AS TÁBUAS DA LEI



As Tábuas da Lei

A história de um rei engenhoso que adorava sancionar novas leis. Tinha vaidades do Operário dos sete dias a cada vez que decretava e redefinia a conduta do reino. Nada realizava de convencional, nem ministros possuía. A constituição era ele, de pijama e coroa nos azulejos frios do salão real, insone. A equipe dos trabalhos legislativos estava, única, dentro do espelho.

Mas a insônia significava o lume da inspiração. Ainda que desejoso dos edredons, permanecia. Para que mais se irritasse, para que o humor pútrido estressasse seu juízo e lhe desse condições favoráveis.

Qualquer ruído pertencido em eufonia ao sopro do clarim anunciava, pelos estreitos das vielas, que a plebe largasse o cotidiano e fosse ter com Sua Majestade na torre central do castelo. Abaixava o instrumento de conclame, alinhava as insígnias no manto.

_Nação, doravante ordeno!

Jamais encerrava a solenidade sem emendar menos que trinta retalhos na colcha jurídica. Feito aquela, de fazenda familiar, que ele alinhavou com pontos miúdos durante os banhos eternais da esposa. A rainha tinha costumes de banheira e soprano.

_Doravante ordeno a proibição do banho, a destruição do chuveiro, proíbo o uso exacerbado de água potável para as criancices do corpo! Quem ousar, sequer!, umedecer lenço na transpiração do pescoço, há de sentir umidade de outro fio, peso e natureza!

Se decidisse degustar perdizes ou catatuas entre anfitriões nobres outros doravantes borbotavam. O príncipe que parecia tosquiar até os cotovelos. A princesa que punha câimbra nos estilistas e cabeleireiros reais. A rainha que se esquecia nos colóquios com duquesas. Sempre atrasavam.

_Doravante cabelo e barba receberão da lei a liberdade lúdica das crianças: crescer sem qualquer tolhimento! Quem subverter, será tolhido! Ouvi, doravante! As vestes que trazeis no corpo hoje, trajados delas ireis ao túmulo! As vestes que trazeis no corpo hoje, vossa pele outra desta hora em diante!

Fatigantes jantares! Afinal, quantas vezes mais o Conde irá tinir o cálice, solfejar asneiras? Barão de Monte Justo sempre limpa dois sorrisos no lenço. Um para cada face do fastio.

_Doravante, entendeis a urgência de jamais sorrir, jamais fazer usufruto da palavra. Caso vos fecunde uma idéia, abortem-na pelas vias do cuspe. Se tiverdes, outrossim, ocasião de sorrir, lembreis o tributo aos cantos da boca.

Quatro anos que a família real não passava em revista a tropa na presença do povo. Porque o rei proibira o ócio. Pela manhã homens, mulheres, crianças destruíam rochas que entardeciam estátuas.

O rei, então, sentiu necessidades de averiguar se as tábuas da lei perdiam o verniz quando expostas à chuva. Deixou que todos feriassem durante o desfile da promissora adolescência armada. Coturnos cadenciavam estalidos entre belicosas máquinas. Braços austeros girando fuzis na velocidade do sol.

Ninguém notou a regalia. O conversível real freava para afastar o exército, para ser sozinho os delírios da fascinação. Que saudades os quatro mantos predestinados ventilaram em feição de brisa nas narinas dilatadas ao alto! Quatro coroas ou quatro jazidas? Muitos deixaram a festa guilhotinados, traídos por alguma gargalhada de admiração, adjetivos de reverência. E tão limpos! E tão etéreos! E tão sublimados de perfume! E tão díspares do povo!

Eram deveras merecedores do trono!


Autor: Ricardo Souza Rabelo


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