Legislação Aplicada Ao Factoring



1. Legislação aplicável

1.1 Arcabouço legislativo

Como já fora visto no capítulo anterior, o contrato de factoring se caracteriza como um contrato atípico, pois o mesmo ainda não possui uma legislação específica que o regulamente.

A atipicidade do contrato em comento, no entanto, não afasta a existência de uma gama bastante ampla de legislações que podem ser associadas ao instituto. O factoring no Brasil tem sua existência regida pelos princípios do direito mercantil e pela construção doutrinária, em associação tanto com a construção jurisprudencial, quanto com os estudos de direito comparado. Todos esses fatores, por sua vez, necessitam de um amparo legislativo, mesmo que este não possa ser encontrado em uma legislação específica. É justamente por isso que se torna fundamental analisar toda a legislação pátria aplicável ao instituto, desde os seus antecedentes mais remotos.

Luiz Lemos Leite[1] faz uma analise sistemática que abarca toda a legislação aplicável ao instituto do fomento mercantil. Nessa abordagem o autor divide o arcabouço legislativo do instituto em três aspectos: legal, operacional e fiscal, os quais passamos a expor agora.

1.1.1 Balizamento legal

O instituto do fomento mercantil mereceu atenção no Brasil pela primeira vez, através da edição da circular n° 703 de 16-06-1982, que continha o seguinte enunciado:
                                                                   
         I - As operações conhecidas por "factoring", "compra de
faturamento" ou denominações semelhantes - em que, em geral, ocorrem a aquisição, administração e garantia de liquidez dos  direitos creditórios de pessoas jurídicas, decorrentes do faturamento da venda de  seus  bens  e  serviços  -  apresentam,  na  maioria  dos  casos, características  e particularidades próprias daquelas  privativas  de instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central.           
                                                                   
         II - Assim, e até que a matéria seja regulamentada pelo
Conselho Monetário Nacional, as pessoas físicas ou jurídicas não
autorizadas que realizarem tais operações continuam passíveis, na
forma prevista no Parágrafo 7° do art. 44 da Lei n. 4.595, de
31.12.64, das penas de multa pecuniária e detenção de 1 (um) a 2
(dois) anos, ficando a estas sujeitos, quando pessoas jurídicas, seus
administradores.[2]                                                   
                                                                                                                    
Como nos ensina Luiz Lemos Leite[3], a edição da referida circular se deu ainda na fase pré-operacional da atividade das empresas de fomento, e tinha a intenção de coibir a prática de operações financeiras definidas pela Lei 4.595, no entanto, o que acabou ocorrendo foi que a circular gerou uma série de dúvidas e controvérsias sobre a legitimidade das operações de factoring no Brasil, fazendo com que o desenvolvimento do instituto ficasse prejudicado nesse momento histórico.    

As controvérsias geradas pela Circular n° 703 só foram dirimidas a partir da sua revogação pela Circular n° 1.359/88 do Banco Central. Nessa Circular, a Diretoria do Banco Central acabou reconhecendo o factoring como uma atividade mercantil mista atípica. Em contrapartida, o presidente da Associação Nacional de Factoring (ANFAC), reconheceu o compromisso de que as suas afiliadas não fariam qualquer tipo de mediação de recursos de terceiros no mercado, comprariam efetivamente créditos mercantis e só operariam com pessoas jurídicas.[4]

Foi apenas em 1995, no entanto, que a atividade de fomento mercantil foi pela primeira vez mencionada em lei. Isso ocorreu com a edição da Lei n° 8.981/95, que, alterando a legislação tributária, trazia no seu art. 28, § 1°, alínea c-4, uma pequena noção do papel desempenhado pelas empresas de factoring, que segundo o referido diploma legal, seria de: prestação cumulativa e contínua de serviços de assessória creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e receber, compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring).[5]

Nesse mesmo ano, merece destaque a observação a respeito do conteúdo da Resolução n° 2.144, de 22/02/1995 que:

[...] reconhece definitivamente a tipicidade jurídica própria e delimita nitidamente a área de atuação da sociedade de fomento mercantil que não pode ser confundida com a das instituições financeiras, autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, que têm por objeto a coleta, intermediação e aplicação de recursos de terceiros no mercado (art. 17 da Lei n° 4.594, de 31.12.1964, e arts. 1° e 16 da Lei n° 7.492/86).[6]  

Nesse sentido é de fundamental importância mencionar a Lei 7.492/86, que indica os crimes contra o sistema financeiro nacional. A referida Lei, em seu art. 1° caracteriza as atividades desempenhadas pelas instituições financeiras, conforme os objetivos já mencionados no disposto pela resolução 2.144/95, de coleta, intermediação e aplicação de recursos de terceiros no mercado. Além disso, tipifica no seu art. 16, como crime contra o sistema financeiro nacional, a operação de instituição financeira sem autorização para atuar como tal.

