Concessão De Serviço Público: Estratégia De Qualidade E Investimento



Como bem define Marçal Justen Filho, em seu livro "Curso de Direito Administrativo", "a concessão de serviço público é um contrato plurilateral de natureza organizacional e associativa, por meio do qual a prestação de um serviço público é temporariamente delegada pelo Estado a um sujeito privado que assume seu desempenho diretamente em face dos usuários, mas sob controle estatal e da sociedade civil, mediante remuneração extraída do empreendimento, ainda que custeada parcialmente por recursos públicos".

Apenas com este breve esclarecimento é fácil notar o quão absurdas foram as discussões que se formaram sobre as concessões dos trechos das rodovias federais recentemente licitados.

Em entrevista concedida ao Jornal "Gazeta do Povo", o Governador do Estado, Roberto Requião afirmou: "O governo do Paraná quer demonstrar que é possível a administração pública manter a gestão dos bens públicos, voltada inteiramente ao interesse público e com fulcro nos princípios constitucionais da legalidade e da eficiência", e disse ainda: "Se forem fazer pedágio no Paraná nas estradas federais, o estado participa dessa licitação para mostrar quanto pode custar a manutenção de uma estrada".

Pois bem, não há dúvidas quanto ao conceito de licitação quando se diz que a prestação do serviço público será delegada pelo Estado a um sujeito privado. Desde logo percebe-se a incoerência do comentário do governador, que pretendia fazer com que o Estado, ente da Administração Pública Direta, regida por ordenamento jurídico de direito público, ou seja, não é sujeito de direito privado, participasse do leilão das concessões de rodovias.

Como afirma Kal Machado: "Obras financiadas pelo poder público resultam mais onerosas por ineficiência nesse sentido, já que as construtoras não são motivadas ao exercício de engenharia para buscar otimização de procedimentos e redução de custos", o que nos leva a concluir que o poder público não se concentra no compromisso entre qualidades e custos, ao contrário do ente privado.

Em um artigo publicado pela Folha de São Paulo, em 19.05.2000, "Uma nova regra para os pedágios", Luís Nassif explica bem a idéia da concessão de serviço público, ao dizer que "para conferir segurança a contratos de logo prazo, os governos concedem garantias mínimas aos concessionários, por outro lado, se a rentabilidade da concessão for muito acima do esperado, o concessionário embolsa os lucros adicionais". A concessão que se discute é um bom exemplo para demonstrar o quão alto seria o investimento, pois estimou-se investir R$ 9,6 bilhões com retorno somente em 14 anos.

Deve-se atentar, também, à função primeira do poder público, pois este atua no sentido de resguardar o usuário, evitando que venha a ser prejudicado ao assumir o ônus decorrente de possíveis implementos que possam ocorrer no projeto proposto pela empresa ao disputar a concessão, portanto, qualquer aumento abusivo e com potencial puramente lucrativo que o ente privado possa fazer, poderia ser contido pelo poder público, pois este tem o poder de fiscalizar e aprovar as contas orçamentárias expedidas por aquele. Em outras palavras, o usuário não sofre abusos se o poder público exerce com seriedade sua função, protegendo aquele que lhe foi incumbido proteger: a sociedade.

 

Necessidade de mão-de-obra especializada.

 

Como se não bastasse, também há a questão da necessidade da mão-de-obra especializada, devido ao risco e importância das obras concessionadas. A COPEL sofreu algumas críticas quanto a participação dos leilões para as concessões de rodovias federais, devido a sua especialidade que é em energia. No manifesto, os presidentes da Associação dos Profissionais da Copel, Alceu Pinto de Almeida Filho, da Associação Copel, Luiz César Annes, da Associação Copel Curitiba, José Assis Neto, e o vice-presidente da Associação dos Amigos Copelianos (Somos), Pedro Macente, declararam-se contrários à proposta do Estado de fazer com que a Copel invista e faça gestão em estradas pedagiadas, pois o Estado, como não pode participar da licitação, o faria através da Copel. "Deve a Copel priorizar parcos recursos para o investimento elevado exigido na manutenção e ampliação da geração, transmissão, distribuição, pesquisa, novas fontes de energia, para poder contribuir para o desenvolvimento sustentado do Paraná. Sua vocação e finalidade, desde os primórdios, num sentido latu, são para a área de energia".
Outra empresa, nesta mesma linha, a Odebrecht e a C.G. Engenharia, responsavelmente, afirmou que não estava em negociação para este tipo de serviço exatamente por causa deste impasse: "Nossa empresa trabalha com saneamento básico, gasoduto e construção civil. Construção de rodovias não é o nosso foco e não estamos vocacionados para esse tipo de negócio. Até gostaríamos de ter essa oportunidade, mas não temos esse pedigree", disse Maurício Xavier, sócio da C.G. Engenharia.

