HEIDEGGER E O NAZISMO: verdades e equivocos



HEIDEGGER E O NAZISMO: verdades e equívocos

 

Por José Reinaldo F. Martins Filho

 

 

A proposta de uma investigação acerca da corrente heideggeriana do pensamento filosófico sempre se encontrou, ao longo da história, limitada frente ao possível envolvimento entre o pensador e o partido nazista, que deixou profundas seqüelas no desenvolvimento da Alemanha e do mundo. Muitas obras são publicadas anualmente com o fim de denegrir a imagem de Heidegger, apontando-o como mais um colaborador de Hitler no processo de construção de sua ideologia. Entretanto, a existência de textos e cartas escritos pelo filósofo durante aquele período comprovam, para aqueles que se propõe a uma sadia investigação, quais foram as condições e os limites da relação entre o filósofo da floresta negra e o partido nazista. Diante disso, atribuir a irrelevância do pensamento heideggeriano movido unicamente por tais pressupostos – sua relação com o nazismo - significaria total ignorância frente à realidade vivida, ao mesmo tempo em que expressaria má fé por parte dos investigadores.

No ano de 1933, convidado a assumir o cargo de reitor da universidade de Freiburg, onde lecionava, Heidegger pensava ter chegado o momento em que, além da fama, tinha o poder para participar na renovação da cultura alemã. Contudo, seriam vãs suas expectativas. A Alemanha vivia os inícios da segunda guerra mundial, onde o partido nazista, movido por ideais revolucionários e de cunho sectário, pretendia livrar a Alemanha de qualquer “dejeto” cultural que não aquele oriundo da própria nacionalidade. A revolução tomava o cunho de uma extrema exaltação da nacionalidade alemã, englobando seus diversos constituintes, como por exemplo, sua ideologia e cultura. Frente à realidade instaurada, o simples aceitar do cargo que lhe era proporcionado, já seria sua apresentação como membro do Partido Nacional-Socialista. Tendo em vista que a principio os ideais nazistas pareciam ganhar relevância no cenário acadêmico e cultural da Alemanha, o filósofo não hesitou em tomar parte, na qualidade de reitor da Universidade de Freiburg.  Sem saber, cometia um dos maiores equívocos de sua vida, o que lhe garantiria enormes dificuldades posteriores. Sua proposta de uma auto-afirmação da universidade alemã se vê oprimida frente às imposições de Hitler, que tomava o poder alemão, iniciando o período de sua ditadura.

Ainda no ano de 1933, Heidegger assiste à publicação de numerosos discursos de apoio ao regime nazista. Seus ideais universitários não encontram o solo fecundo para o seu florescimento. Sem agüentar a opressão imposta pelo regime, em apenas dez meses após sua nomeação como reitor da universidade, encontra como única possibilidade de resguardar seus ideais, o pedido de demissão. Sua demissão após apenas dez meses, ao passo que naquele tempo um reitor era nomeado para o período de quatro anos consecutivos, foi uma forma de protesto para com o rumo tomado pelo regime. Seus textos, reunidos em dois volumes, intitulados Nietzsche, mostram uma constante crítica, na verdade sutil e indireta, ao regime nazista, ao ponto de seus cursos e seminários serem acompanhados pelo serviço secreto. Os documentos com relação a esse episódio são abundantes para quem quiser explorá-los honestamente. Seu descontentamento com o regime nazista foi tão grande a ponto de, em 1936, no centenário da universidade de Heidelberg, no ato de pronunciar o discurso por ocasião daquele centenário, expressar o perigo que corria a ciência alemã, oprimida e controlada pelo regime nazista. É nessa mesma conferência que reclama o fato de Hitler não estar nessa celebração da cultura alemã e, em vez disso, torcer no estádio olímpico de Berlim pela derrota de Jesse Owens pelos loiros atletas germânicos. Após sua demissão do cargo de reitor, continuará lecionando em Freiburg até o fim da guerra, em certas ocasiões atacado por ideólogos nazistas, por suas constantes críticas ao regime em seus cursos. No breve período em que esteve à frente da universidade de Freiburg, nunca proferiu nenhum discurso de exaltação ao regime nazista. Sequer concluiu algum de seus discursos com a expressão: Viva Hitler, entoada com voz forte no final de todos os pronunciamentos do regime.

Findada a guerra, em 1946 sua casa foi ocupada por Karl Jaspers, movido por sentimentos antinazistas. Jaspers chegou a sugerir a desmontagem da biblioteca do filósofo e a proibição de seu contato com a juventude alemã, alegando alienação perniciosa. Na entrevista da desnazificação, o filósofo teve um mal-estar e foi internado por alguns meses num sanatório próximo a Freiburg. Condenado como nazista, foi expulso das universidades e proibido de ministrar seus cursos e seminários. Até 1951 lutou para conseguir a aposentadoria como professor emérito. Após esses anos conturbados, voltou a fazer suas conferências em clubes e sanatórios, até sua aparição pública na Academia de Munique, em 1950. Foi nesse mesmo ano que publicou seu primeiro livro após a guerra, intitulado Sendas Perdidas. A partir de então, resolvidas parcialmente suas questões correlatas ao partido nazista e seu envolvimento com o mesmo, prosseguiu sua vida ministrando conferências e seminários em várias instituições, sobretudo na Universidade de Freiburg im Breisgau. O restante de sua vida transcorreu num clima tranqüilo e harmonioso, onde seu pensamento encontrava o solo propenso à sua difusão no cenário mundial. Morreu no dia 26 de maio de 1976, em sua cabana junto à floresta negra, deixando para a posteridade uma vasta e profunda obra filosófica, contendo mais de 100 volumes, dos quais, em sua maioria, inéditos a serem publicados.

 

 

 

                                  


Autor: José Reinaldo Felipe Martins Filho


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