Ensaio Acerca Dos Movimentos Sociais



Ousamos dar um parecer acerca dos movimentos sociais que, a princípio, parecem denotar um terreno falso, de areia movediça. Percebemos desde logo, a partir da conceituação, que o tema é muito amplo para ser abrangido em conceitos que, notadamente, faltam um desfecho preciso. Vale ressaltar que esta escassez de firmeza, digo, de sustentáculos faz com que o tema abordado caia em um mundo vago sem um arcabouço teórico capaz de desvencilhá-lo das nuanças que o rodeia. Procuramos possibilitar ao caro leitor um melhor entendimento acerca dos movimentos sociais, transcrevendo informações que são, indubitavelmente, indispensáveis a quem quer ter um certo discernimento. Apontamos vários aspectos, tais como: definição, integrantes, surgimento, desenvolvimento e expansão do tema ora abordado.

A princípio, necessário se faz apontarmos a diferenciação entre comportamentos sociais e movimentos sociais. Gianfranco Pasquino (2000, p. 787) anota esta diferenciação apontando que “...os comportamentos coletivos e os movimentos sociais constituem tentativas, fundadas num conjunto de valores comuns, destinadas a definir as formas de ação social e a influir nos seus resultados - anota ainda que - Comportamentos coletivos e Movimentos sociais se distinguem pelo grau e pelo tipo de mudança que pretendem provocar no sistema, e pelos valores e nível  de integração que lhes são intrínsecos”.

Nesse mesmo sentido, Pasquino (2000, p. 787-788), faz citação a Alberoni, que diz: “nos fenômenos coletivos de agregado, dá-se um comportamento similar num grande número de indivíduos, sem que se formem novas identidades. Uma vez desaparecido o elemento, a tensão, a disfunção que deu lugar a tais comportamentos coletivos, bem pouco terá mudado em quem neles participou”. Enquanto que, “nos fenômenos coletivos de grupo, pelo contrário, os comportamentos semelhantes dão origem ao surgimento de novas coletividades, caracterizadas pela consciência de um destino comum e pela persuasão de uma comum esperança”. Pasquino (2000, p. 791) ainda aponta outro autor, Melucci, que faz uma outra distinção entre movimentos reivindicatórios, movimentos políticos e movimentos de classe, sendo que, no primeiro “trata-se de impor mudanças nas normas, nas funções e nos processos de destinação dos recursos”; no segundo, “se pretende influir nas modalidades de acesso aos canais de participação política e de mudança das relações de força”; já no terceiro, “o que se visa é subverter a ordem social e transformar o modo de produção e as relações de classe”.

Nesta linha de análise, dá-se surgimento a duas correntes ideológicas antagônicas que Pasquino (2000, p. 787) aponta como sendo, de um ângulo, tais como, Le Bon, Tarde e Ortega y Gasset, que se “preocupam com a irrupção das massas na cena política e vêem nos comportamentos coletivos da multidão uma manifestação de irracionalidade, um rompimento perigoso da ordem existente”; de outro, Karl Marx, Émile Durkeim e Max Weber que “vêem nos movimentos coletivos um modo peculiar de ação social, variavelmente inserida ou capaz de se inserir na estrutura global da sua reflexão”. (nossos grifos)

Dada essa observação, entendemos ser importante e oportuno darmos uma definição aos movimentos sociais, buscando encontrar o cerne da questão. Após analisarmos o tema ora em discussão, verificamos que a imprecisão e, consequentemente, polêmica norteiam a sua definição ou conceituação. Entretanto, dadas as referências de autores renomados, podemos observar análises empíricas e abstratas em que amparamos para chegarmos a um entendimento acerca do tema.

Pasquino (2000, p. 789) cita o sociólogo francês Alain Touraine (1975, p. 397) que assevera que “os movimentos sociais pertencem aos processos pelos quais uma sociedade cria a sua organização a partir do seu sistema de ação histórica, através dos conflitos de classe e dos acordos políticos”. Este autor fundamenta a sua teoria em três princípios, a saber: “da identidade, da oposição e da totalidade”.

Com amparo no professor Raymond Boudon (1995, p. 284-291), que cita vários autores - tais como: McCarthy e Zald (1977, p.1217-1218), que dizem: “Um movimento social é um conjunto de opiniões e de crenças comuns a uma população que manifesta preferências pela mudança de alguns elementos da estrutura social e/ou da distribuição de recompensas numa sociedade”; Herbert Blumer (1946, p. 199), que  entende os movimentos sociais como sendo “empreendimentos coletivos destinados a estabelecer uma nova ordem de vida”; Charles Tilly (1984, p. 306), nos ensina que: “um movimento social é uma série ininterrupta de interações entre os detentores do poder e indivíduos que pretendem com êxito falar a favor de um conjunto de pessoas a quem falta representação formal, ao longo da qual essas pessoas (que representam o movimento) formulam publicamente reivindicações de mudanças na distribuição ou no exercício do poder e fundamentam tais reivindicações através de manifestações públicas de apoio” – mas que, entretanto, posteriormente questiona e refuta suas definições, podemos dizer, portanto, que os movimentos sociais conceitualmente não são bem esclarecidos.

