TEORIA DA CONSTITUIÇÃO E A NOVA HERMENÊUTICA



Constitucionalismo e sua evolução

O movimento constitucionalista surge para romper com o sentimento de insegurança reinante nas sociedades governadas por tiranos e absolutistas. A origem do constitucionalismo está intimamente ligada à necessidade humana de viver em sociedade organizada com regras e condutas predeterminadas em uma lei fundamental formada de limitações e garantias. "O ponto de partida para a consagração normativa desses valores é a constituição, conjunto de normas supremas e originárias do Estado do qual derivam todas as demais." (NOVELINO, 2007, p. 7).

"Constitucionalismo é a teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade" (CANOTILHO, 1998, p. 45). Ao estabelecer este conceito, Canotilho aponta duas fases do movimento constitucionalista. A primeira – constitucionalismo antigo – "é um conjunto de princípios escritos ou consuetudinários alicerçadores da existência de direitos estamentais perante o monarca e simultaneamente limitadores do seu poder". A segunda – constitucionalismo moderno – pretende opor-se à anterior, designando um "movimento político, social e cultural que, sobretudo a partir de meados do século XVIII, questiona nos planos político, filosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio político, sugerindo, ao mesmo tempo a invenção de uma nova forma de ordenação e fundamentação do poder político". Em síntese, seguido as lições do Mestre Português, constitucionalismo é a ciência que estuda a teoria política e científica da Constituição.

Dentre as diversas teorias que se ocuparam em estabelecer uma concepção de direito constitucional, algumas, como veremos a seguir, possuem um papel de destaque em sua maneira de ver o direito constitucional.

Analisando a constituição sobre o prisma da sociologia, a concepção sociológica, que tem como principal defensor Ferdinand Lassale, é analisada sobre o aspecto do poder de fato e não sobre o aspecto jurídico. Este autor estabelece uma distinção entre constituição escrita (documento muito conhecido na atualidade), e a constituição efetiva ou real (esta seria a soma dos fatores reais de poder que regem uma determinada nação). A relação existente entre o que Lassale chama de constituição e a constituição jurídica é a inscrição dos fatores reais do poder em uma "folha de papel", fazendo com que eles passem a adquirir uma expressão escrita(NOVELINO, 2007, p. 15-16). Em sua concepção, a constituição real ou efetiva sempre vai prevalecer sobre a escrita, pois, para ele, nem sempre o real é o que está escrito na constituição. Lassale afirma que uma constituição só é legitima se atender aos anseios sociais, ou seja, a constituição só terá efetividade a partir do momento que corresponder à sociedade. Uma constituição que não tiver essa característica é mera folha de papel.

De nada servirá o que se escrever numa folha de papel, se não se justifica pelos fatos reais e efetivos do poder. Os problemas constitucionais não são problemas de direito, mas do poder, a verdadeira constituição de um país somente tem por base os fatores reais e efetivos do poder que naquele país reagem, e as constituições escritas não têm valor nem são duráveis a não ser que exprimam fielmente os fatores do poder que imperam na realidade social (LASSALLE, 2001, p. 37).

De acordo com a concepção política – Carl Schmitt – a constituição encontra seu fundamento na decisão política que antecede (NOVELINO, 2007, p. 16), ou seja, a constituição decorre de uma decisão política fundamental. Schmitt faz uma distinção entre constituição e leis constitucionais, estas podem ser alteradas ou invalidadas, aquelas são intangíveis. A constituição na acepção positivista emana, segundo Schmitt, de um ato do poder constituinte (BONAVIDES, 2006, p. 175). Os direitos fundamentais, a organização entre os poderes e a estrutura, são decisões políticas fundamentais; Já as leis constitucionais são as demais normas, ou seja, normas formalmente constitucionais, mais que não emanam de uma decisão política fundamental. Essas normas estão na constituição, mas, poderiam estar em leis ordinárias ou em outras leis.

