Análise Das Dificuldades Encontradas Pelo Corpo Docente No Processo De Ensino E Aprendizagem Das Disciplinas De Projeto Arquitetônico - Parte I



André Henrique Hoffmann1; Camila Schio2; Cristian Sica²; Daniele Bertolini²; Gracieli Caroline Balest²; Dailane Moreira3; Lorí Crízel4, Flávio Henrique da Rosa Uren5

Instituição: Universidade Paranaense – UNIPAR, Cascavel.

Área e Subárea: Arquitetura – Educação

Resumo

Ainda que exista uma decorrência de dois séculos de ensino regular de projeto arquitetônico desde a Escola Beaux-Arts, se percebe uma lacuna no tocante a abordagens de teorias de ensino e de aprendizagem referentes ás práticas adotadas nas disciplinas de projeto de arquitetura. A necessidade de descortinar o panorama atual do ensino de Projeto nos cursos de Arquitetura e Urbanismo motivou diversas discussões ao longo destes últimos anos. Todas as discussões bem como pesquisas e levantamentos, apontam para uma deficiência séria no que tange ao ensino específico da matéria de Projeto Arquitetônico. Prevalece esta deficiência em virtude de uma formação deficiente dos professores ao que tudo indica, porém não se pode deixar de mencionar os alunos como agentes responsáveis e participativos deste processo. Por um lado eles também influenciam a forma pela qual o professor se motiva ou não na elaboração das suas aulas. Neste ínterim aparece uma outra questão relevante, que diz respeito à forma como estes alunos produzem a sua arquitetura. Percebe-se uma crescente padronização da arquitetura escolar, o que tem sido preocupante do ponto de vista estético e funcional. Este artigo pretende discutir questões com base na pesquisa realizada na Unipar – Universidade Paranaense – campus de Cascavel no Paraná, com os professores de Projeto Arquitetônico e demais disciplinas ministradas no curso de Arquitetura e Urbanismo.

Palavras-chave: Ensino de Projeto, Aprendizado, Arquitetura padronizada, Formação Acadêmica.  

  1. Introdução

Segundo a tradição corrente é sabido que dentro dos seus respectivos campos, Engenheiros e Arquitetos recebem ao longo de sua formação acadêmica, conhecimentos específicos de suas áreas correlatas. Ambos são habilitados a projetar seus respectivos objetos de estudo, tendo o Arquiteto uma atribuição muito mais artística e humanista que a formação técnica do Engenheiro. Na discussão acerca da qualidade projetual resultante daquilo que é ensinado nas cadeiras acadêmicas, entretanto, não se fazem muitas distinções sobre este aspecto. Ensinar por si só já é uma tarefa bastante complicada na atual realidade escolar do Brasil, agora ensinar a projetar é uma tarefa que requer um esforço ainda maior, quase heróico por assim dizer. As bases educacionais há muito tempo necessitam de uma completa e profunda reformulação, para que as séries subseqüentes tenham condições de receber alunos melhor preparados para enfrentar a diária bateria de conteúdos a que são submetidos. Nas faculdades não é diferente. Encontramos continuamente alunos reclamando da falta de preparação dos seus docentes, e o contrário também é verdadeiro, ou seja, docentes insatisfeitos e descontentes com os resultados aquém do esperado por parte de seus discentes.

Percebe-se que há uma lacuna na formação dos futuros arquitetos. E pior do que se poderia imaginar, se criou uma espécie de círculo vicioso. O mesmo arquiteto que enfrenta problemas na sua formação profissional será o professor de amanhã. Grande parte dos docentes, se não a maioria, nunca se imaginou na carreira de professor. Nunca passou por qualquer tipo de questionamento a esse respeito, muito menos ouviu falar sobre correntes pedagógicas de ensino na sua cadeira de graduação. Normalmente os profissionais que enveredam para a área da docência passam por cursos de pós-graduação e especializações, então discutem sobre correntes pedagógicas e afins, mas e quanto à didática? Será que a sala de aula serviria como uma espécie de laboratório, onde se testam teorias e se corrigem práticas falhas? 

