.

A maioria teve que se calar ou assumir, contra sua vontade, uma segunda identidade da menoridade intelectual, ou seja, perderam o direito da autonomia da vontade e uso público da razão.

Qualquer insubmissão, privada ou pública, à menoridade militarista que mantinha o poder, significava mordaça da liberdade ou retaliação individual e coletiva.

Aos esclarecidos da sociedade democrática atual cabe estabelecer uma mentalidade no nível da crítica prática sobre lucro e dano de uma bomba atômica como exibição de poderio político, no uso injustificado do esclarecimento, ou como pressionador sócio-político sobre nações com menor liberdade econômica, entretanto; hegemônica e autônoma politicamente em relação ao resto do mundo.

É possível constatar que mesmo com muito a comemorar num país de regime democrático, por ora não sabemos delinear claramente seus limites. Quando a vontade individual e coletiva se submete a qualquer ditame heterônomo da razão, se cria o risco de um regresso à idade histórica tupiniquim e de permanência no contexto intelectual da menoridade. Mas aquele ponto de luz no final do túnel (a razão) parece se apagar devido à grande influência do pós-modernismo pragmático, com ênfase na fruição em sacrifício da reflexão.

E a preocupação pós-moderna com posses e interesses difusos particulares está promovendo a desesperança como aliada da menoridade, produzindo a cada dia, em escala industrial, uma sociedade de menores hedonistas preocupados apenas com o presente materialista e despercebidos do estado caótico e anômico porque passa o contexto filosófico e sócio-político brasileiro.


Autor: Abner Carneiro


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