CRITÉRIOS PARA A FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO: O EXEMPLO TIRADO DO PROJETO ARIDAS



1. AS CAUSAS DAS DIFICULDADES PARA FORMULAR PROPOSTAS DE INTERVENÇÃO EFETIVAS

Uma das dificuldades constatadas na operacionalização das políticas públicas, em geral, e das políticas setoriais, em particular, é como integrá-las.

Do ponto de vista setorial, a maioria das análises e estudos existentes é concludente. Contudo, deve-se ter clareza da distinção entre "análises" que resultam em "diagnósticos" e "políticas" que resultam (ou deveriam resultar) em "ações", cujo objetivo é modificar a realidade existente, tal como ela se encontra em um determinado momento do tempo.

Análises sobre uma determinada dimensão da realidade – econômica, social, ambiental, etc. – centram suas atenções em fenômenos que, claramente, são tidos como típicos dessa dimensão. Essas análises chegam a ser exaustivas, esgotando quase por completo as dimensões da realidade sobre as quais são feitas. Seus resultados são apresentados em diagnóstico, expressando situações dessa realidade, suas causas, tendências e conseqüências.

De modo geral, no nível analítico dos estudos e diagnósticos, quase sempre temos clareza dos fenômenos, de seus fatores causais e de seus desdobramentos. É inegável que a grande maioria dos estudos a respeito das diversas dimensões da realidade é elucidativa, concludente e precisa na descrição dos fenômenos e no apontamento das suas causas e conseqüências. Os estudos sobre as várias dimensões da realidade se multiplicam, sempre acrescentado algo ao que já conhecíamos e, muitas vezes, revelando aspectos, até então desconhecidos e insuspeitados, dessa realidade. E as atividades ligadas à formulação de "políticas" e diretrizes de ação para eliminar ou atenuar aspectos negativos e para manter ou criar aspectos positivos da realidade, geralmente se baseiam nos diagnósticos e nos resultados dessas análises e desses estudos.

Porém, a realidade, tal como existe, não é unidimensional. As diversas dimensões do real, às quais sempre nos referimos, na verdade, são abstrações para que determinados aspectos do mundo real sejam analiticamente manejáveis. Na verdade, no momento da execução de uma política, formulada para intervir sobre uma dimensão específica da realidade, não agimos sobre um fator de uma determinada dimensão. Agimos sobre um conjunto complexo de fatores dessa dimensão e, simultaneamente, sobre conjuntos de fatores das demais dimensões. Não é possível agir sobre um fator de uma dada dimensão, enquanto todos os demais fatores desta mesma dimensão e os fatores das demais dimensões permanecerem constantes.

Isto é, os resultados da intervenção sobre um grupo de aspectos de uma dada dimensão da realidade podem se fazer sentir sobre aspectos que, do ponto de vista analítico, não teriam qualquer relação com aquele grupo. E é possível que também se façam sentir sobre outras dimensões, além daquela que estaria sendo considerada.

Isto também explicaria por que, muitas vezes, a execução das políticas setoriais nem sempre logra os objetivos propostos. E explicaria, ainda, por que, após a execução de uma determinada política para um determinado setor, outros setores passem a apresentar aspectos negativos, até então, inexistentes.

O que propomos aqui é a formulação de políticas e de propostas de ação, tendo como base a utilização de forma combinada dos estudos setoriais que são correntemente elaborados sobre as diversas dimensões e sobre os diversos aspectos da realidade. O ponto central deste artigo é a existência de inúmeros estudos setoriais com diagnósticos, explicitando problemas concretos que a realidade apresenta. A tese que defendemos é que os estudos setoriais esclarecem-nos sobre as diversas dimensões da realidade, a tal ponto que é possível intervir sobre ela de maneira efetiva e bem-sucedida, atingindo os objetivos propostos nas políticas, no sentido de modificar o perfil atual dessa mesma realidade.

A formulação de políticas e a proposição de ações, baseadas sobre análises, estudos e diagnósticos de um único aspecto da realidade apresentam as limitações decorrentes do caráter setorial dessas análises e estudos. Se as políticas e ações, dirigidas aos aspectos de uma única dimensão da realidade, forem formuladas levando em consideração aspectos das demais dimensões dessa mesma realidade, passarão a contemplar as demais facetas do mundo real. Dessa forma, as mesmas medidas de intervenção passariam a considerar, também, os fatores de tais aspectos e dimensões. E, ao invés de se propor políticas e ações destinadas exclusivamente a um único aspecto da realidade, se proporiam políticas e ações dirigidas a várias dimensões e aspectos.