2. A Arquitetura Acadêmica

Observando algumas imagens das obras de grandes arquitetos da nossa história, muitas vezes nos perguntamos se teremos a capacidade de realizar algo parecido.  A profissão de arquiteto é uma das funções onde mais se exige da sensibilidade humana, pois o profissional deve deixar de lado seus desejos particulares de criação, e possuir abstração suficiente para projetar segundo as necessidades de terceiros. Além dos conhecimentos técnicos, estéticos e funcionais, o profissional precisa estar apto a compreender a psicologia dos seus clientes, afinal, ele é um vendedor de sonhos, e como tal precisa interpretar de maneira correta as ansiedades daqueles que o procuram, tendo ao mesmo tempo o cuidado para orientar o projeto segundo critérios que atendam as necessidades funcionais e estruturais sem deixar de lado aquilo que o cliente espera como resultado final.

A questão é que durante os cursos de graduação não existe nenhuma matéria relacionada à psicologia humana ou a compreensão filosófica.   Estuda-se a história da arquitetura, as formas de representação, os materiais, a estética e a ética da profissão, mas não se fala em psicologia e muito menos em filosofia. A didática é completamente esquecida uma vez que se parte do princípio de que a profissão de arquiteto é exclusiva para trabalhar em escritórios. Todos sonham em ter seu próprio espaço de trabalho, conhecer e poder exercer a profissão ao lado de grandes mestres ou algo similar. Poucos são aqueles que efetivamente pensam em seguir uma carreira docente.

Historicamente o ofício de arquiteto era aprendido na prática. Não havia uma instituição onde se aprendesse Arquitetura. Talvez por isso se tenha deixado de lado as discussões acerca de correntes pedagógicas e didáticas durante a graduação. Pode ser resultado de uma herança cultural. A escola, como centro onde se gera o saber legitimado pela sociedade, tem como uma de suas funções sociais a promoção do desenvolvimento pessoal, permitindo aos aprendizes o acesso aos saberes e formas culturais do grupo social ao qual pertencem. Contudo, há que se considerar que, ao fazer esta transmissão de cultura às novas gerações, a escola cumpre dois papéis, sendo um histórico e outro conservador, contribuindo didaticamente para que se mantenha a ordem e a hierarquia social estabelecida6.

Apesar das grandes transformações pela qual a sociedade passou nos últimos tempos, a educação formal permanece inalterada em sua essência. Ainda não vemos uma valorização do estilo individual de aprendizagem de cada aluno, mas sim a exigência do uso da memorização em detrimento de uma capacitação cognitiva onde se valorize a interpretação, o julgamento e a decisão. Se exigem respostas corretas para os exercícios e não se valoriza o processo de achar as respostas certas nas horas certas para fazer perguntas corretas e tomar decisões. Podemos dizer que o currículo das escolas segue o ideal do tecnocrata, buscando apenas indivíduos com muitas habilidades possíveis de serem comercializadas no mercado.

Neste sentido percebemos que há necessidade da transposição didática para que se tornem os saberes selecionados em saberes efetivamente transmissíveis. É neste ponto que se instala a distância entre aquilo que é a prática do ensino e o conteúdo ensinado. Talvez seja aí que resida a dificuldade dos alunos de arquitetura em compreender o sentido e a importância do processo de pesquisa na elaboração dos seus projetos acadêmicos, resultando daí uma arquitetura que podemos classificar como sendo uma cópia não conscientizada, quando o que se espera na pesquisa de referência é um processo de adaptação da arquitetura. Segundo afirma Palangana (p. 133, 1998) “Como se sabe, o processo de conhecimento implica em uma relação entre o sujeito que busca conhecer e o objeto a ser conhecido, de tal forma que entre ambos estabelecem-se relações recíprocas que modificam tanto o primeiro quanto o segundo.”7 Mesmo que em arquitetura não se possa modificar concretamente o objeto pesquisado, a medida que se compreende verdadeiramente o significado daquele objeto, ele passa a ser visto sob um novo prisma, e de certa forma ele se modifica para nós, bem como a nossa arquitetura se modifica, passando da cópia não consciente a uma arquitetura autêntica. 

