DESPEDIDA



Era uma tarde de sábado, 10 de outubro de 2009.

Eu lhe teria dado a última chance que agora me pede via mensagens de celular às quais não respondo, mas era a gota que parecia faltar. Não chegou a transbordar o oceano, é verdade, mas pareceu-me aquela gota, e pronto; preferi não esperar a inundação.

Aborreci-me com o seu semblante de pedra, com a sua incapacidade de formular um pedido de perdão que me convencesse, com a sua cara de medo do que lhe parecia óbvio, mas fiz questão de adotar o alto estilo, antes, porém, lhe enfatizei se não a culpa, mas a responsabilidade por minha decisão.

Com a bastante clareza que me é peculiar, aleguei a sua mentira sequencial, o seu desleixo (dito inconsciente) para conosco diante do tempo que dediquei a nós, adiando tarefas na Academia, distribuindo até disformemente o tempo de atenção à minha família e dispensando o encontro com pessoas outras até fisicamente bem mais interessantes, por entender que em nós havia o bastante para suprir esse aspecto.

Sei-lhe as fragilidades, motivos e razões, mas fui forte o suficiente para expor-lhe as reincidências que já vinham afetando o conjunto de nossa convivência. Há limites, inclusive para a mentira e a tolerância.

O tempo, de fato, parecia-nos outro: foram eternos cinco meses, com acontecimentos exclusivos na vida de cada um. E hoje, embora me fosse por demais incômodo, coube a mim acionar uma das teclas que sempre pareceram causar lhe causarem pânico: Pause ou Stop!?

Havíamos combinado que aqueles anéis tão significativos (o meu estava em sua mão, o seu esteve na minha) só seriam destrocados quando decidíssemos por mudar nosso caminho. Cabisbaixo, os seus olhos nem puderam testemunhar que discretamente eu havia liberado o dedo que indicava a sua presença em mim; e vi lhe infinita tristeza ao recebê-lo de volta, e atender ao meu intranqüilo, porém sereno pedido de que pusesse o meu em minhas mãos, cumprindo o trato.

Eu não estava com raiva; estava triste. Fiz questão de lembrar-lhe este detalhe. Até falei admitir que um dia, quem sabe, os anéis pudessem ser retrocados em circunstâncias que viessem a ser novas de fato. O seu voltou imediatamente à mão; o meu foi para o bolso: tem um significado exclusivo, e penso que não será bom ter sempre à mão essa lembrança.

Estávamos em local público e movimentado o bastante para impossibilitar o beijo ou o abraço mais forte que pudesse atrapalhar o que estava feito. Nem nos tocamos; sequer apertamos as mãos.

Com o mesmo silêncio atordoante, ainda entrou no carro, mesmo sabendo que eu me dirigia para casa, e quando respondeu que ficaria em qualquer lugar, deixei-lhe em uma esquina qualquer e segui meu rumo.

O celular agora registra desesperados apelos do outro lado: uma história de que não consegue ficar sem mim, que não vai agüentar me perder; e uma pergunta clássica: o que poderia fazer para que eu lhe perdoasse? Infelizmente, não sei a resposta, por isso mantinha o meu silêncio.

No fim de outra tarde, depois de três chopes solitários, no exato lugar em que nos conhecemos, lá me vem aquele sorriso meio disfarçado de ingenuidade e arrependimento (depois de cinco chopes com o papai). Antes fosse uma alucinação, mas não era. A não resistência à carência, à vontade e à carne levou-nos à reconstituir o que eu pensava não fazer tão cedo: um reencontro à quatro paredes.

Ao final, do outro lado, poderia significar um recomeço, mas do meu lado, prevaleceram as regras estabelecidas no final da partida anterior. Não sei se haverá outro campeonato, se seremos os mesmos jogadores, se o campo será o mesmo, se as posições serão mantidas... a única coisa que sei é que, por enquanto, não estou disposto a novas prorrogações, mesmo que a torcida queira, espere e por isso chore .


Autor: JOSE ALDYR GONCALVES


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