Encerrando o balizamento legal do fomento mercantil segundo a doutrina de Luiz Lemos Leite[7], pode ser mencionada a Circular n° 2.715 de 28/08/96, do Banco Central do Brasil, que permite que as instituições financeiras realizem operações de crédito com empresas de factoring nos seguintes termos:

A Diretoria Colegiada do Banco Central do Brasil, em sessão realizada em 28.08.96, com base no disposto no art. 3°, inciso I, da Resolução n° 2.118, de 19.10.94,

DECIDIU:

Art. 1°. Permitir às instituições financeiras:

I – a realização de operações de crédito com empresas cujo objetivo social, exclusivo ou não, seja a prática de operações de compra de faturamento (“factoring”);

II – o aporte de recursos a empresas de “factoring” e promotoras de vendas.[8]     

1.1.2 Balizamento operacional

Assim como ocorre em todos os institutos do ordenamento jurídico brasileiro, o fomento mercantil busca na Constituição Federal alguns pressupostos basilares que viabilizam sua atuação. Nesse sentido, Luiz Lemos Leite[9] aponta os artigos 5°, incisos II e XIII e 170, como os sustentáculos constitucionais da prática do factoring no país.

É no Código Civil, no entanto, que reside a maior parte dos dispositivos legais que propiciam o suporte operacional do fomento. Lá se encontram expressos boa parte dos elementos integrantes do conceito do instituto, como a prestação de serviços no art. 594; a compra e venda nos artigos 481 a 489; a cessão de créditos nos artigos 286 a 298; os vícios redibitórios nos artigos 441 ao 446 e a solidariedade passiva presente nos artigos 264 e 265.[10]

Ainda que possua alguns dispositivos no código civil, conforme já fora mencionado anteriormente, merece destaque especial o endosso, visto que seu conteúdo de fundamental importância para a prática da atividade de fomento mercantil conta com dispositivos espalhados pelo já citado código de 2002; Decreto 57.663/66, que recepcionou no Brasil a Lei Uniforme da Convenção de Genebra e Lei 5.474/68, que dispõe sobre as duplicatas.

Encerrando o balizamento operacional, Lemos Leite cita ainda a Lei n° 9.613/98. A referida lei dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos na mesma; além de criar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF. É justamente do COAF que emana também a resolução 02 de 1999 citada pelo autor, que dispunha sobre os procedimentos a serem observados pelas empresas de fomento comercial ou mercantil.[11] É válido observar, no entanto, que a referida resolução já fora revogada pela resolução 012 de maio de 2005, que por sua vez foi revogada pela resolução 013 de setembro do mesmo ano e que vigora até hoje.[12]

1.1.3 Balizamento fiscal

Apesar da notável importância que o aspecto fiscal tem em qualquer atividade econômica, principalmente em um país cuja carga tributária é tão pesada, tanto para as pessoas físicas quanto as jurídicas, por não se inserir no objetivo central do presente trabalho, nos limitaremos a reprodução do quadro sistemático proposto por Luiz Lemos Leite, e que resume de maneira extremamente satisfatória a legislação fiscal aplicável ao instituto:

Ato declaratório 51/94, da Secretaria da Receita Federal.

Art. 28, § 1°, alínea c-4 da Lei n° 8.981/95, reiterado pelo art. 15 da Lei n° 9.249/95, art. 58 das Leis n° 9.430/96 e 9.532/97. Art. 14, inciso VI, da Lei n° 9.781/98 e Decreto n° 4.494, de 3.12.2002.

Lei n° 10.637/2002 (PIS) e Lei n° 10.833/2003 (PIS/COFINS).

Atos Normativos da Secretaria da Receita Federal, específicos, para a atividade.

Arts. 17, 18 e 44 da Lei n° 4.595/64 (Lei Bancária).

 Arts. 1° e 16 da Lei n° 7.492/86 (Lei do Colarinho Branco).