Na concepção de Boudon (1995, p. 291), movimento social é “um empreendimento coletivo de protesto e de contestação que visa impor mudanças, de importância variável, na estrutura social e/ou política através do recurso freqüente, mas não necessariamente exclusivo, a meios não-institucionalizados”.

Tendo em vista a anotação de Pasquino (2000, p. 788) em que diz que “a análise dos Movimentos sociais deve situar-se dentro de um  quadro de referencia da ação social”,  entendemos que o movimento social é uma ação coletiva, não-institucionalizada, desencadeada em determinada sociedade, promovida por alguns membros desta cujas ideologias colimam a um mesmo fim anteriormente proposto, gerando mudanças não necessariamente inovadoras.

Como tudo naturalmente tem um início, obviamente advindo de uma determinada fonte, devemos nos atentar para o surgimento, o nascedouro dos movimentos sociais. Vale ressaltar que, conquanto em alguns casos seja necessário o uso da violência, os movimentos sociais reivindicam direitos. Uma grande problemática é apontada por Hanspeter Kriesi (1988, p. 350), autor citado por Boubon (1995, p. 284), que seria a delimitação empírica dos movimentos sociais, que, segundo aquele autor, são “fenômenos que dificilmente se deixam apreender, sem limites nítidos no espaço e no tempo”.

Embora não se tenha em verdade uma data precisa, averiguamos que o Movimento social teve origem há muito, desde os primórdios da civilização. No entanto, devemos destacar que os novos movimentos sociais tiveram início a partir do final da década dos anos 60, século XX, mais precisamente no ano de 1968. No inicio, os Movimentos sociais reivindicavam tão-só questões operárias. Após vários séculos, no ano acima citado se desencadearam vários movimentos - tais como: negro, feminista, estudantil, homossexual, etc - que reivindicavam os mais variados propósitos. Vale salientar que, para não cairmos em erro, neste sentido é dada por Boudon (1995, p. 286) uma pertinente observação, a saber: “um movimento social não está necessariamente voltado para a inovação; muito pelo contrario, pode acontecer  que alguns desses movimentos sejam orientados no sentido de um restabelecimento”.

Ora, com isso, verificamos que a reivindicação dos movimentos sociais é sempre por uma mudança do status quo, quer seja para uma inovação, quer seja para um retrocesso (volta ao status quo ante); temos amparo neste raciocínio ao analisarmos a obra de Maria da Glória Gohn (1991, p. 31), que diz serem vistos os movimentos sociais “como desequilíbrios da ordem, do status quo vigente”.

Um ponto pertinente a observarmos é: quem participa dos movimentos sociais? Diferentemente do que muitos pensam, o que, aliás, é perceptível na sociedade brasileira, impregnado na concepção de muitos, os integrantes desses movimentos não são, necessariamente, os excluídos socialmente. Pasquino (2000, p. 791) anota que, conforme apontam Wilson (1973) e Melucci (1976), “os agentes que iniciam o Movimento social não são os marginalizados. Quando muito, estes poderão constituir, em determinadas circunstancias e dentro de certas condições, uma base importante para a expansão e consolidação do movimento. Mas a liderança é constituída por indivíduos não periféricos, mas centrais”. Ainda na mesma linha de pensamento, Pasquino (idem) cita Melucci (1977, p. 109), que transcreve: “os primeiros a se rebelar não são os grupos mais oprimidos e desagregados, mas os que experimentam uma contradição intolerável entre a identidade coletiva existente e as novas relações sociais impostas pela mudança”.

Sendo assim, fica evidente que os movimentos sociais servem de grande aparato aos cidadãos que buscam mudança no segmento sócio-político. Pois visa este, antes de tudo, uma imposição de mudanças do status quo, quer seja com emprego da violência, quer não. Isto, aliás, é de grande relevância, porque busca resguardar direitos concedidos pelo regime democrático de direitos e deveres, tão bem arrolados na Constituição Federal de diversos países que primam pelo sistema igualitário.

Referências:

- BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Movimentos Sociais. IN: Dicionário de Política. Brasília: Editora UnB, 2000: vol. 2;

- BOUDON, Raymond. Movimentos Sociais. IN: Tratado de Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1995;

- GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e luta pela moradia. São Paulo: Edições Loyola, 1991.

Autor: Jair Charles Pereira Azevedo


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