A Complexidade Do Dia-a-dia Educacional



A Educação com a qual temos que trabalhar hoje nos traz um grande alento, mas ao mesmo tempo grandes receios. Vemos-nos frente a frente com uma nova forma de educar, mas não sabemos na verdade ainda como fazê-lo. Especulamos, discutimos, perguntamos, teorizamos, estudamos e discutimos novamente; mas, de fato, o que se nos apresenta é um mundo em constante mudança, no qual as informações nos chegam às centenas todos os dias. E como chegam até nós, chegam aos nossos estudantes também.

Se essas informações que nos chegam também atingem nossos educandos, temos que nos questionar do porquê de estarmos aqui e qual é nossa função como educadores nesse novo contexto educacional. Concluímos que "hoje em dia está muito difícil educar" porque, na verdade, tememos algo.

Deveríamos partir do princípio que há certos conceitos que devem ser revistos. Não que não possamos utilizar conceitos já existentes, mas com certeza temos que adapta-los. As idéias de conhecimento, ensino, aprendizagem, pensamento complexo, rede, novas tecnologias, novas competências, estão fazendo parte de nosso dia-a-dia educacional há já algum tempo. E não deveriam ser somente "palavras bonitas" ou "objetos de estudos teóricos".

Partindo-se desse princípio, tentaremos abordar cada um desses temas separadamente, sob o olhar de nossa prática pedagógica, para depois trazê-los às nossas realidades.

Conhecimento

"O conhecimento surge, no atual processo educacional, como um mediador entre a ignorância e o saber" (Stoer e Magalhães). O processo de produção e aquisição de conhecimento está vinculado sempre às condições que a sociedade apresenta em determinado momento histórico. Ele é intencional. Não há aquisição de conhecimento sem intencionalidade.

Há que se ter a necessidade, a intenção, a vontade precípua de adquiri-lo, num primeiro momento.
Nem toda informação será processada e transformada em conhecimento. E muitas vezes essa informação, até chegar a ser conhecimento, passará por um caminho onde sofrerá transformações significativas. Então, vemos o conhecimento como o "acúmulo" de informações significativas ou a produção individual de saberes, baseado em informações pré-adquiridas.

Qual a diferença do conhecimento adquirido hoje em dia e do adquirido há tempos atrás? Certamente a velocidade com que as informações se modificam e a forma como nos chegam são diferenciais muito grandes. Há não muito tempo atrás o processo de aquisição de informações era feito lentamente. Tínhamos que busca-las com paciência porque as modificações também aconteciam de forma lenta. O mundo não mudava tão rápido. Podíamos "perder" certo tempo nesse processo porque as transformações demoravam a acontecer.

A rapidez de aquisição das informações na modernidade nos remete a uma nova maneira de processá-las para transformá-las em conhecimento.Tudo se modifica muito rápido. O que hoje se sabe de uma forma em questão de meses pode ser completamente diferente.E temos que acompanhar essas mudanças, o que nem sempre é tarefa fácil.

Para conseguir acompanha-las, o processo pedagógico, "assim, surge como enformado pela preocupação central com o incremento da reflexividade como processo individual" (Stoer e Magalhães). Em função disso, o aluno passa a ser "sujeito" e não mais "objeto" do nosso processo, porque da mesma forma que nós educadores obtemos informações com rapidez, ele (o educando) também o faz.

Esta é a "reconfiguração do conhecimento" de que falam Stoer e Magalhães.

Pensamento Complexo

Segundo Morin, estamos vivendo uma "Babel descontrolada – fenômeno contemporâneo de multiplicação vertiginosa da produção de informação e sua problemática". Essa multiplicação da informação nos faz refletir sobre o quanto estamos prontos para essa absorção de conhecimentos em grande velocidade. Se continuarmos estabelecendo ligações entre os conhecimentos da forma que o fazíamos antigamente, certamente estaremos diante de um grande problema. Mas, se soubermos como adaptar nossos saberes a essa modernidade que se nos apresenta, certamente teremos êxito. Essa complexidade só pode ser entendida "por um sistema aberto, abrangente e flexível – o pensamento complexo" (Mariotti, Humberto).

