FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO E DIREITO



PALAVRAS-CHAVE: Filosofia da libertação; História latino-americana; Eurocentrismo; Dignidade da Pessoa humana.

INTRODUÇÃO:

O trabalho ora estudado visa estabelecer os contornos gerais da proposta filosófica da libertação de Enrique Dussel e relacioná-los com o princípio da dignidade humana.

O ponto crucial dessa pesquisa é trazer o pensamento de Enrique Dussel, no que tange a Filosofia da Libertação. Para ele, essa filosofia mostra a necessidade de uma superação, ou seja, de uma nova ordem de superação, onde tornara possível a inclusão de todos, tentando romper com o eurocentrismo, criando, portanto uma nova realidade.

E de acordo com Dussel, o processo de libertação da filosofia “está no reconhecimento da racionalidade discursiva de outras comunidades filosóficas, desde realidades distintas, situadas para além da realidade das comunidades filosóficas hegemônicas”.

E é através desse reconhecimento que se visa numa necessidade de uma nova superação, ou seja, de uma nova situação, onde se possa incluir uma classe de pessoas submissas, acabando de vez com o modelo ora conhecido, qual seja o eurocêntrico, criando, portanto uma nova realidade.

Por isso e pelo o que vai se expor no decorrer dessa pesquisa, é que se faz necessário uma analise no que tange o princípio da dignidade da pessoa humana. Pois para Dussel, somente com dignidade e inclusão é que se pode falar em uma distribuição da Justiça.

1 BREVES PALAVRAS ACERCA DA FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO

Com as conquistas coloniais, cada vez mais o continente europeu passou a ocupar lugar central no cenário mundial. É como se o “mundo europeu” fosse um legítimo “construtor de periferias”, tomando a América Latina como sua primeira grande experiência de dominação sobre povos e terras até então desconhecidos. Tal dominação não se restringiu apenas a economia e a política, abarcou também o campo das idéias e dos valores, reforçando os conceitos de “progresso”, “desenvolvimento” e “civilização” a serviço do contínuo enriquecimento burguês.

Deste modo, o processo de colonização da América Latina estava intimamente ligado à consolidação das monarquias nacionais absolutas. O enriquecimento das metrópoles e de suas respectivas burguesias se fazia graças à violenta exploração das colônias. Por óbvio, as conseqüências deste processo de colonização foram distintas para a Europa e para a América. A primeira acelerou o processo de acumulação de capitais nas mãos de suas respectivas burguesias, o que proporcionou a alguns países como Inglaterra e França a passagem para a etapa industrial capitalista, a partir do século XVIII.

As colônias, salvo os Estados Unidos e o Canadá, tiveram seu desenvolvimento histórico marcado pela herança do pacto colonial. Isto significa uma profunda desigualdade na distribuição de riquezas, opondo um pequeno grupo de ricos privilegiados a uma massa de trabalhadores explorados e condenados à miséria.

Enrique Dussel entende que o Eurocentrismo é uma visão histórica do mundo que transforma o “ser” do “outro” em um ser de “si mesmo”. Em outras palavras, de acordo com esta visão ao se fazer à apologia da modernidade, entende-se que todos os “avanços” que ela representa significam um natural desenvolvimento do ser europeu, sem levar em consideração a América Latina, seu povo e sua cultura. Portanto, incorre-se na falácia desenvolvimentista.

A falácia desenvolvimentista, a qual se refere o parágrafo anterior, nada mais é do que a crença de que o desenvolvimento empreendido pela Europa deverá ser unilateralmente seguido. Acaba-se por absorver uma concepção mundial de desenvolvimento baseado em padrões europeus, segundo a qual cabe a colônia copiar e “respeitar” o ser europeu.

Vale ressaltar a lição do Professor Antônio Carlos Wolkmer acerca do eurocentrismo na visão de Enrique Dussel:

A grande crítica que Dussel faz com relação à concepção da Modernidade não está em negar aquilo que ele chama de “núcleo libertário” ou “razão emancipatória”, mas em desmascarar a existência de uma ou outra face deste processo de modernização, relacionada com o exercício em larga escala de uma violência irracional nas colônias, não apenas física, mas cultural, que simplesmente nega a identidade do “outro”, seja através de uma postura assimilacionista, seja através da simples exclusão e eliminação. Tudo isso está simbolizado no “mito sacrifical”, isto é toda violência derramada na América Latina era, na verdade, um “benefício” ou, antes, um “sacrifício necessário”. E diante disso, os índios, negros ou mestiços eram duplamente culpados por “serem inferiores” e por recusarem o “modo civilizado de vida” ou a “salvação”, enquanto os europeus eram “inocentes”, pois tudo que fizeram foi para atingir o melhor.

Diante do exposto, vê-se que a proposta da filosofia da libertação, trazida à baila por Enrique Dussel, indica a necessidade de superação da ordem posta para a instituição de uma nova situação onde seja possível a inclusão de todos, rompendo, portanto, como modelo tido como eurocêntrico e criando uma nova realidade.

O viés utilizado por Dussel é o de que todo o conhecimento e sistema implantado, que nós, ‘representantes dos países do sul’, repetimos, nada mais é do que a visão e o estabelecimento de um sistema imposto, pelos estudiosos dos países pertencentes ao norte (o continente Europeu e os Estados Unidos), tornando-nos meros repetidores dos conceitos e pensamentos próprios de quem não vive a realidade do alter, consubstanciada na nossa realidade, de pobres, latino-americanos, subdesenvolvidos.

