APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS, COMO FORMA DE JUSTIÇA FISCAL, SUA ABRANGÊNCIA E EFICÁCIA



APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA NAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS, COMO FORMA DE JUSTIÇA FISCAL, SUA ABRANGÊNCIA E EFICÁCIA

Antonio do Carmo Adão Júnior * – [email protected]

RESUMO: Indicativo da potencialidade econômica que possuem os submetidos ao poder de tributar do Estado para contribuir com os gastos públicos, o princípio da capacidade contributiva, previsto no artigo 145, § 1º, da Constituição da República, figura como uma verdadeira e intransponível barreira a soberania fiscal do Estado. Contudo a expressão capacidade contributiva vem sendo alvo de inúmeras indagações que recaem sobre as mais variadas óticas. Constitui deste modo como objetivo deste artigo analisar a aplicabilidade da capacidade contributiva sobre as diversas espécies tributárias bem como a sua eficácia como norma constitucional e se a capacidade aludida na Constituição é objetiva ou subjetiva. Este princípio constitucional é um dos realizadores da tão almejada justiça fiscal configurando-se deste modo como propulsor dos ideais do princípio da igualdade.

Palavras-chaves: Capacidade Contributiva. Princípio Constitucional Tributário. Limites ao Poder de Tributar do Estado. Justiça Fiscal. Igualdade. Direito Tributário.

INTRODUÇÃO

As receitas tributárias constituem-se como principal fonte de renda do Estado possibilitando a realização de atividades que tem por finalidades a manutenção do Estado e os benefícios comuns para a coletividade. Para absolver estas receitas o ente político é dotado de um determinado poder que lhe dá a competência para instituir e a capacidade para cobrar inúmeros tributos que são a nascente destes rendimentos. Contudo o Estado não pode exercer esta prerrogativa da maneira que bem entender, pois existem limites jurídicos a esta capacidade de arrecadação que é imposta a todos os entes federais.

O princípio constitucional tributário da capacidade contributiva configura-se como um legítimo limite ao exercício do poder de tributar do Estado, constituindo-se como verdadeiro parâmetro para a eleição de hipóteses de incidência tributária.

Com suas bases fundadas sobre o princípio da igualdade e na idéia de justiça fiscal, a noção de capacidade contributiva remota sua origem ao próprio surgimento do tributo. No ordenamento jurídico nacional foi somente com a democrática Constituição de 1946 que o princípio ganhou o merecido status constitucional, e apesar de ter sido retirado do Texto Fundamental pela emenda constitucional 18, de 1965, esteve presente implicitamente até a Constituição Federal de 1988 quando retomou o seu devido lugar.

Inúmeras questões ainda hoje são debatidas em torno deste princípio, certamente geradoras de polêmica na doutrina brasileira e também na estrangeira. Estas questões dizem respeito sobre a aplicabilidade e abrangência, do princípio da capacidade contributiva, nas diversas espécies tributárias, a sua eficácia como norma constitucional, bem como o seu caráter subjetivo ou objetivo. Contudo mostra-se oportuno e necessário, portanto, estruturar a presente reflexão.

1 LIMITAÇÕESCONSTITUCIONAIS AOPODERDETRIBUTAR:PRINCÍPIOS

CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS

A pessoa política, ao exercitar a competência tributária encontra limites jurídicos, que a impedem de desempenhar essa competência da maneira que bem entender.

Um primeiro limite encontra na observância das normas constitucionais. O respeito devido a tais normas é absoluto e sua violação importa irremissível inconstitucionalidade da lei tributária.[1]

O ente competente para criar o tributo depara com outro limite nos grandes princípios constitucionais tributários que também não podem ser infringidos.

O legislador encontra outro limite nos princípios constitucionais, que não podem ser violados. É o caso dos princípios republicano, federativo, da autonomia municipal e distrital, da segurança jurídica, da igualdade, da reserva de competência, da anterioridade etc., que operam como balizas intransponíveis a tributação. Guiam a ação estatal de tributar, que só será válida se observar todos eles.[2]

Esses princípios expressos, juntamente com os implícitos, que decorrem dos primeiros, do regime federativo e dos direitos e garantias fundamentais, constituem o escudo de proteção dos contribuintes.[3]

Desta forma esses princípios tributários, atuam como freios que limitam o poder de tributação do Estado, ficando esses juntamente com as imunidades tributárias as faces mais visíveis dessas limitações.

