História e Cultura Amazônica



HISTÓRIA E CULTURA AMAZÔNICA



Djalmira de Sá Almeida*
Rafaelli dos Santos Ribeiro**


RESUMO

O presenta artigo tem o intuito de destacar elementos que permeiam o universo histórico, cultural, social, político e econômico da região amazônica, ainda pouco conhecida pela população brasileira, em sua maioria, além da problematização acerca da Amazônia Legal e as dificuldades enfrentadas pelo governo federal, para proteger a soberania de uma área cobiçada por outros países, que têm o desejo de explorar os recursos naturais do bioma diversificado existente na floresta. Aliado a esse fator, temos as dificuldades enfrentadas pela população local, que procura sobreviver em meio aos obstáculos impostos pela falta de assistência básica do governo federal. Desta maneira, o tema abordado chamará a atenção para fatores recorrentes a realidade geográfica em foco.

Palavras-chave: Amazônia Legal, Cultura, Regionalidade, Problematização.


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* Doutora em Linguística e Filologia de Língua Portuguesa, pela UNESP- Orientadora
**Graduanda em Licenciatura Plena em História, pela Faculdade de Itaituba – FAI, Pará



1 INTRODUÇÃO

A estruturação do trabalho é feita sobre a análise dos fatos ocorridos frequentemente na região Amazônica e ignorados pela população do restante do Brasil. Constata-se a inércia do governo federal que não promove políticas públicas de desenvolvimento sustentável para área em questão. Serão discutidas em três partes, as conjunturas históricas, sócio-culturais e políticas que contribuíram para desenhar o quadro instaurado hoje na região.
Entretanto faz-se necessário salientar a precariedade historiográfica no que se refere aos estudos sobre a ocupação da região em que as pesquisas desenvolvidas sofrem com a carência de fontes sólidas, não somente do ponto de vista histórico, mas também cultural e político.
Para que a escassez bibliográfica não prejudicasse o presente trabalho, fez-se uso, em sua maioria, de artigos científicos publicados por especialistas e leituras complementares de autores renomados como João de Jesus Paes Loureiro, João Meireles Filho, Bernadete Castro Oliveira e Benedito Monteiro.

2 A conjuntura histórica: o princípio

Partindo-se do pressuposto histórico da ocupação territorial amazônica é importante ressaltar os anseios coloniais e a influência geográfica que determinaram o interesse das duas maiores potências da época colonial, Portugal e Espanha, sobre o território.
Em Gadelha(2002) é possível notar o determinismo geográfico no evento da ocupação. Para a autora, a coroa portuguesa beneficiou-se de uma bacia hidrográfica extremamente vasta, com rios caudalosos e de fácil navegação. Por outro lado, a Espanha herdou a cadeia montanhosa andina e também a prata do Potosi, embora a região dominada pelos espanhóis fosse um pouco mais inóspita que a portuguesa, os mesmo não manifestaram insatisfação, por motivos óbvios.
Ainda segundo Gadelha(2002), a ocupação da região representava o interesse efetivo em firmar o domínio sobre o território e o descobrimento de um caminho alternativo para chegar as Índias, por isso, houve certa dificuldade em firmar o Tratado de Tordesilhas, que dividiria o Brasil em dois blocos de domínio.
No entanto, a efetiva expansão territorial aconteceu graças aos bandeirantes, que desde a segunda metade do século XVII partiram de vários pontos do litoral brasileiro, sendo os bandeirantes paulistas os primeiros, porém a atividade bandeirante aplicada aos caminhos que ligam o Paraíba ao Vale do São Francisco até o Piauí e o Maranhão, já haviam sido abertos pelos sertanistas baianos e pernambucanos. Da familiaridade entre as atividades exercidas por baianos, paulistas e pernambucanos surgiu um “(...)amálgama daqueles mamelucos que desbravaram os sertões do Maranhão, as águas e as florestas do Grão-Pará, ou seja, a Amazônia.” (GADELHA, 2002). Foram eles os responsáveis pela penetração dos luso-brasileiros na região do Grão-Pará, chegando a Belém e impedindo o avanço francês iniciado pela Guiana.
O colonizador português soube beneficiar-se do desejo explorador dos bandeirantes mestiços, que segundo Gadelha(2002) “(...) constituíram a raiz das linhagens familiares do Brasil” (GADELHA, 2002). A proximidade com povos indígenas como os tupi, jê, aruak, transformou-os em cunhados, aliados, servos e soldados determinantes para a conquista e defesa do território. “(...) essa´conquista` foi sobretudo resultado da intensa mestiçagem que integrou os portugueses no Brasil, transformando-os em ´mamelucos` e em mestiços.” (GADELHA, 2002), facilitando a adaptação do português ao território hostil.
Contudo, o território ainda seria ameaçado pela cobiça francesa, que contava com o apoio dos tupinambás, o governo português com o objetivo de frear esse avanço nomeou Alexandre Moura comandante da conquista e concedeu o título de capitão-mor do Maranhão a Jerônimo de Albuquerque e a Francisco Caldeira de Castelo Branco o de capitão-mor do Grão-Pará com a responsabilidade de efetivar a conquista portuguesa na região.
Mesmo após a legitimação da conquista pelos portugueses, foi difícil para eles manterem-se na região, uma vez que sua adaptação não ocorreu por completo, ficando a cargo dos sertanistas a fixação no território amazônico, sendo essa presença(sertanista) legitimada pelo Tratado de Madri, no século XVIII (no ano de 1750). Em virtude de sua presença, tornou-se natural o desenvolvimento da cultura cabocla e sua posterior transmissão para os descendentes, sendo ,por conseguinte, marcada por um conjunto de manifestações culturais.

