E Se Eu Não Tivesse Os Dois Braços?



Tem dia que é diferente de todos os outros que já vivemos. Hoje, parece-me, tive um desses dias que não se igualam aos já vencidos.

Fui ver televisão, o que há séculos não fazia. Na TV eu só gosto mesmo é de algumas notícias, certos documentários, poucos filmes, algum programa de calouros (mais pelos calouros) e, pra variar, algum programa educativo que possa me ajudar a compreender o universo da minha profissão. E hoje, em vez do jogo do Brasil, fui logo procurando notícias.

Vi duas histórias de vida. A primeira contava o caso de um rapaz que havia perdido os braços ao ser vitimado pela explosão de um tanto de pólvora quando tentava fazer uma bomba. Ele passou muitos anos sem saber o que era o tato pela mão, mas agora se vê feliz porque pode usar uma prótese que lhe garante movimentos muito parecidos com os de uma mão normal. Eu que sempre tive mãos não sabia que os movimentos dela são tão complexos.

A segunda história conta a vida de uma moça, linda por sinal, o que a levou a trabalhar como modelo. Ela também não tem os braços. Mas o caso dela é mais grave que o primeiro aí em cima porque a poliomielite, salvo engano, fez com que as pernas dela tivessem de ser amputadas. Essa moça está usando próteses. Aquelas feitas para as pernas já estão sob seu domínio. Adapta-se, no entanto, às que foram feitas para seus braços e mãos.

A imagem que ficou em minha memória foi a do sorriso de ambos pelo fato de estarem superando seus limites e aumentando sua autonomia e independência no meio em que vivem. Inevitável foi a minha reflexão: “Pô, sou inteiro... porque tem horas que o desânimo parece grande e me abate?”

Algumas horas se passaram. Vi outras coisas de menor significado na TV e me dirigi ao computador. Liguei a máquina para ver se algo na minha caixa de e-mail exigia alguma providência imediata. Nada. Domingo, o que tinha de vir, veio durante o dia. Porém, olhei mais abaixo e vi uma mensagem marcada como não lida, lá no dia 16 de novembro, sexta-feira. “Caramba, indaguei, e se fosse algo que exigisse uma decisão urgente? Esse pessoal de Brasília manda tudo em cima da hora... já imaginou?!”

Enquanto pensava nessas coisas, cliquei na “nova” mensagem, por ter vindo de uma colega de trabalho, e esperei que ela abrisse. Mensagens nas quais não identifico o remetente, jogo direto na lixeira. Mas essa até tinha uma entradinha, que dizia: “Olá! O anexo é muito emocionante. Temos muito a agradecer... Olha que lição de vida! Bom fim de semana!.”

Vídeo relativamente pesado para os padrões da minha internet, demorou um pouco a abrir. Enquanto acontecia a transferência, fui à cozinha, peguei qualquer coisa para beliscar e voltei ao computador. Estava começando a rodar a “mensagem”.

Sentei na cadeira e fiquei tentando entender. A “lição de vida” referida na introdução à mensagem conta o caso de uma mulher, não brasileira, que, sem os dois braços, cuida do filho, troca fralda com uma agilidade semelhante às pessoas que têm mãos, faz compra, se vira no trânsito, vai ao supermercado e cuida das roupas com uma acuidade motora impressionante.

Era a terceira história que se repetia para mim em um curto espaço de tempo. Começaram meus porquês: “Eu tinha de ver esses casos hoje?”; “Porque histórias de pessoas com limitações que estão se superando?”; “Porque essa última história, enviada dois dias atrás, ficou enganchada pelos espaços virtuais para cair agora à noite em minha caixa?” “Vai saber!...”,  fingi não estar impressionado.

A verdade é que essas histórias de hoje me deixaram uma mensagem: como a dor é de quem tem, só mesmo cada um para saber o peso da sua. Contudo, não há dor que possa dobrar a vontade de vencer-se a si mesmo, o desejo de superar-se quando certas limitações “estão” em nós e, aparentemente, podem nos incapacitar para isso e aquilo. Somos seres de inteligência simbólica, essa com a qual cada um pode fazer de si o melhor de que for capaz.

Em vez de pessimismo, acreditar nas próprias potencialidades. Em lugar do derrotismo, compreender que não há acerto que não implique fracassos em seu percurso. No lugar do fatalismo, o pensar, o julgar e o agir na direção daquilo que nos realiza.

Penso que era essa mensagem de enfrentamento e reinvenção contínua da vida o conteúdo que as três histórias quiseram me passar. Porque não posso mais me esquecer delas, este foi um dia diferente de todos os outros que já vivi.
Autor: Wilson Correia


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