Baseada no formalismo, a concepção jurídica tem como principais defensores Hans Kelsen e Konrad Hesse. Para Kelsen a constituição é um conjunto de normas como as demais leis, e sendo uma lei não precisa buscar seu fundamento no plano sociológico ou político, mas, tão somente no plano jurídico. Afirma este autor que tanto o poder constituinte originário, quanto o poder constituinte derivado não conhecem juridicamente limites materiais, podendo a ordem jurídica soberana receber qualquer conteúdo, até mesmo a introdução da escravidão como instituto jurídico se acha inteiramente no âmbito da possibilidade de uma ordem jurídica (KELSEN, apud BONAVIDES, 2006, p. 174). Já Konrad Hesse, fundamenta sua tese na força normativa da constituição. Sua concepção é a antítese de Lassale, pois, este autor diz que a constituição deve submissão à realidade. Hesse defende que a constituição tem uma força normativa que muitas das vezes poderá modificar a realidade. A constituição poderá prevalecer sobre a realidade já que, ao afirmar que a constituição apenas descreve os fatos que acontecem na realidade ela não estará desempenhando seu papel de forma necessária, pois, a constituição tem seu papel no dever ser. A constituição tem uma força normativa capaz de modificar a realidade.

Desenvolvendo uma síntese das três teorias anteriores, a concepção culturalista surge afirmando que não se pode negar o poder da constituição em alterar os fatores sociais, que ela é um retrato da sociedade e que tem fundamento jurídico; ou seja, a constituição é dotada de um aspecto sociológico, jurídico e político. Por englobar estes três fatores é que a constituição é denominada de constituição total. A expressão culturalista aparece como fruto de uma determinada cultura e ao mesmo tempo condicionante desta mesma cultura (NOVELINO, 2007, P. 18), ou seja, quando a constituição é criada ela surge fruto da cultura de um povo num determinado período de tempo, mas com o tempo a constituição pode modificar a realidade.

Interpretação da Constituição

Interpretar uma norma jurídica é revelar o seu verdadeiro significado, ou seja, é procurar determinar o conteúdo exato das palavras, fazendo com que as normas possam incidir nos casos concretos.

Interpretar as normas constitucionais significa (como toda interpretação de normas jurídicas) compreender, investigar e mediatizar o conteúdo semântico dos enunciados lingüísticos que formam o texto constitucional. A interpretação jurídico-constitucional reconduz-se, pois, à atribuição de um significado a um ou vários símbolos lingüísticos escritos na constituição (CANOTILHO, 1998, p. 1080)

A doutrina entende que todas as normas jurídicas, inclusive as constitucionais, necessitam ser interpretadas ainda que seus significados sejam claros. Seguindo posicionamento contrário, Konrad Hesse afirma não caber interpretação das normas constitucionais quando estas não suscitarem dúvidas (HESSE, apud BARROSO, 2006, p. 106).

As formas de interpretação das normas constitucionais se reduzem basicamente a duas posições: os subjetivistas e os objetivistas. Para estes deve prevalecer na interpretação a vontade objetiva e autônoma da lei, busca o anseio da lei concorrentemente com o do legislador;enquanto aqueles buscavam no fundamento histórico conhecer a vontade do legislador para aí sim atribuir significado as normas.

A interpretação constitucional pode ser classificada, quanto à origem, da seguinte forma: interpretação autêntica (feita pelo próprio órgão do qual emanou o ato normativo); interpretação judiciária (procedente dos juízes e tribunais); e a interpretação doutrinária (derivada da doutrina). Questão bastante controversa é a da possibilidade de interpretação autêntica da constituição. O entendimento majoritário na doutrina é no sentido de que seja admitida a interpretação constitucional autêntica, desde que se faça pelo órgão competente para a reforma constitucional, devendo ser respeitado o mesmo procedimento desta.