Art. 160 do Código Penal.

Lei n° 1.521/51.

Medida Provisória n° 2.172/01.[13]

1.2 O Projeto de Lei 230/95

Conforme o que já fora repetido inúmera vezes ao longo do presente trabalho, sabe-se que o fomento mercantil ainda não conta com uma legislação específica regulamentando a atividade.

Tentativas nesse sentido vêm sendo feitas, mas o caminho para consolidar a legislação específica para atividade de factoring, no entanto, não vem sendo fácil. A primeira medida adotada no sentido de se estabelecer a legislação do fomento mercantil, foi um projeto de lei de autoria do deputado Jackson Pereira, que conseguiu aprovar em 1994, na Câmara, uma alteração da Lei Complementar n° 4595/64 (lei bancária). O projeto acabou arquivado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, por ter sido julgado inconstitucional.[14]

Posteriormente, a Associação Nacional de Factoring – ANFAC, corroborando seu esforço para inserção completa da atividade de fomento mercantil no país, encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei 230/95, de Autoria do Senador José Fogaça.

O referido projeto, composto inicialmente de 10 artigos, define fomento Mercantil (art. 1º), disciplina o contrato a ser celebrado entre as partes envolvidas (art. 1º, parágrafo 1º), estabelece a forma a ser adotada pelas sociedades de fomento mercantil e especifica o objeto social dessas sociedades (art. 2º), vedando-lhe a prática de operações privativas das instituições financeiras (art. 2º, parágrafo único, “a” e “b”); estipula ainda as receitas operacionais da sociedade de fomento mercantil (art. 3º), bem como autoriza criação do Conselho Federal de Fomento Mercantil, a quem caberá a supervisão e a disciplina de todas as atividades relacionadas ao factoring (art.6º).

Ainda, este projeto estabelece em seu artigo 8º o prazo de 30 dias para que a lei seja regulamentada, complementando a disciplina jurídica da atividade.[15]

Tal projeto tramita no Senado desde agosto de 1995, e desde então percorre uma longa jornada, tendo passado pela comissão de assuntos econômicos, se encontrando desde junho de 1996 na Comissão de Constituição e Justiça, onde, em 11 de dezembro de 2002, foi aprovado em votação unânime o substitutivo do senador Casildo Malaner, em primeiro turno. Resta agora ao Senado, enviar o projeto à Câmara dos Deputados para que seja alvo das discussões necessárias e seja finalmente transformado em lei.[16]

É valido salientar, conforme a visão do próprio autor do projeto de lei, que a instituição de uma legislação específica para a atividade não é essencial para a existência do fomento mercantil, pois a atividade está amplamente amparada em legislação esparsa. Tal observação poderia erroneamente fazer os mais desatentos julgarem como sem importância a conversão do projeto em lei, no entanto, o já citado Senador José Fogaça, autor do projeto, alerta para a importância desse regramento.[17]

Segundo ele, a importância seria justamente a demonstração a todo país de que as empresas de fomento mercantil são sérias e conscientes de seus compromissos sociais e econômicos estando, conseqüentemente, dispostas a seguir as regras, admitindo uma fiscalização profissional de suas atividades. A lei nesse caso seria um elemento inequivocamente expressivo da institucionalidade do factoring.[18]

[1] LEITE, 2005, p. 66.

[2] Circular do Banco Central n° 703 de 16-06-1982

[3] LEITE, 2005, p.13.

[4] Ibid. , p.100.

[5] Lei 8.981/95.

[6] LEITE, 2005, p. 66.

[7] Ibid. , p. 66.

[8] Circular do Banco Central, n° 2.715 de 28/08/96.

[9] LEITE, 2005, p. 66.

[10] Ibid. , p. 66.

[11] LEITE, 2005, p. 66.

[12] https://www.coaf.fazenda.gov.br/conteudo/legislacaoe-normas/normas-coaf/resolucoes/

[13] LEITE, 2005, p. 66.

[14] http://www.anfac.com.br/jsp/news/News-n6.pdf

[15] REINHARDT JÚNIOR E DI LUCA, 2003.

[16] http://www.anfac.com.br/jsp/news/News-n6.pdf

[17] http://www.anfac.com.br/jsp/news/News-n6.pdf

[18] http://www.anfac.com.br/jsp/news/News-n6.pdf

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Autor: Heider Fiuza de Oliveira Filho


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