RELAÇÕES FAMILIARES



RELAÇÕES FAMILIARES

 

Não quero me gabar. Mas no meu tempo, uns cem anos atrás, as coisas na família andavam bem melhor do que agora.

Talvez porque, em primeiro lugar, um homem e uma mulher precisavam mesmo gostar muito um do outro, para casar.

Havia tantos impedimentos, tantos obstáculos, tanta dificuldade, que seria melhor não casar e deixar tudo como estava.

Precisariam realmente gostar - e gostar muito mesmo - um do outro.

Se realmente gostassem, enfrentariam tudo e todos, para ficarem juntos; aceitariam a contingência de só poderem se ver por algumas horas a cada fim de semana, - e quero dizer “se ver”: não  se apertar, se beliscar, se beijocar, se alisar, ou pior ... mesmo que todos tenhamos tido este irresistível desejo, antes do tempo certo...  

Se realmente gostassem, não faria nenhuma diferença, no desejo de estarem juntos (e quero dizer juntos sentados lado a lado, no sofá da sala, diante dos olhos desconfiados da família, e não deitados, um sobre o outro, no sofá, na cama, no motel, ou onde quer que seja).

Se realmente gostassem, não se importariam de ir trabalhar um, e ficar em casa o outro, renunciando a um salário até atrativo, mas pelo qual se paga um preço tão caro que, muitas vezes, custa o próprio casamento.

Se realmente gostassem, não faria diferença a falta absoluta de dinheiro, de chances, de perspectivas, de tudo o que precisava ter montar uma casa. 

Há um reparo: para um casamento feliz, naquele tempo  não eram indispensáveis tantos  acessórios.

Hoje estes acessórios levam, por um bom tempo, pelo menos a metade do salário dos dois.

Não; se realmente gostassem, ele a pegaria nos braços e se responsabilizaria por ela; e daquele momento em diante, seriam um só, e  saberiam perfeitamente quais os deveres, as obrigações de cada um.

Nunca avançariam exigências, nunca pensariam em “direitos”.  

A mera troca de carinho,  seria suficiente.

Se realmente gostassem um do outro, como se deve, sem reticências ou exceções, sem cláusulas limitativas ou artigos impeditivos,   seriam só eles dois; e cada um cumpriria o que eles determinaram;  não seria preciso mais nada.

Cabia a ela, mulher,  cuidar da casa, dedicar-se a todos os afazeres do dia a dia, o que incluía, por exemplo, mas não exclusivamente, honrar o marido – sendo fiel, lavar suas roupas, manter o lar  limpo e acolhedor. 

Cabia a ele, homem, trabalhar com firmeza, boa vontade e paixão, para  sustentar a esposa e os que nascessem, fossem quantos fossem; ser fiel e respeitá-la; trazer para casa tudo o que ganhasse, controlar as despesas e pensar no futuro; mas tornando  a vida em comum tão agradável quanto possível.

E se realmente gostassem,  tinham que se aceitar mutuamente, do jeito que eram; com as diferenças de gostos e de opiniões, com suas preferências e suas antipatias.  

Aceitar-se, era um verbo bom, bonito, mesmo implicando em sacrifícios, em renúncias.

 

Agora, a parte mais importante e decisiva, que se refere não mais ao casal, mas à família propriamente,  ao grupo indivisível que se forma quando vêm os filhos.

 

Eu fui um menino de sorte – ou talvez naquela época esta fosse a regra: fiquei em casa, cercado pelo carinho e pela presença da minha mãe, até os seis anos. Poderia ter tido uma babá,  atenciosa e capaz, mas certamente não carinhosa como a minha mãe;  poderia ter tido uma professora, competente e preparada, mas não compreensiva como a minha mãe; poderia ter sido entregue a uma empregada doméstica eficiente e rápida, mas não tão presente e confiável como a minha mãe.

 

Ou poderia ter sido mandado para uma escolinha; teria aprendido a ler e escrever quatro anos mais cedo; teria sido iniciado em contas e desenho e geografia, antes de completar os seis anos; teria tido a chance de aprender logo a lidar com os outros,  de perceber que tem gente mais inteligente, pronta, viva, esperta que eu.

Teria talvez o gesto tolerante e paciente de uma mãe substituta, mas nunca  a mistura certa de carinho, de firmeza, de amor e de sabedoria, na quantidade correta que a minha natureza exigia.

.

Ela estava em casa, comigo, para mim; não sabia muita matemática, mas descobria sempre, de cara, quando o dono do empório tentava enganá-la.

Assim, ensinou-me equilíbrio, paciência e bom senso.

E isto valeu muito mais  que qualquer conhecimento, pela vida toda. 

Diga-me: quantas babás ou professoras poderiam transmitir-me estas noções, com a mesma intensidade, em uma classe de oito, ou até doze alunos?

 

Posso dizer que foi ela que me ensinou tudo o que eu sei; ela que fez de mim tudo o que sou; e se não sou mais, foi porque eu errei, e não ela.

Tudo o que aprendi depois, passou e foi avaliado através das noções simples que ela colocou dentro de mim.  O certo e o errado, o bom e o ruim.

 

Este produto, o Amor, não está a venda em lugar nenhum.

E faz uma falta danada.

Nenhum joguinho de computador, nenhum programa de televisão,  nenhum esporte jamais conseguirá substituir este sentimento básico, que deve ser instilado, gota a gota desde o primeiro dia de vida da criança, como leite materno.

Quem não teve o privilégio de recebê-lo ou não o teve em quantidade suficiente, procurará por ele ao longo de sua vida toda,  insatisfeito e, sem o saber, faminto.  

 

Ou talvez esta opinião seja apenas uma ilusão romântica de uma realidade pior,  coberta pela poeira do tempo,  vista com olhos cansados, que já não enxergam  bem.

 

 

 

 

 


Autor: Romano Dazzi


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