Com o objetivo de alcançar o verdadeiro significado das normas constitucionais, normas estas dotadas de algumas peculiaridades, os doutrinadores, ao longo da história, desenvolverão alguns métodos de interpretação (divididos) trabalhados como métodos tradicionais e os modernos, dos quais destacam-se:

Os métodos tradicionais de interpretação constitucional ou hermenêutico clássico partem da identidade lei e Constituição, ou seja, a constituição é uma lei como as demais e como tal não precisa de método específico de interpretação devendo ser interpretada pelos mesmos métodos de interpretação tradicionais: gramatical, histórica, sistemática, e teleológica. Interpretação Gramatical é aquela que cuida de atribuir significados aos enunciados do texto constitucional; é interpretação direcionada, sobretudo para o significado literal das palavras, remetendo o intérprete a se prender ao teor da lei.A interpretação histórica consiste em revelar a vontade do legislador quando da edição da norma. A interpretação sistemática é fruto da idéia de unidade do ordenamento jurídico; o direito está na norma que convive harmonicamente com o todo. Por fim, a interpretação teleológica é aquela que busca revelar a finalidade da norma.

Nas lições de Paulo Bonavides, três são os métodos modernos de interpretação das normas constitucionais: lógico-sistemático, histórico-teleológico, e o método voluntarista da Teoria Pura do Direito (2006, p. 175). O método lógico-sistemático se preocupa em analisar as mudanças de significados por que passam as normas, partindo da idéia de norma como parte de um sistema. Já o método histórico-teleológico consiste em revelar a vontade do legislador quando da edição da norma, buscando chegar à finalidade pretendida. E por fim o método voluntarista da Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, em que este autor estabelece que todo ato jurídico no qual se aplique uma norma será em parte determinado ou regulado por esta norma, ficando a outra parte por determinasse ou definir-se. Segundo este autor a norma a ser aplicada sempre deixa varias possibilidades de aplicação; a interpretação é em essência um ato de decisão (um ato volitivo), e não um ato de cognição (um ato intelectivo), de sorte que na hermenêutica jurídica, quando se interpreta uma norma, o intérprete, ao eleger um de seus possíveis significados, guia-se mais pela vontade do que pela inteligência (KELSEN, apud BONAVIDES, 2006, p. 448-449).

Tendo como principal defensor Rudolf Smend, o método integrativo ou científico-espiritual, desenvolvido inteiramente distinto daquele de teor exegético, parte da premissa fundamental de que a constituição deve ser interpretada como um todo. A denominação científico-espiritual decorre da busca do espírito da Constituição, este espírito está nos valores que ela consagra, nos valores que inspiram sua criação (BONAVIDES, 2006, p. 478).

O método interpretativo de concretização ou hermenêutico-concretizador, inspirado nas obras de Viehweg e Lumann, desenvolve uma paralelo entre interpretação e concretização, afirmando que interpretação e aplicação constituem um processo unitário.Para o método não há diferença entre interpretar e aplicar, só permitindo aplicação da norma no caso concreto, ou seja, a idéia de aplicação associada ao caso concreto. Este método possui três elementos básicos: a norma a ser aplicada (nesse caso a norma tem que ser concretizada); compreensão do intérprete (precisa de uma compreensão prévia a ser analisada); e problema concreto a ser resolvido (este método parte da norma para a solução do problema, diferente do método da tópica problemática que parte do problema para a norma) (NOVELINO, 2007, p. 83).

Por fim o método tópico problemático (Viehweg) – Tópica vem de topos: esquema de pensamento, argumentos, lugares comuns; ou seja, são formas de pensar, são argumentos empregados em uma decisão extraídos da jurisprudência, da doutrina e das opiniões comuns. Problemático porque parte do problema, o problema vai ser o centro da discussão, vai haver uma discussão dentro do problema. Trata-se de uma técnica de chegar ao problema "onde ele se encontra", elegendo o critério ou os critérios recomendáveis a uma solução adequada. Esse método é anti-positivista, ou seja, a norma é insignificante, que não passa do simples argumento como os demais (NOVELINO, 2007, P. 82).

