DO 'O TAMBOR'



O tambor é o símbolo da arma psicológica que desfaz internamente toda a resistência do inimigo; é considerado sagrado, ou sede de uma força sagrada; ele troveja como o raio, é ungido, invocado, e recebe oferendas.

Chevalier

Em todas as culturas, o tambor é algo que expressa uma espécie de logos cuja essencialidade nada mais é do que nossa própria condição humana. Ao rufar de um tambor, ninguém escapa de seu mistério, ele nos toca tão profundamente que podemos ir do êxtase à catarse, passando, claro, por regiões do inconsciente.

Há cinquenta anos, surgia, no mundo literário, um livro alemão no qual um tambor, além de peça chave no enredo, será o grande responsável por certas turbulências na esfera real, mormente da crítica. Günter Grass, autor do romance, recebeu ataques violentos o acusando de "pornográfico", de "blasfemo" e coisas do gênero.

O livro "O Tambor" faz parte de uma trilogia, intitulada "Trilogia de Danzig". Suas engrenagens estético-estruturais não apresentam novidades que possamos classificar de extraordinárias. A narrativa se desenvolve num ritmo natural (próprio das tiradas chamadas "picarescas"), em primeira pessoa, onde Oskar Matzerath, personagem central, se encontra em um manicômio por assumir um crime que não cometeu. Na verdade, Grass realiza viagens pela história alemã, de 1899 até 1954.

Anna Bronski, avó de Oskar, num final de tarde de Outubro de 1899, estava sentada num batatal comendo batatas das cinzas quentes de uma fogueira, quando Joseph Koljaiczek, um homem que fugia da polícia, surgiu e se enfiou debaixo das quatro saias que Anna sempre usava. e "não lhe largou mais as saias". Anos depois, desaparece nas águas de um rio. (Consta que foi visto mais tarde na América.) Enquanto Anna é interrogada, Agnes (mãe de Oskar) foi concebida. Casar-se-á com Alfred ( tornando-se este membro do Partido Nazi), tendo o polaco Jan por amante.

Oskar nasce em 1924, com capacidades cognitivas de um adulto e enormes olhos azuis. Seu verdadeiro pai é uma incógnita. No seu terceiro aniversário, ganha de presente um tambor de lata. Neste dia, decide não mais crescer, pois o pai lhe diz que, quando adulto, administrará a loja da família. Oskar torna-se inseparável do tambor (no hospital, é o tambor que lhe trará algumas memórias "secundárias"). Depois das primeiras experiências sexuais com a mulher que cuida dele, Maria (que se casará com o pai), nasce Kurt (filho de Oskar ou do pai?). Oskar consegue partir vidros com um grito terrível. Vira chefe de uma gangue que assalta lojas. Alia-se ainda a um grupo circense de anões que entretém as tropas na linha da frente. Mais tarde, em Düsseldorf, Oskar torna-se músico de jazz com o seu tambor.

O livro "O Tambor", como todo artefato literário, está atravessado por silêncios. Não apenas aqueles que falam diretamente, mas os que permanecem enviesados nas tramas e ironias talhadas, evidente, numa linguagem prenhe de jogos fantásticos, de lampejos mágicos, compondo o que alguns estudiosos classificam como "realismo mágico". Vale lembrar que a obra de Günter Grass vem à luz num momento em que, mundo afora, se discutia a chamada "morte do romance". Através de Oskar, inclusive, o leitor é convidado a pensar nesta problemática: "Pode-se começar uma história pelo meio e criar confusão, avançando e recuando com ousadia. Pode-se assumir uma pose moderna (...). Também se pode afirmar logo de início que hoje em dia é impossível escrever um romance, mas depois, por assim dizer dissimuladamente, produzir um 'bestseller' bem espesso para o autor se apresentar por fim como o último dos romancistas."

O Tambor acaba de ser traduzido para o português pela professora Dra. Helena Topa, do Departamento de Línguas, Culturas e Literaturas Modernas, da Universidade Nova de Lisboa, pela Dom Quixote, em comemoração ao cinquentenário de lançamento da obra. Se vale a pena sua leitura? Faça você mesmo o teste. Afinal, esse negócio de se ganhar um prêmio, Nobel, por exemplo, está em nível do chamado "Argumento de Autoridade", ou seja, é deslavada falácia. O ser humano se movimenta em meio a intrincadas redes de interesses e raríssimos exercícios metafísicos. Barack Obama, acredite, Nobel da Paz, que nos diga!


Autor: Ary Carlos Moura Cardoso


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