Então, em lugar de políticas acanhadas e tímidas, com resultados menos que proporcionais aos esforços envidados, se passaria a contar com políticas robustas, promovendo os impactos e reflexos previstos sobre todo o conjunto da realidade. Em lugar de se modificar (ou de intentar) modificar um aspecto do mundo real, se lograria elevado êxito em se modificar o aspecto em pauta e os demais aspectos a ele relacionados, inclusive, corrigindo as distorções que uma eventual intervenção setorial unilateral venha a provocar.

2. UMA FORMA DE SUPERAR AS DIFICULDADES NA FORMULAÇÃO DE PROPOSTAS DE AÇÃO: UM EXEMPLO TIRADO DO PROJETO ARIDAS

Houve uma oportunidade de propor e aplicar a concepção de formulação de ações para o caso concreto do Semi-Árido da Região Nordeste do Brasil, através do Projeto ARIDAS. Esse Projeo surgiu em 1994, resultado de esforços conjuntos do Governos Federal, dos Governos Estaduais e de entidades não governamentais comprometidas com o desenvolvimento sustentável da Região Nordeste. Os recursos para o Projeto ARIDAS foram provenientes do financiamento do Banco Mundial ao Programa de Apoio ao Pequeno Produtor – PAPP e dos Estados da Região Nordeste. A sua execução ocorreu no âmbito da cooperação técnica e institucional entre o Instituto Interamericano de Cooperação para Agricultura – IICA e os Estados da Região Nordeste que tinham ações no âmbito do PAPP.

Elaborada há quinze anos atrás, quando o meio ambiente assumiu de modo irreversível o protagonismo mais destacado junto à opinião pública mundial e no cenário das políticas públicas, e quando o tema da sustentabilidade se consolidou, passando de mera questão conceitual para o plano prático, a proposta metodológica aqui apresentada permanece válida e atual. Trancorridos esses quinze anos, apesar dos dados relativos ao Semi-Árido nordestino estarem defasados, a forma sugerida para tratá-los ainda permanece atual. Neste artigo estão sendo enfatizandas as etapas a serem seguidas para, com base em dados e informações de diagnósticos setoriais parciais – no sentido de abordarem apenas uma dimensão da realidade – formular-se propostas de intervenções concretas sobre realidades complexas, levando em conta as suas várias dimensões.

No Projeto ARIDAS os princípios mencionados acima foram postos em prática para a proposição de "Uma Estratégia de Desenvolvimento Sustentável para o Nordeste". A "Estratégia" partiu da análise que está no RELATÓRIO FINAL: Impactos Ambientais das Atividades Humanas sobre a Base de Recursos Naturais Renováveis no Semi-Árido, do Grupo de Trabalho I – Recursos Naturais e Meio Ambiente do Projeto ARIDAS, em anexo neste artigo.

A premissa básica da qual o Projeto ARIDAS, como um todo, partiu foi que Região Nordeste do Brasil tem se caracterizado pela predominância da insustentabilidade nos seus processos de ocupação. Por isso, a abordagem da "Estratégia" proposta enfatizou aspectos relacionados ao uso dos recursos naturais, à intensidade das pressões exercidas sobre eles e às causas dessa insustentabilidade no processo de desenvolvimento do Semi-Árido nordestino. A "Estratégia" apresenta elementos que evidenciam os processos de degradação dos recursos naturais, os quais foram tomados como indicadores da insustentabilidade da relação homem x recursos naturais, sobretudo no âmbito da agropecuária tradicional. Também levou em conta a relevância das atividades agropecuárias para a oferta de emprego e para a geração de renda para a maior parte da população da Região. Durante o processo de sua formulação se teve presente que a análise da sustentabilidade passa, necessariamente, pelo desempenho produtivo e econômico deste setor de atividade. Do ponto de vista ambiental, a "Estratégia" considerou o alto potencial de impacto das atividades agropecuárias, em função do caráter difuso da sua presença em todo o território, aliado à fragilidade ambiental regional e ocorrência de secas. Conquanto tais atividades sejam relevantes e muito expressivas, não foram consideradas como exclusivas, nem as únicas responsáveis pela degradação ambiental e pelos problemas sociais (e de outra natureza) que prevalecem na Região. A problemática ambiental, constatada no Semi-Árido, foi considerada conseqüência de um processo antrópico baseado em práticas de manejo inadequadas na agricultura de subsistência itinerante. A "Estratégia" proposta também assumiu que esta última surgiu para viabilizar o processo histórico de pecuarização da Região, articulado com a economia litorânea. Porém, os níveis de densidade da ocupação atual tornaram este processo insustentável nos dias atuais. Também assumiu que o processo antrópico mencionado não era homogêneo e nem igualmente repartido no território.

