SAUDADES DE DONA ANITA
SAUDADES DE DONA ANITA
Lembranças da minha infância,
Povoam os meus pensamentos,
Nos momentos de isolamento,
Quantas noites enluaradas,
Quantas histórias da carochinha,
Esteiras nas calçadas,
Crianças deitadas,
Crianças sentadas,
E dona Anita a distribuir fantasias em forma de histórias infantis,
Dona Anita, grande contadora de histórias da minha infância,
Mãe de Ivone,
Mãe de Zulnara,
Mãe de todos nós...
Mãe da meninada da rua,
Da Rua Bahia, onde morávamos.
Vivia a contar sonhos e fantasias...
Histórias de amor,
Histórias de pavor,
Histórias de príncipes e de princesas,
Castelos maravilhosos...
E nós...
As crianças...
Sonhávamos acordados...
E dona Anita,
Sentada em uma cadeira a mudar os nossos sonhos,
Com as suas histórias sem fim...
Esteiras ao chão,
Histórias de Maria Bonita com Lampião...
E de Pedro Malasartes,
Com as suas mil artes...
A meninada na esteira a ouvir com atenção,
Dona Anita,
Sem vaidade,
Sem luxos,
Tinha aroma de dona de casa,
Tinha aptidão de dona de casa,
Era dona de casa,
Tinha cheiro de amor pela meninada.
Atenciosa com os meninos que corriam para escutá-la,
Ah, meu Deus,
Quanta paciência,
Quanta inspiração,
Nas noites de lua cheia,
E nas noites sem lua cheia,
Nas noites estreladas...
A criançada dormia ouvindo as histórias...
Era uma vez,
E mais uma vez...
E mais uma vez...
Palavras mágicas,
Vontade de sonhar,
Os sonhos mais gostosos e inocentes,
Pedro Malasartes e a sopa de pedras,
Ah... Quanta vontade de tomar sopa de pedras...
Histórias de Camões, de príncipes e de princesas...
Príncipes valentes,
Princesas carentes,
Loucas para amar,
Loucas para casar com os seus heróis,
Que fantasticamente tudo resolviam...
Eu queria mesmo era ser a bela princesa,
Fugir no cavalo branco com o meu príncipe encantado,
O homem mais bonito de todo o reino,
O homem por mim apaixonado,
Filho de um rei muito rico,
Num reino maravilhoso,
Príncipe extasiado,
Príncipe deslumbrado,
Submetido às minhas vontades,
Esperança de ser feliz para sempre no reino da fantasia.
Histórias de dona Anita...
Sonhos promovidos por dona Anita...
Colo forte e gostoso...
Com sabor de afeição...
Com desejo de realizações...
Ah!... Que saudades daquele tempo...
Mas, o tempo passa e não volta mais,
Leva com ele,
O cavalo branco,
O castelo encantado,
Perde-se o príncipe encantado,
Perde-se o era uma vez,
E na maturidade,
Na passagem do tempo,
Encontra-se a vida real,
E procura-se o era uma vez da vida real.
Autor: Maria José de Azevedo Araujo
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