Mas os limites do poder de tributar definidos pela Constituição não se esgotam nos enunciados aí contidos.

O exercício do poder de tributar supõe o respeito às fronteiras do campo material de incidência definido pela Constituição e a obediência ás demais normas constitucionais ou infraconstitucionais que complementam a demarcação desse campo e balizam o exercício daquele poder. Desse modo, as chamadas "limitações do poder de tributar" integram o conjunto de traços que demarcam o campo, o modo, a forma e a intensidade de atuação do poder de tributar.[4]

Logo, a Constituição limita o exercício da competência tributária seja de modo direto, mediante preceitos especificamente endereçados à tributação, seja de modo indireto enquanto disciplina outros direitos como o de propriedade.

2 CONCEITUAÇÃOE APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA CAPACIDADE

CONTRIBUTIVA NAS DIVERSAS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS

Corolário do princípio da igualdade, o princípio da capacidade contributiva, pode ser entendido como vetor básico da atividade tributária constituindo-se elemento fundamental na aplicação da lei e na defesa dos contribuintes.

Deste modo este princípio vai levar à necessária limitação do poder legiferante ao reprimir exações confiscatórias e impedir a oneração de rendas mínimas, possibilitando a criação de um sistema progressivo justo.[5]

O princípio da capacidade contributiva está contido no art. 145, § 1º, da Constituição da República que prevê:

Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Este princípio tem como escopo a determinação de um nível ideal de tributação, que permita ao Estado garantir suas necessidades de natureza econômica, sem impossibilitar a subsistência dos contribuintes, exaurindo-lhes recursos além do devido.[6]

O princípio da capacidade contributiva inspira-se na ordem natural das coisas: onde não houver riqueza é inútil instituir impostos, do mesmo modo que em terra seca não adianta abrir poço à busca de água.[7]

O conceito da capacidade contributiva, ainda que o termo que o expressa padeça da ambigüidade e da imprecisão características da linguagem do direito positivo, pode ser singelamente definido como a aptidão da pessoa colocada na posição de destinatário legal tributário para suportar a carga tributária, numa obrigação o cujo objeto é o pagamento de impostos, sem perecimento da riqueza lastreadora da tributação.[8]

Assentada a dimensão do princípio da capacidade contributiva, incumbe-nos examinar, aonde será visto os efeitos de sua aplicação, se é um princípio norteador somente dos impostos ou se aplica nas demais espécies tributárias.

Tradicional é o ensinamento segundo o qual o princípio da capacidade contributiva é aquele orientador dos impostos – tributos independentes de uma atuação estatal – e que as taxas e contribuições – tributos vinculados a uma atuação do Poder Público – informam-se, respectivamente, pelos princípios da retributividade ou da remuneração e do beneficio.[9]

Com o mesmo entendimento leciona Kiyoshi Harada: "a graduação só se refere a impostos e não a tributos como estava na Constituição Federal de 1946, mesmo porque é a espécie responsável pela maior parte da arrecadação tributária, consistente na retirada da parcela de riquezas dos particulares".[10]

Já Sacha Calmon discorda:

É errado supor que, sendo a taxa um tributo que tem por fato jurígeno uma atuação do Estado, só por isso, em relação a ela não há de falar em capacidade contributiva. Ora, a atuação do Estado é importante para dimensionar a prestação nunca para excluir a consideração da capacidade de pagar a prestação, atributo do sujeito passivo e não do fato jurígeno.[11]

Nota-se que existe certa divergência na doutrina acerca da aplicabilidade da capacidade contributiva no campo dos tributos.

Apesar da nossa Constituição da República mencionar em seu artigo 145, § 1º, somente os impostos como campo primordial a ser incindido por esse importante princípio, outras espécies tributárias podem levar em consideração a capacidade contributiva, pois o próprio Texto Fundamental veda a cobrança de taxas em hipóteses nas quais não se revela capacidade econômica, exemplo este exposto no artigo 5º, LXXVII, da nossa Carta Magna.