O pensamento complexo, seguindo Mariotti, "configura uma nova visão de mundo, que aceita e procura compreender as mudanças constantes e não pretende negar a multiplicidade, aleatoriedade e a incerteza, e sim conviver com elas".

Portanto, não podemos de forma alguma negar que existem mudanças constantes, que não podemos mais falar em absolutismo de idéias, que as incertezas fazem parte de nosso cotidiano. Mas temos o dever de conseguirmos conviver com todas essas múltiplas facetas e delas tecer a rede do conhecimento.

"O modelo mental cartesiano é indispensável para resolver os problemas humanos mecânicos, mas é insuficiente para resolver problemas humanos em que participam emoções e sentimentos".(Mariotti, Humberto).

Rede

Quando Morin nos fala em "Consciência Planetária" penso imediatamente na idéia de "Rede". Impossível imaginar a educação hoje sem estarmos literalmente conectados, pela necessidade de ajuda mútua. Não se pode conceber a tão falada globalização sem dividir, sem auxiliar, sem compartilhar. E a primordial sensação de Rede é essa: uma teia enorme, onde todos se interligam, tanto em atos quanto em informações.

Retomando Morin, identidade humana "é a convergência de todas as ciências, é a aceitação de que somos elementos culturais e genéticos de nossa diversidade". E isso só pode ser aceito e entendido pensando-se na enorme teia (web) e, tentando chegar mais perto de nossa prática pedagógica, trazendo à nossa realidade a rede de troca de informações.

As relações entretecem-se, se articulam em teias, em redes, construídas, social e individualmente, em permanente estado de atualização. Tanto em nível social quanto em nível individual a idéia de conhecer assemelha-se a de enredar.

Entender que tudo, hoje, é uma grande rede, onde dependemos uns dos outros para conseguirmos atingir objetivos muito maiores, é nosso desafio inicial. Isso, na nova educação, pode ser entendido como utilizar a multi e interdisciplinaridade, as novas tecnologias, as redes de educação.

Logicamente esbarraremos em um grande problema: como fazer com que essa rede seja alcançada por todos, num mundo em que a detenção de informações e tecnologias está na mão de poucos. Este é o nosso segundo e grande desafio da educação atual.

Novas Tecnologias

Hipertextos, os multimídia interativos, simulações, mundos virtuais, dispositivos de tele-presença, avaliações virtuais, chats, blogs, flogs, Orkut, emails, chats. O que é isso? Essa é a realidade que nos ronda, o mundo das Novas Tecnologias, do qual precisamos fazer parte.

Esse é o mundo "virtual" e cheio de informações, no qual nossos educandos vivem hoje. Uma realidade onde as mudanças são rápidas e onde se podem acessar diversas dessas informações ao mesmo tempo. É através destes meios que as mensagens nos chegam.

"É preciso não esquecer que a própria mídia hoje está numa hibridação com o espaço cibernético, onde ela se vê obrigada a se abrir para isto... Mas, o que há de comum entre todas essas tecnologias, entre todas essas formas de mensagens?" (Lévy, Pierre). Elas não são mensagens fixas, elas estão em constante mutação e podem se modificar, dependendo de quem as recebe, rapidamente. Então entendemos porque temos hoje uma educação tão diferente e à qual temos por obrigação nos adaptar. É onde nossos paradigmas se quebram, nosso conhecimento renasce e nossos valores se modificam. A função de professor surge, diante desta realidade, não como detentor de informações, mas sim como "direcionador" delas. A informação não nos chega mais por meios estáticos. Ela está em constante movimento.