José Theophilo Fleury, relata no livro "Licitações e contratos Administrativos: temas atuais e controvertidos", a necessidade de qualificação técnica-operacional das empresas licitantes ao dizer que a realização de determinadas obras vem exigindo uma técnica mais avançada e moderna, e para que haja a segurança mínima exigida na obra, a empresa deve oferecer mão-de-obra capacitada para tanto, além de uma estrutura adequada para a realização desses serviços. Conclui dizendo que as empresas que realizam obras que requerem complexidade técnico operacional muito grande conquistam essa habilidade em progressão geométrica, que não pode ser conquistada pela somatória de trabalhos de pequeno porte, ou trabalhos equiparados em diversas áreas, pois não são capazes de conferir a mesma aptidão.

 

Conclusão

 

Alfredo Nascimento, ministro de transporte, acabou englobando todas as críticas elencadas neste texto ao defender as principais vantagens da concessão de rodovias: "as principais vantagens na concessão de estradas para a iniciativa privada são a qualidade dos serviços e a possibilidade de investir em outros projetos rodoviários. A partir do momento que o governo deixa de fazer investimentos em rodovias, que são economicamente viáveis, e são, portanto, possíveis de serem exploradas pela iniciativa privada, sobra dinheiro para que se faça investimentos naquelas rodovias que não têm viabilidade econômica e que têm a função de integração e de desenvolvimento do país".

Complementando esta mesma idéia cabe citar aqui a crítica de Élio Rusch (DEM) ao governador, que demonstra que a preocupação do governo do Estado deve se centralizar no investimento em áreas prioritárias. "Se o governo tem dinheiro em caixa, que invista na Saúde acabando com as filas, devolva a tranqüilidade da população com mais Segurança Pública e atenda as reivindicações dos profissionais de Educação".

Talvez o grande choque de interesses que gira em torno desta matéria seja devido aos 61 anos que se levaram para construir um embasamento jurídico para o assunto, pois o artigo constitucional que dispõe sobre as concessões (art. 175, CF) só foi regulamentado em 1995, pela lei nº. 8.987, a primeira vez que rediscutiu-se o assunto desde 1934.

É claro que há necessidade de ajuste nas concessões brasileiras, quanto a isso não há dúvidas, tanto para os entes privados quanto para o governo, ajustes estes que diminuam a expectativa errônea que se espera das concessões, e que harmonizem a relação de parceria que deve haver entre o setor público e privado.

Deve-se ter em mente, no entanto, que o conceito de gratuidade não pode ser aplicado no caso das rodovias, pois se o dinheiro não advir do investimento privado, arrecadado através dos pedágios, os recursos serão extraídos do orçamento público, portanto ao invés do usuário pagar diretamente pelo uso da rodovia, pagará indiretamente através dos tributos, e além do mais, a demanda de tráfego vem crescendo de forma tamanha que é incapaz arrecadar-se tal capital através de imposto embutido sobre o combustível.

Um remédio para diminuir a revolta dos consumidores seria ampliar a comunicação dos consórcios à sociedade de forma que se faça entender porque e aonde aplicam-se tanto dinheiro nas rodovias.

Pelo o que se expôs, não há que se falar em bi-tributação, ou ferimento ao direito de ir e vir do usuário, sendo este um direito consagrado do cidadão e não do usuário.

Imprescindível, também, levar em conta que as concessões contribuem à melhoria de qualidade de vida dos municípios vizinhos aos lotes, sendo que existem algumas concessionárias que já investem em programas gratuitos de saúde aos usuários.

Quando se discute a polêmica dos pedágios o que se destaca é a desinformação conveniente, pois enquanto a oposição abusa do direito de distorcer os fatos ao sabor de seus interesses políticos, o governo alcança a mais profunda ingenuidade, ao tentar convencer a sociedade que reina de forma absoluta o discurso da justiça social.

 

REFERÊNCIAS

 

MACHADO, Kal. Concessão de Rodovias: Mitos e Realidades. Ed. Prêmio. São Paulo, SP. 2002.

WAMBIER, Tereza Arruda Alvim, VERRI JR., Armando, TAVOLARO, Luiz Antonio. Licitações e contratos administrativos: Temas atuais e controvertidos. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1999.

Requião quer que o governo participe das licitações para novos pedágios. Gazeta do Povo, Curitiba, 14 set. 2007.

Funcionários da Copel dizem não ao projeto do pedágio. Gazeta do Povo, Curitiba, 24 set. 2007.

Leilão para novos pedágio em rodovias serão em outubro. Gazeta do Povo, Curitiba, 07 mai. 2007.


Autor: Mariana Kotzias


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