2.1 Eficácia e aplicabilidade da norma acolhedora do princípio da capacidade contributiva

As normas constitucionais são distinguidas quanto à eficácia e aplicabilidade, entre normas de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral; normas de eficácia contida e aplicabilidade imediata, mas passiveis de restrições; e normas de eficácia limitada que compreende dois grupos: as definidoras de princípio institutivo e as definidoras de princípio programático.

Acerca da natureza da norma que hospeda o princípio da capacidade contributiva, a doutrina tem-se divido em duas posições distintas: ser ela regra meramente programática ou norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata.

Como expressão, no campo tributário, de princípio de maior amplitude, que é o da igualdade, o postulado da capacidade contributiva carrega consigo a plenitude de eficácia atribuída aquele. Na verdade, se não há discordância quanto à eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral do princípio da igualdade, parece desarrazoado entender-se diversamente no que concerne a diretriz da capacidade contributiva.[12]

Desse modo a norma acolhedora desse princípio passa a ter conteúdo preceptivo, vinculando, assim, a atuação do legislador infraconstitucional e do magistrado.

Já Kiyoshi Harada entende que: "o princípio da capacidade contributiva tem caráter programático, servindo como norteador da atividade legislativa".[13]

Desta maneira o princípio da capacidade contributiva seria apenas umaadvertência, uma diretriz, uma regra vazia de juridicidade, não obrigando nem o legislador, nem o juiz.

Contudo cabe ressaltar que a doutrina de um modo geral está de acordo quanto à natureza obrigatória da norma acolhedora do princípio da capacidade contributiva não encerrando, desta maneira, mera diretriz programática, incapaz de produzir efeitos, seja junto ao legislador, seja junto ao juiz.

Dito isto, cabe reafirmar que o princípio da capacidade contributiva anima – enquanto afim da igualdade – tanto a produção das leis tributárias quanto a aplicação das mesmas aos casos concretos a partir do fundamento constitucional. É dizer, o legislador está obrigado a fazer leis fiscais catando submissão ao princípio da capacidade contributiva em sentido positivo e negativo. E o juiz está obrigado a examinar se a lei, em abstrato está conformada à capacidade contributiva e, também, se, in concretu, a incidência da lei relativamente a dado contribuinte está ou não ferindo a sua, dele, capacidade contributiva.[14]

2.2 Concepções referentes ao princípio da capacidade contributiva

O princípio da capacidade contributiva, aludido em nosso Texto Fundamental, pode ser compreendido em dois sentidos distintos, ou seja, vale dizer que ele traz duas concepções antagônicas, uma, na qual, lhe dá caráter subjetivo e a outra que lhe atribui caráter objetivo.

Fala-se em capacidade contributiva absoluta ou objetiva quando se está diante de um fato que se constitua numa manifestação de riqueza: refere-se o termo, nessa acepção, à atividade de eleição, pelo legislador, de eventos que demonstrem aptidão para concorrer ás despesas públicas. Tais eventos, assim escolhidos, apontam para a existência de um sujeito passivo potencial.

A capacidade contributiva a qual alude a Constituição e que a pessoa política é obrigada a levar em conta ao criar, legislativamente, os impostos de sua competência é objetiva, e não subjetiva. É objetiva porque se refere não às condições econômicas reais de cada contribuinte, individualmente considerado, mas às suas manifestações objetivas de riqueza.[15]

Diversamente, a capacidade contributiva relativa ou subjetiva reporta-se a um sujeito individualmente considerado. Expressa aquela aptidão de contribuir na medida das possibilidades econômicas de determinada pessoa. Nesse plano, presente a capacidade contributiva in concreto, aquela potencial sujeito passivo torna-se efetivo ao absorver o impacto tributário.