2 DIREITO E DIGNIDADE HUMANA PARA A JUSTIÇA

A dignidade da pessoa humana é o principio que serve a todo arcabouço constitucional e a partir dele emanam diversos outros princípios. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa e que manifesta de forma pessoal na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão de respeito por parte das outras pessoas.

Neste passo, é mister questionar-se acerca da efetividade do sistema jurídico vigente, seria um meio de inclusão ou de exclusão social? Até que ponto seria direito capaz de estabelecer critérios de justiça a partir da ótica trazida pela filosofia da libertação?

Em nível brasileiro, é idéia acalentada a existência de uma instância independente, dotada de imparcialidade e poder que atenda e garanta de forma efetiva amparo aos cidadãos que tem qualquer de seus direitos desrespeitados. Com base neste pensamento, que parece consensual, criou-se, sobretudo na década de oitenta, a idéia de um necessário aperfeiçoamento do Poder Judiciário. A partir desta idéia comum, buscou-se diagnosticar os motivos que obstaculizavam o poder judiciário, tornado-o tão inacessível para a maior parte do povo brasileiro. Surgiram duas vertentes que apontavam, cada qual a seu modo, em que ponto residia o problema e de que forma este poderia ser solucionado. De um lado, interpretaram que o entrave entre Estado, possuidor do jus puniendi, e sociedade residia em uma crise conjuntural, que poderia ser resolvida com simples transformações operacionais no aparelho judicial. Assim, a morosidade, congestionamento e as altas custas processuais, por exemplo, nada mais seriam que sintomas de funcionamento de um aparelho judicial já ultrapassado. A solução residiria em aumentar o número de varas judiciais, informatizar a justiça e reduzir as taxas judiciárias.

Entretanto, analisando por outro viés, simplesmente não haveria crise alguma no Poder Judiciário, isso porque reconhecer que há uma crise significaria aceitar que, em algum momento, o aparelho judicial do nosso país funcionou, que de fato em algum momento constituiu-se um verdadeiro locus de resolução de conflitos disponível a toda sociedade. Ora, sabe-se que ao contrário, o ordenamento jurídico sempre reproduziu práticas judiciais burocráticas e patrimonialistas e sempre impediu historicamente que a população canalizasse suas demandas para o Poder Judiciário.

A ordem jurídica posta em nosso país, verdadeiro representante latino, está sofrendo um verdadeiro desgaste e forte descrença, o que inviabiliza a consecução dos princípios basilares estabelecidos, especialmente o princípio da dignidade da pessoa.

É de suma relevância atentar para o fato de que a dignidade ora tratada refere-se a uma totalidade e não a um sentido compartimentado. Em outras palavras, entender que dignidade significa o mínimo de condições de vida, de satisfação, de direitos esta-se realizando uma abstração de cunho individualista. A libertação da América Latina proposta por Dussel é mais ampla, porém também não se encontra livre da própria condição pessoal de latino-americano de seu autor.

A imposição da totalidade é a negação do outro, a respeito do que seria o ideal para Dussel, este afirmou:

Quem é bom? Qual é o homem perfeito? Ou seja, o homem perfeito, plenamente realizado em seu poder-ser, é a medida que mede todo o projeto humano ontológico. O homem perfeito será aquele que por sua bondade, sua plenitude antropológica, pode abrir-se ao outro gratuitamente como outro, não por motivos fundados em seu próprio projeto de Totalidade, mas por um amor que ama primeiro alternativamente: o amor-de-justiça.

Sendo assim, a filosofia da libertação pretende uma justiça que leve em consideração o outro e não apenas o outro, sua condição de oprimido, de ser fora do sistema. Para que tal consideração se efetive há necessidade de que o ocupante da periferia seja levado a romper com aquela ordem de totalidade, para que assim se estabeleça a libertação. A libertação aqui mencionada é fundamental para a efetivação da justiça e ocorrerá mais frequentemente dentre aqueles que conhecerem e reconhecerem a amplitude da dignidade humana.

CONCLUSÃO

Ante o exposto, vê-se que a filosofia da libertação parece querer despertar a consciência de todos, sobretudo do povo americano, de suas verdadeiras raízes e dos quão impróprios são os padrões comportamentais adotados, uma vez que foi idealizada para a realidade européia.

Somente a partir desta tomada de consciência é que se poderá efetivamente garantir a justiça, isso porque sua corrente ideológica será diversa. Deixará de ser um direito das minorias e passará a abarcar a realidade coletiva.

Portanto, e diante de tudo já exposto é que Dussel busca através dessa libertação de dependência uma libertação da própria filosofia. Onde através da libertação ora analisada, o sujeito que produz filosofia e seus discursos produzidos serão libertados, proporcionando a libertação do etnocentrismo filosófico europeu.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANGELUCI, Cleber Affonso. Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/061/61angeluci.htm. Acesso em: out. 2008;

DUSSEL, Enrique. Filosofia da Libertação: crítica à ideologia da exclusão. Trad. Georges I. Massiat. São Paulo: Paulus, 1995;

JUNQUEIRA, Eliane Botelho. A Sociologia do Direito no Brasil. Rio de Janeiro, Lumen Júris;

LUDWIG, Celso Luiz. Disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/direito/article/viewfile/9414/6506/. Acesso em: Nov. 2008;

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2006;

SOUZA LIMA, Antônio Pedro Lizânias de. História da civilização ocidental. 2.ed. São Paulo: FTD, 2005;

WOLKMER, Antônio Carlos. Fundamentos de História do Direito. 3º. Ed.rev.ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2005;

VICENTINO, Cláudio. História Geral. Ed. atual e ampl. São Paulo: Scipione, 2002.
Autor: nathalia santos


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