Segundo Lévy, "se recupera a possibilidade de ligação com um contexto que tinha desaparecido com a escrita e com todos os suportes estáticos de formação. É possível, através disso, reencontrar uma comunicação viva da oralidade, só que, evidentemente, de uma maneira infinitamente mais ampliada e complexificada".Há uma modificação também na maneira como concebemos leitura e escrita e, por tanto, mais uma necessidade de adaptação. Como mostrar aos nossos alunos que ainda é válido lermos livros e escrevermos em cadernos se é muito mais fácil consultarmos hipertextos, links e digitarmos ao invés de escrever? Ao invés de tentarmos adapta-los ao nosso antigo modelo educacional, temos que nos adaptar a essa nova realidade. Especialmente porque eles têm razão, é muito mais fácil. E contra fatos não há argumentos.

"O que isso vai se tornar em termos culturais e políticos permanece completamente em aberto, mas, com certeza, dá para ver que isso vai ter implicações muito importantes no campo da educação (...)." (Lévy, Pierre).

Novas Competências

Quanto mais nos aproximamos de questionar quais os modelos que devemos seguir, se eles estão certos ou não, quantas influências sofremos no processo educativo, vemos que temos por obrigação nos questionar se somos ou não competentes para exercer essa função a qual no propusemos. Se estamos ou não preparados para trabalhar um volume tão grande de informações. Se conseguimos realmente auxiliar nossos educandos nesse novo processo educativo.

Para isso temos que, logicamente, questionarmo-nos em nossas competências. Para Perrenoud, "A competência é uma mais-valia acrescentada aos saberes: a capacidade de utilizá-lapara resolver problemas, construir estratégias, tomar decisões, atuar no sentido mais vasto da expressão".

Para ele, "É preciso reconhecer que os professores não possuem apenas saberes, mas também competências profissionais que não se reduzem ao domínio dos conteúdos a serem ensinados, e aceitar a idéia de que a evolução exige que todos os professores possuam competências antes reservadas aos inovadores ou àqueles que precisavam lidar com públicos difíceis".

Hoje, nossos educandos são o nosso "publico difícil".Eles nos questionam, eles são aqueles que têm acesso às informações de forma rápida, são aqueles que não nos querem como meros "depósitos de conhecimentos".Precisam de nós, sim. Mas muito mais como companheiros, como direcionadores de saberes. E nós temos que estar prontos para assumir estas funções. Para tal, necessitamos desenvolver determinadas competências das quais antes não precisávamos abrir mão.

Esta nova educação exige de nós questionamentos sobre nossas capacidades e sobre nossas atitudes frente aos nossos alunos. Por exemplo, "que professor confessaria que não sabe organizar e estimular situações de aprendizagem?" (Perrenoud).

Um dos grandes desafios na Nova Educação é prepararmos nossos discentes a trabalhar com ela e com nossos "novos educandos". Quando Perrenoud nos fala das competências que um professor deve ter, nos apresenta características antes necessárias aos executivos de grandes empresas, como estar aptos a enfrentar mudanças de uma hora para outra, saber adaptar-se a situações de risco, conseguir resolver problemas rapidamente, apresentar questões de forma diferenciada e suscitando a curiosidade de seu público alvo. E isso hoje é exigido ao professor como condição sine qua non para poder exercer sua função.

Ensino / Aprendizagem

A organização do ensino/aprendizagem em torno do conceito de conhecimento sugere que a aquisição de competências "diz respeito ao processo de ativar recursos (conhecimentos, capacidades, estratégias) em diversos tipos de situações, nomeadamente situações problemáticas". (Stoer e Magalhães).

O ensino e a aprendizagem estão intimamente ligados ao processo de aquisição do conhecimento de forma prática. Toda a informação que conseguimos trazer à nossa realidade prática se consolidará em conhecimento adquirido. Daí conclui-se que, utilizando situações-problema no processo de ensino/aprendizagem, tornaremos dito processo muito mais aprazível e prático, portanto, eficiente e eficaz.