Do ponto de vista subjetivo, a capacidade econômica somente se inicia após a dedução das despesas necessárias para a manutenção de uma existência digna para o contribuinte e sua família. Tais gastos pessoais obrigatórios (com alimentação, vestuário, moradia, saúde, dependentes, tendo em vista as relações familiares e pessoais do contribuinte, etc.) devem ser cobertos com rendimentos em sentido econômico – mesmo no caso dos tributos incidentes sobre o patrimônio e heranças e doações – que não estão disponíveis para o pagamento de impostos. A capacidade econômica subjetiva corresponde a um conceito de renda o patrimônio liquido pessoal, livremente disponível para o consumo e, assim, também para o pagamento de tributo. Dessa forma, se realizam os princípios constitucionais exigidos da pessoalidade do imposto, proibição do confisco e igualdade, conforme dispõem os arts. 145. § 1º, 150, II e IV, da Constituição. [16]

Portando daí percebe-se que a capacidade contributiva subjetiva atua como critério de graduação do imposto e limita o poder de tributar do Estado, enquanto a capacidade contributiva objetiva é o pressuposto ou fundamento jurídico do imposto tornado-se diretriz para a eleição de hipótese de incidências do mesmo.

CONCLUSÃO

O princípio da capacidade contributiva é o motor propulsor do princípio da igualdade, configurando-se dessa forma como meio mas eficaz para o alcance da justiça tributária. È também fonte jurídica de alta relevância no ordenamento jurídico nacional.

A essência deste princípio constitucional tributário é basicamente que o sujeito passivo da obrigação tributária deverá suportar o gravame na proporção de seus haveres.

Este princípio, dentro do leque de princípios que regem o sistema tributário nacional, tem como função primordial assegurar o exercício da igualdade no direito tributário brasileiro, alem de ser um limitador ao poder arrecadatório do Estado daí a amoldar-se com as exigências da moderna concepção do Estado Democrático de Direito.

Por ele devem-se pautar o legislador e o juiz, servindo de parâmetro na formulação e na aplicação da lei tributária, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.

Portanto por ser um princípio que se hospeda as dobras do princípio da igualdade não se encerra, obviamente, em mera diretriz programática, deste modo embora a Constituição só se refira a impostos, outras espécies tributárias podem levar em consideração a capacidade contributiva que por sinal é de acepções objetivas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 15.ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2000.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 8. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 3. ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2003.

FILHO, Antonio da Silva Coimbra. A Inconstitucionalidade do Regime Especial de Fiscalização Face ao Procedimento Quanto ao ICMS. Direito net, [s.l.], [2004?]. Disponível em:<http://www.direitonet.com.br/textos/x/77/66/776/DN_a_inconstitucionalidade_do_regime_especial_de_fiscalizacao_face_ao_procedimento_quanto_ao_icMS.doc>. Acesso em: 30 set. 2008.

HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2005.


* Acadêmico do 8º período da Faculdade de Direito do Instituto Machadense de Ensino Superior e Comunicação

(IMES) – Machado – MG.

[1]CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 15.ed. rev. ampl. atual. São

Paulo: Malheiros, 2000. p. 728.

[2]CARRAZZA, 2000, p. 348.

[3]HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p.730.

[4]AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 512.

[5]FILHO, Antonio da Silva Coimbra. A Inconstitucionalidade do Regime Especial de Fiscalização Face ao Procedimento Quanto ao ICMS. Direito net, [s.l.], [2003?]. Disponível em:<http://www.direitonet.com.br/textos/x/77/66/776/DN_a_inconstitucionalidade_do_regime_especial_de_fiscalizacao_face_ao_procedimento_quanto_ao_icMS.doc>. Acesso em: 30 set. 2008.

[6]Ibidem, loc. cit.

[7]AMARO, 2005, p. 138.

[8]COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 3. ed. rev. ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 136.

[9]COSTA, 2003, p. 77.

[10]HARADA, 2005, p.380.

[11]COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 8. ed. rev. Atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

p. 938.

[12]COSTA, 2003, p. 50.

[13] HARADA, 2005, p.380.

[14] COÊLHO, 2005, p. 88.

[15]CARRAZZA, 2000, p. 71.

[16] COÊLHO, 2005, p. 82.


Autor: Antonio do Carmo Adão Júnior


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