3. A questão do Ensino de Projeto

Quando se discutem as formas pelas quais os alunos de Arquitetura e Urbanismo aprendem a projetar e as metodologias empregadas para lhes ensinar tal ofício, percebemos que a maioria dos professores apresenta muitas dúvidas pela falta de um método claro e eficaz neste sentido, principalmente na disciplina de projeto arquitetônico. Muito já se pesquisou a respeito, mas ainda não se chegou a uma teoria clara que apresentasse a forma mais adequada para ensinar esta disciplina.

Esta situação não é diferente no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Paranaense (Unipar), Campus de Cascavel, onde foi realizada uma pesquisa com o corpo docente, na forma de questionários, a fim de verificar o grau de instrução dos docentes, bem como o enfoque dado sobre correntes pedagógicas durante a formação acadêmica de cada um.

Com o resultado desta pesquisa verificamos que praticamente todos os professores possuem cursos de pós-graduação, ou estão cursando um no momento. Por outro lado também verificamos que não houve nenhuma discussão sobre práticas pedagógicas, e em alguns casos os docentes afirmam que nem mesmo no curso de pós-graduação se abordou sobre o assunto da maneira como ele deveria ser tratado.

Isto comprova o que foi dito no início sobre a questão do círculo vicioso nos cursos de Arquitetura e Urbanismo, embora se perceba que os cursos possuem uma sistemática semelhante ao que é preconizado pela teoria construtivista, onde o conhecimento é elaborando durante o decorrer da disciplina e o discente torna-se sujeito ativo no processo de aprendizado.8

Segundo a pesquisa, existe essa lacuna de cunho metodológico, o que implica em certas dificuldades quando da transmissão do conhecimento, especialmente quando este conhecimento foi adquirido na prática profissional do arquiteto-professor. Sabemos que este conhecimento adquirido pelo docente por melhor que seja não é suficiente para que ele consiga sem alguma didática mostrar aos aprendizes a forma mais adequada de se projetar em arquitetura. Ser um excelente arquiteto não necessariamente implica em ser um excelente professor, ou vice-versa. Muitas vezes os alunos sentem e sofrem com a falta de didática, por outro lado reconhecem o talento e a capacidade criativa do professor, sabem que ele é um excelente arquiteto e esperam aprender com ele, mesmo que ele não possua a técnica mais acertada para lecionar sua aula. Aí se entra num certo consenso, pois muitas vezes o mestre também sofre com a falta de atenção dos alunos. Além do mais observarmos a constante troca de professores no transcorrer dos anos, o que pode ser um ponto positivo para a aprendizagem, uma vez que os alunos passam a ser avaliados sob diferentes pontos de vista, assim como aprendem diferentes técnicas e formas de ver a arquitetura.

As questões aqui avaliadas referem-se à realidade de um curso noturno, o que implica outros fatores que em sua maioria são meio esquecidos, talvez pela pressão do sistema, talvez pela necessidade mesmo de se atingir patamares compatíveis com aqueles cursos integrais que dispõem de uma infra-estrutura diversificada.

Optar pelo curso noturno tem algumas vantagens, mas sem dúvida para aquele aluno que trabalho em período integral, as vantagens ficam em segundo plano, uma vez que ele está ali buscando a realização de um sonho. E para realizar este sonho ele precisa trabalhar durante o dia. Aqui se colocam fatores como o cansaço, a falta de tempo para se dedicar exclusivamente ao curso e várias questões de ordem prática, que muitas vezes interferem na relação aluno – professor - aprendizagem. O curso para se tornar arquiteto realmente exige um grau muito alto de dedicação e força de vontade, mediante as inúmeras tarefas e exercícios que são colocados, a maioria deles de cunho prático, ou seja, que exigem muito mais tempo de trabalho que propriamente dificuldades.