Na proposição de "Uma Estratégia de Desenvolvimento Sustentável para o Nordeste", considerou-se que fatores e características naturais, combinados com especificidades sócio-econômicas e culturais, e a maior ou menor proximidade aos mercados (acessibilidade, centros de consumo, agroindústria), tornaram determinados territórios mais ou menos susceptíveis a processos de degradação. A possibilidade de um aumento acelerado da pressão antrópica poderia ser fator autônomo de exaustão dos recursos naturais, independentemente de suas características e especificidades locais. Ou seja, dada as condições naturais do Semi-Árido, a prática da agricultura alimentar, nas bases atuais, seria insustentável, se mantidos os atuais padrões de exploração.

E neste ponto começam a se tornam manifestas as dificuldades aludidas no início deste artigo, de que alguns poucos fatores, de uma determinada dimensão da realidade, também se fazem sentir em outras dimensões. E, do ponto de vista analítico, nem sempre esses fatores teriam alguma relação com a dimensão que estaria sendo considerada.

3. A SUSTENTABILIDADE: COMO FOI TRATADA NO PROJETO ARIDAS

Este é o caso da sustentabilidade, cujas condições são muito complexas e extrapolam muito os aspectos relativos ao meio natural. As condições de sustentabilidade ambiental de uma determinada região envolvem padrões socioculturais, políticos e econômicos das comunidades que nela vivem. Se as condições naturais de um ecossistema são tangíveis, observáveis e mensuráveis, as condições socioculturais, políticas e econômicas são intangíveis, não observáveis (pelo menos, diretamente) e a sua mensuração é dependente da construção de indicadores e é realizada de forma indireta.

Os esforços apresentados no RELATÓRIO FINAL: Impactos Ambientais das Atividades Humanas sobre a Base de Recursos Naturais Renováveis no Semi-Árido do Grupo de Trabalho I – Recursos Naturais e Meio Ambiente do Projeto ARIDAS, que resultaram na proposta de "Uma Estratégia de Desenvolvimento Sustentável para o Nordeste" vai de encontro às dificuldades apontadas no início deste artigo. A principal dessas dificuldades, na maioria das vezes, consiste no fato das "políticas" e suas diretrizes de ação nem sempre atingem os objetivos a que se propõem. E, muitas vezes, quando logra atingi-los promovem impactos indesejados sobre outros aspectos da realidade, sobre a qual sua execução originalmente não havia sido direcionada.

A proposta da "Estratégia de Desenvolvimento Sustentável para o Nordeste" provou a tese que defendemos, qual seja, que os estudos setoriais, tomados simultaneamente, esclarecem sobre as diversas dimensões da realidade. Os estudos setoriais considerados simultaneamente permitem elaborar políticas efetivas e bem-sucedidas que têm por objetivo modificar o perfil atual dessa mesma realidade. O ponto central deste artigo é que os inúmeros estudos e análises setoriais, com seus diagnósticos que revelam problemas concretos que a realidade apresenta, se vistos simultaneamente, são os elementos chave para a formulação de quaisquer propostas de intervenção sobre a realidade.

A "Estratégia" foi proposta com base em estudos setoriais sobre as diversas dimensões e aspectos da realidade, disponíveis na época. Aceitando que ascondições de sustentabilidade ambiental extrapolam os aspectoa naturais e envolvem padrões socioculturais, políticos e econômicos das comunidades que nela vivem, e tendo por base os dados de diversos estudos e diagnósticos setoriais simultaneamente, construiu-se uma série de indicadores de sustentabilidade. A tipologia se sustentabilidade apresentada teve a sua racionalidade baseada nos dados empíricos, disponíveis naquele momento. Foi um esforço pioneiro (e atual) para estabelecer um padrão de sustentabilidade do processo de desenvolvimento, baseado, não apenas em informações ecológicas naturais. Levou em conta a realidade, características e perfis dos atores sociais, que determinam o grau de comprometimento dos recursos naturais renováveis na Região.

O ponto de partida para a formulação da proposta da "Estratégia" foi mesmo ponto de partida do Projeto ARIDAS: a constatação de um processo de degradação ambiental, principalmente, a desertificação. Uma das causas apontadas dessa degradação ambiental foram as atividades agropecuárias. A forma como estas vinham sendo levadas a cabo vinham comprometendo a sua própria continuidade e seu desenvolvimento futuro e a continuidade e desenvolvimento de outras atividades na Região.