3 Manifestações culturais.

As principais manifestações culturais da região amazônica têm suas raízes na tradição indígena dos primeiros povos que ocuparam essa porção do país, sendo anteriores a chegada do europeu. Pesquisas foram realizadas com o intuito de analisar o povoamento regional, porém duas dificuldades se fizeram marcantes durante o processo de busca por registros das ocupações. Primeiro, porque as tribos, em sua maioria migravam com frequência em virtude das questões climáticas; segundo, por causa da cobertura vegetal muito densa que dificultou a localização de vestígios da ocupação de tribos indígenas.
Entretanto, não se pode esquecer a influência cultural exercida pelos colonizadores sobre os povos nativos, que acabou gerando uma manifestação cultural composta de elementos pertencentes ao povo indígena e europeu, ou seja, uma terceira vertente amalgamada, que produziu a cultura do povo da floresta, herdeiros da miscigenação ocorrida entre os nativos, os europeus e os sertanistas. A cultura da floresta tem no extrativismo a principal atividade sócio cultural, dando ao povo indígena e ao caboclo, destaque no cenário nacional por conta dessa particularidade. Afinal, as outras regiões do país privilegiam a propriedade privada.
Os habitantes da floresta utilizam-se da natureza para suprir suas
necessidades de subsistência, retirando da mesma(a natureza) palha para artesanato, barro para cerâmica, folhas e raízes para sua alimentação, essa singularidade desperta o interesse do europeu durante a colonização, exportando informações sobre a cultura extrativista para além dos limites da floresta e, essas informações preciosas permitiram a sobrevivência do colonizador no ambiente hostil, o qual não estava habituado.
Apesar da transmissão das tradições culturais ser feita através da tradição oral, os vazios demográficos tornam-se barreiras reais para essa difusão, por isso, muitas lendas e manifestações se perderam ao longo do tempo. Para João de Jesus Paes Loureiro, além de não haver integração entre suas microrregiões, há o isolamento dos grandes centros urbanos que acabam por caracterizá-la como área periférica.
Mas, felizmente a tradição oral ainda é a melhor maneira de manter a cultura viva, é através dela que as novas gerações têm conhecimento sobre lendas como o Anhagá, o Lobisomem, a Boliúna, as Amazonas, o Uirapuru, o Muiraquitã, a Hipupiara, a Curupira, o Jurupari, o Kepi- Manha, o Mayua, o Tupana, o Boto, o Paromina-Minare, o Curupira, Rudá, o Tambatajá, o Sol e a Lua e o Baira, além do Boi-Tinga e do Carimbó, resultantes desse intercruzamento de culturas.
Durante o processo da colonização registrou-se forte presença da igreja católica, marcada pela presença dos jesuítas, que estabeleceram forte dominação sobre os indígenas, interferindo na religiosidade politeísta, impondo o culto monoteísta. Para que a compreensão fosse mais rápida e fácil, os jesuítas criaram produções teatrais que retratavam de maneira lúdica a ideologia católica, essa influência se faz sentir nas representações teatrais da região.