Neste emaranhado de trabalhos o professor algumas vezes acaba deixando a responsabilidade de transmitir conhecimentos ao próprio aluno, que é “obrigado” a apresentar seminários e mais seminários e pesquisas dos mais diferentes assuntos. Estar lá na frente da turma e apresentar trabalhos pode ser uma maneira, mesmo que tímida, de explorar a vocação docente do aluno, mas com certeza não é suficiente para lhe ensinar a didática correta caso ele venha a se tornar professor.

Como se trata da área específica do projeto de arquitetura, percebemos que esta qualificação “tardia” do docente significa uma espécie de ruptura com o modelo tradicional, onde o professor e profissional de mercado na maioria das vezes se confundiam. Ele marca uma espécie de dissociação entre o ensino de arquitetura e o exercício profissional, já que “saber-fazer” não significa necessariamente “saber-ensinar”. Esta separação contribui para acentuar as diferenças e os conflitos entre o “saber-arquitetura”, o “saber fazer arquitetura” e o “saber discursar sobre ela”9.

4. Conclusão 

Levantadas estas questões com base na pesquisa pode-se afirmar que não existe apenas um culpado. Se a grade curricular do curso de Arquitetura e Urbanismo não oferece aulas cujo enfoque seja a didática, não podemos simplesmente desistir de fazê-lo, porque então não seríamos nem professor nem arquiteto. Neste sentido a própria sociedade tem cobrado das autoridades competentes soluções a esse respeito. Não basta apenas a boa intenção que existe tanto por parte de professores quanto por parte de alunos, precisa haver melhorias didático-pedagógicas no sistema de ensino como um todo para efetivamente apresentar os resultados esperados pela sociedade. Para que ocorram estas melhorias entramos na dependência da esfera política, e dessa forma nos “isentamos” de maiores responsabilidades. 

O processo de pesquisa em arquitetura pode, sim, produzir conhecimento científico, desde que seja bem orientado e mais que isso, que seja bem compreendido em sua essência pelos alunos. Se for uma pesquisa consciente, é muito provável que os resultados serão conscientes também.

Paralelamente precisa haver uma melhoria da qualidade no ensino de projeto, o que já vem ocorrendo de fora tímida em algumas regiões do Brasil, onde se busca aperfeiçoar as práticas pedagógicas tendo em mente que ao “saber arquitetura” e ao “saber fazer arquitetura” deve-se acrescentar ainda o “saber ensinar arquitetura”. Juntamente com esse processo deve ocorrer a profissionalização do professor de projeto, o que levará necessariamente a uma melhoria na formação do futuro professor-arquiteto.

5. Referências Bibliográficas 

PALANGANA, Isilda Campaner. Desenvolvimento e Aprendizagem em Piaget e Vygotsky: a relevância do social.  2. ed. São Paulo: Plexus, 1998.   

SARAVALI, Eliane Giachetto. Estudos Piagetinaos e Psicologia Genética: Contribuições da Teoria de Piaget para a Formação de Professores; ETD. Educação Temática Digital, Campinas, São Paulo: v.5, n.2, p.23-41, jun. 2004 – ISSN: 1517-2539. 

UREN, Flavio Henrique da Rosa. Bases pedagogicas para la ensenanza del proyecto arquitectonio : abordajes del proceso (tese de doutorado). Assuncion: Universidad Politecnica y Artistica del Paraguay, 2005. 

VELOSO, Maísa; ELALI, Gleice A. A Pós-Graduação e a Formação do (Novo) Professor de Projeto. In: LARA, Fernando; MARQUES, Sônia (org.). Projetar: desafios e conquistas da pesquisa e do ensino de projeto. Rio de Janeiro: EVC, 2003.  


Autor: André Henrique Hoffmann


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