Quando Stoer e Magalhães concluem que "a articulação das competências como núcleo duro do processo de ensino/aprendizagem pretende apoiar a construção de uma nova cultura de currículo e práticas mais autônomas e flexíveis de gestão curricular", vemos todo um processo de desfragmentação de conteúdos curriculares rígidos caírem por terra. Desde o momento em que teremos maior flexibilidade dentro do processo educacional, teremos a possibilidade de "intercambiar" disciplinas, num processo onde, partindo de uma situação problema, vários conteúdos sejam abordados simultaneamente e diversas competências sejam necessárias para resolvê-lo. O processo de ensino/aprendizagem começará com a apresentação da situação-problema e terminará com a avaliação dos conhecimentos adquiridos durante o processo de resolução do problema apresentado.

Temos uma modificação substancial no sistema educacional quando postulamos que "o centro do ensino/aprendizagem não é o corpus do saber, mas a pessoa daquele que aprende". (Stoer e Magalhães). Transferimos a importância do ensino não ao que se ensina e sim a quem se ensina e isso transforma todo o processo educacional.

Conclusão

Estamos frente a frente com uma infindável quantidade de mudanças em todos os âmbitos na sociedade moderna, mas, sem dúvida, a educação é o grande desafio. Modificando o processo educativo estamos modificando todo o resultado da sociedade daqui para frente. Abalamos estruturas sociais, políticas, trabalhistas, científicas e trazemos o pensamento livre à tona. Isso nos fará conviver com pessoas de grande nível de conhecimentos sobre os mais diversos assuntos e, portanto, muito mais críticas e questionadoras.

"É neste ponto que a pedagogia e o contrato social moderno convergem. (...) Amodernidade assume a escola – mais precisamente o sistema escolar – como um dos instrumentos centrais da sua realização. (...)O conhecimento, assumido pelo paradigma sócio-cultural da modernidade, como potenciador da emancipação dos indivíduos, surge simultaneamente como uma poderosa forma de regulação social". (Stoer e Magalhães)

A Escola se torna, neste novo processo, um "modificador" social.

O real valor do conhecimento não é "o quanto" se sabe mas, sim, "como" se sabe. A forma como conseguimos utilizar o conhecimento em nossa prática é o que nos diferencia. Cabe aos educadores a árdua tarefa de conseguir transmitir os conhecimentos de forma a que os educandos realmente os compreendam. "Os entendimentos provavelmente só serão transmitidos se os professores os incorporarem e souberem como transmiti-los de maneira integrada, contextualizando-os e transferindo-os para o cotidiano do aluno". (Vitta, Érika).

Para Moran, a maior tarefa dos educadores consiste em sermos nós mesmos plenamente e ajudar aos outros que também o sejam.

Há a necessidade premente de se repensar a questão do ensino, "levando em consideração pontos não só como a hipercompartimentação dos saberes, mas também como vencer os obstáculos encontrados na articulação e debate destes saberes" (Morin, E.).De nada nos adianta pensarmos e repensarmos a educação se não levarmos em conta que os saberes se modificam e a forma como os passamos adiante também.Temos que modificar nosso atual modo reducionista de pensar e realmente modificar o conhecimento.

Questionamentos verdadeiros sobre as competências que os educadores devem ter, olhares críticos sobre a real necessidade de manutenção de um processo pedagógico já decadente, aceitação de ferramentas hoje úteis se soubermos traze-las ao nosso dia-a-dia educacional... Esses e outros momentos são necessários para concluirmos que estamos dentro de um processo de mudanças imenso e constante. E que cabe a nós, educadores, o fardo mais pesado; não aos nossos educandos. Nós temos que nos adaptar ao novo processo, não eles. O mundo não volta atrás, as tecnologias não retroagem, a ciência não é saudosista.Este é o mundo em que nossos jovens vivem: dinâmico, mutante, crítico, rápido, articulado, interdisciplinar.

A complexidade educacional está na aceitação do fato de que os valores sociais, morais e éticos, ainda que transformados, devem sobreviver às modificações mas "nós" devemos nos adaptar às modificações e auxiliar nossos educandos nesse caminho de equilíbrio entre tais valores e o mundo que se lhes/nos apresenta,estando aptos a "com-viver". É neste mundo que nós, educadores, nos reeducaremos, se quisermos continuar a encontrar, como diria Rubem Alves, alegria em ensinar.


Autor: Lia Barros


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