Temos como exemplo o pássaro junino, forma de teatro popular com aparência de opereta que utiliza-se de elementos místicos indígenas. Durante a catequização das tribos. Contudo, as representações teatrais serviram de instrumento de manifestação e resistência, para tanto, o folclorista Vicente Salles cita o Sairé, o Marabaixo, a Marujada e o Marambiré
No entanto as representações sócio culturais da população amazônica não se limitam a seus mitos e lendas, e apresentações teatrais, estamos falando de algo mais amplo, um estilo de vida tão peculiar que não pode ser encontrado em nenhuma outra parte do globo. A sensibilidade e respeito pela natureza herdados das tribos indígenas, permitiu ao povo amazônico desenvolver a atividade extrativista, ou seja, a natureza é perfeita e fornece ao ser humano tudo o que ele necessita. Desde o artesanato, a alimentação, a música, passando pela vestimenta.
Um fato curioso relacionado ao artesanato é a resistência e a valorização no que se refere à sua preservação e manutenção; há uma preocupação do artesão em não deixar se perder a essência da trabalho, apesar de toda a influência externa, como é o caso da globalização. Ainda hoje o artesanato de miriti(palmeira muito encontrada na região de várzea amazônica), com a tradição paraense dos brinquedos de miriti muito vendidos durante o círio de Nazaré. Além do miriti, o barro e a palha também são materiais constantes na confecção de cerâmicas tapajônica e marajoara. Sua produção é muito exportada, tendo em vista sua particularidade.
A alimentação amazônica merece um certo destaque, pois através do extrativismo é possível perceber na alimentação o uso de folhas, raízes e peixes de água doce. Temos o tacacá, a farinha d`água, o leite da castanha, a maniçoba, o tucupi e o camarão de água doce, famoso no Sudeste.
Aliada à atividade extrativista amazônica, desenvolve-se a agricultura itinerante, “(...) , chamado de sistema de corte e queima, caracterizado pelo uso de uma área, por um a dois anos, seguido por vários anos de pousio.” (SCHMITZ, 2007), além da atividade agrícola, que é uma cultura anual há também o aproveitamento da área de maneira permanente, com a finalidade de atender a outras culturas como a pecuária.
Na região amazônica “ existem aproximadamente 380.000 agricultores familiares, dos quais a metade se concentra no estado do Pará, onde a maioria da população rural vive da agricultura e da pecuária,(...)” (SCHMITZ, 2007), apesar do governo não atentar para a produção agrícola anual, nas duas últimas décadas dados recentes “(...) mostram a importância desta atividade na Amazônia,(...)”(SCHMITZ, 2007).
Nossos dois últimos fatores de representação cultural amazônico são a música e a vestimenta. O primeiro de influência européia e negra dando origem ao lundu(que também influenciou o samba carioca, e é de origem negra africana), o carimbó e o siriá. No quesito vestimenta, reparamos também a influência negra referente às cores dos tecidos e as inspirações na natureza.