4. A TIPOLOGIA DE SUSTENTABILIDADE: COMO FOI ESTABELECIDA NO PROJETO ARIDAS

O resultado foi uma Tipologia de Sustentabilidade em que a conservação ambiental foi considerada apenas uma das variáveis do conceito de sustentabilidade. O crescimento econômico, a qualidades de vida, a equidade social, a estrutura regional e os sistemas de cidades foram tidos como variáveis tão importantes quanto as variáveis ambientais, para assegurar um processo de desenvolvimento sustentável. Na elaboração da proposta da "Estratégia" o conceito de desenvolvimento sustentável que foi utilizado deve ser entendido como um processo global e integrado de mudança social e elevação das oportunidades da sociedade.

Em outras palavras, a Tipologia de Sustentabilidade apresentada em "Uma Estratégia de Desenvolvimento Sustentável para o Nordeste" foi estabelecida com base em variáveis ambientais, sociais, econômicas e territoriais. A consulta ao documento do RELATÓRIO FINAL: Impactos Ambientais das Atividades Humanas sobre a Base de Recursos Naturais Renováveis no Semi-Árido, do Grupo de Trabalho I – Recursos Naturais e Meio Ambiente do Projeto ARIDAS, que se encontra em anexo, neste artigo, apresenta as fontes dos diversos estudos setoriais de onde essas variáveis foram selecionadas para servirem de base ao estabelecimento da Tipologia de Sustentabilidade proposta.

A partir das análises desses estudos setoriais foram relacionados os resultados de cada um deles com a problemática ambiental da Região. Isso permitiu demonstrar que essa problemática tinha como causa uma constelação de fatores. E que para o enfrentamento direto dos problemas ambientais seria necessário, também, o enfrentamento direto dos problemas sociais, econômicos e territoriais nas áreas onde os fenômenos ambientais estavam ocorrendo.

As informações dos estudos setoriais utilizados permitiram a desagregação espacial dos dados utilizados. Isso tornou possível a elaboração de mapas que mostravam a situação geográfica (naquela época) dos fenômenos setorias nas microrregiões do Semi-Árido. Os Mapas 1 e 2 mostram os aspectos ambientais da Região. O Mapa 3 mostra os nívies de desempenho das atividades agrícolas. Os Mapas 4 e 5 apresentam aspectos da realidade social na área, e o Mapa 6 apresenta caracterísitcas econômicas. Os Mapas de 7 a 11 apresentam as estruturas espaciais relevantes para o enfrentamento da problemática ambiental e o Mapa 12 apresenta a situação regional do Programa de Pólos Agroindustriais.

Do tramamento sistemático das informações sobre as diversas dimensões, reputadas como siginifcativas na explicação e no enfrentamento da questão ambiental no Polígono das Secas, (naquela época) foram elaboras simulações sobre os padrões de sustentabilidade, a partir do ano de 1990 até o ano de 2020. Isso pode ser visto nos Mapas de 13 a 19. O Mapa 20 apresenta a tendência dos padrões de sustentabilidade propostos, entre o período de 1990 a 2020.

O Mapa 21 apresenta qual seria o padrão de sustentabilidade desejado (ideal) para a Região, e o Mapa 22 apresenta o padrão de sustentabilidade factível. Finalizando, o Mapa 23 apresenta a estrutura regional do Semi-Árido da Região Nordeste e o Mapa 24 apresenta as microrregiões selecionadas, nas quais deveriam ser implantados projetos-piloto, onde as medidas de reversão das tendências deveriam ser executadas, avaliadas e corrigidas, para posteriormente serem estendidas sobre todas as demais micorregiões de todo o Polígono das Secas.

CONCLUSÃO

O que o RELATÓRIO FINAL em anexo mostra é que, para a formulação de propostas de intervenção em uma determinada dimensão da realidade, não é suficiente apenas dispor de um diagnóstico da dimensão em pauta. As informações existem e sempre existiram. O que falta é capacidade de manejo das informações, falta capacidade para inferir as interrelações existentes entre elas. E, sobretudo, falta capacidade para demonstrar como fenômenos de uma determinada dimensão, aparentemente sem relação com a dimensão em pauta, influenciam significativamente tal dimensão. E qualquer proposta de política, para ser bem sucedida deve levar isso em conta, sob pena de não ser mais do que um exercício acadêmico.

  » Faça o download do ANEXO: PROJETO ARIDAS.


Autor: T. F. Wilson


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