Para se chegar ao verdadeiro sentido das normas constitucionais é necessário a utilização de alguns princípios de interpretação constitucional.Os princípios, por serem um conjunto de normas que espelham a ideologia da constituição, desempenham um importante papel hermenêutico de interpretação e integração da constituição. Os principais princípios aplicáveis para entender e aplicar a normas constitucionais são:

a)Princípio da supremacia da constituição – caracterizando-se como norma de validade para os demais atos normativos, a constituição está situada no grau máximo da relação hierárquica do sistema. Em obediência a esse princípio, uma norma infraconstitucional não pode afrontar preceitos contidos na norma ápice, nem modificá-los ou suprimi-los. É importante observar que a idéia de controle de constitucionalidade está intimamente ligada à supremacia da constituição sobre todas as leis e normas jurídicas, além de estar ligada à defesa dos direitos fundamentais e à própria rigidez constitucional.

b)Princípio da presunção de constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público – se a constituição é norma suprema, presume-se que as leis extraídas dela são legais. Essa presunção, apesar de relativa, existe, já que a constituição estabelece os fundamentos de validade das demais normas do ordenamento jurídico. A aplicação deste princípio implica na declaração de constitucionalidade da lei que tenha suscitado dúvida quanto a sua validade, até que sejam declaradas inconstitucionais.

c)Método de interpretação conforme a constituição – essa interpretação é adotada quando a norma a ser interpretada puder ser interpretada de várias maneiras. Neste caso, havendo mais de uma interpretação possível, a norma deve ser interpretada conforme a constituição. Este tipo de interpretação (conforme a constituição) só é possível nas normas que contenha mais de um significado. A interpretação conforme a constituição comporta algumas características: clareza do texto legal – por mais clara que seja a norma ela precisa ser interpretada, a clareza não impede a interpretação. A diferença é que em uma lei clara o intérprete perde a discricionariedade, pois se uma lei é clara não vai haver dúvida quanto à interpretação, não podendo fazer uma interpretação conforme a constituição. Vontade da lei ou de legislador – se a lei é criada para tal finalidade e se essa finalidade for inconstitucional, não pode o juiz fazer uma interpretação conforme a constituição, ele deverá declarar que a norma é inconstitucional.

d)princípio da unidade da constituição – a constituição federal é fruto de idéias antagônicas, conflitantes. Quando uma constituição nasce é fácil perceber, no interior da mesma, a presença de princípios conflitantes. Caberá ao interprete conciliar esses princípios (esse direitos) através do principio da unidade da constituição. Esse princípio impede a anulação de normas constitucionais através da harmonização dos interesses consagrados na constituição. Não existe hierarquia entre normas da constituição, todas são elaboradas por um mesmo poder, por isso deve haver uma interpretação de forma a harmonizar as normas.

Nova Hermenêutica Constitucional

A idéia de nova hermenêutica constitucional está intimamente ligada à normatividade ou juridicidade dos princípios.

Neste tópico será apresentado apenas uma noção da idéia de princípio como norma jurídica e ponderação de interesses, bens valores e normas, vez que este tema será melhor abordado nos capítulos seguintes.

Os princípios atingiram seu auge normativo no momento em que passaram a fazer parte do texto constitucional. O pós-positivismo – terceira fase da normatividade dos princípios – se ocupou em estabelecer uma distinção entre princípios e regras, ambos espécies do gênero norma, abandonado a antiga distinção entre regras e normas.

Na busca por um método capaz de compreender e aplicar o direito nos casos mais complexos em que a subsunção se mostra insuficiente para tanto a doutrina desenvolveu uma técnica associada ao balanceamento de interesses, bens, valores ou normas, denominada técnica da ponderação.

O juízo de ponderação é uma técnica a ser aplicada para resolver os conflito entre princípios, cabendo ao interprete observar qual deles deve prevalecer no caso concreto.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 6 ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2006.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9 ed. São Paulo: Editora Malheiros. 1999.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2 ed. Coimbra: Editora Almedina. 1998.

LASSALLE, Ferdinand. A Essência da Constituição. 6 ed. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris. 2001.

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional para Concurso. Rio de Janeiro: Editora Forense. 2007.


Autor: Ricley Marcel Mota Santana


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