4 A questão política: A Amazônia legal

O interesse de potências mundiais sobre a floresta Amazônica e sua biodiversidade, desperta interesse de longa data; o Brasil detém uma vasta extensão de fronteira sendo muito difícil assumir por completo o controle, países vizinhos fazem incursões constantes a nossa floresta, alegando que a mesma representa um patrimônio da humanidade, por isso, todos têm o direito de explorá-la conforme seus interesses. Preocupado com o interesses capitalistas desenfreados e destruidores, o governo brasileiro criou a Amazônia Legal, que foi criado para legitimar a soberania do Brasil sobre a porção da floresta que nos cabe. Para que se possa entender melhor, voltemos um pouco ao surgimento da legitimação da Amazônia Legal.
Com o fim do ciclo da borracha nas primeiras décadas do século 20, a região voltou ao isolamento econômico. Na tentativa de reverter a situação, foram adotadas algumas medidas. Em 1953, no segundo mandato do presidente Getúlio Vargas, surgiu o termo Amazônia Legal.
A Amazônia Legal conta com nove estados: Amazonas, Amapá, Pará, Roraima, Rondônia, Acre e partes do Maranhão, Mato Grosso e Tocantins, representando 55% do território brasileiro. Sua definição é mais política que geográfica, já que alguns desses estados (principalmente os três últimos) não necessariamente fazem parte do bioma amazônico.
A partir da criação do termo, foi possível começar a criar planos de incentivos para a exploração econômica da região. Primeiro, foi criada a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia - SPVEA, que priorizou a exploração de borracha e cacau. O órgão acabou sendo substituído em 1966, pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - Sudam. O órgão foi um dos principais financiadores dos chamados “grandes projetos” da região. O modelo incentivou a construção de grandes usinas hidrelétricas como Tucuruí, a implantação do pólo Carajás de exploração mineral, onde foi instalada a Companhia Vale do Rio Doce; além da eternamente inacabada rodovia Transamazônica.
O governo militar também iniciou uma campanha de povoamento da região, com o slogan “Ocupar para não entregar”, incentivando a fixação de colonos em algumas regiões como o então território de Rondônia, ao longo da Transamazônica e da rodovia Belém-Brasília; o primeiro acesso via terrestre do território brasileiro para a cidade que era chamada de Portal da Amazônia. Aliás, a construção da Belém-Brasília fez a população da capital paraense triplicar em poucos anos.
A política dos militares revelou-se desastrosa em vários aspectos. O impacto ambiental da hidrelétrica de Tucuruí, por exemplo, provocou uma epidemia de malária ao redor, além de expulsar a fauna e flora nos 2.875 km². Isso porque apenas 10% da mata foram retirados e houve o remanejamento de apenas 1% da população animal que vivia no local. Quanto ao projeto de colonização das rodovias, acabou deixando muita gente em situação de extrema pobreza, por causa da falta de apoio governamental mais efetivo. A Sudam acabou sendo extinta em 2001 após uma série de denúncias de corrupção, beneficiamento político com um rombo de R$ 1,8 bilhão. O governo acabou criando a Agência de Desenvolvimento da Amazônia – ADA. Em agosto de 2003 o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, recriou a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM, no ano de implantação da SUDAM, a Agência de Desenvolvimento foi extinta.
Apesar dos esforços do governo federal, as dificuldades de proteção da soberania na fronteira norte do país ainda persistem e as necessidades da população amazônica são relegadas a segundo plano; já é hora de atentar para essa problemática respeitando o espaço e as tradições do povo.

REFERÊNCIAS

GADELHA, Regina Maria Fonseca. Conquista e Ocupação da Amazônia: A fronteira Norte do Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, v. 16, n. 45, 2002.

LOUREIRO, João de Jesus Paes. A Questão Cultural Amazônica. In: Pará. Secretaria de Estado de Educação. Estudos e Problemas Amazônicos: História social e econômica e temas especiais. 2° ed. Belém : CEJUP, p. 177-194, 1992.

SCHMITZ, Heribert. A Transição da Agricultura Itinerante na Amazônia para Novos Sistemas. Resumos do II Congresso Brasileiro da Agroecologia. Revista Brasileira de Agroecologia, v. 2, Rio grande do Sul, 2007.

FILHO, João Meirelles. Os povos nativos da Amazônia. In :O livro de ouro da Amazônia. Ediouro. Rio de Janeiro, 2004.

OLIVEIRA, Bernadete Castro, Todo dia é dia de índio. In: A Amazônia Revelada: Os descaminhos da BR-163. CNPQ. Brasília, 2005.

MONTEIRO, Benedito, História do Pará. In: Sociedade e Cultura do Pará. Editora Amazônia, 2005.



Autor: Rafaelli dos Santos Ribeiro


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