O Calango sob a Dama da Noite



         No centro do quintal da Vó Zelda do João, havia uma árvore espetacular. Ali no mundo tudo girava em torno daquela frondosa Dama da Noite. Suas folhas eram veludo, seu tronco curto e forte como a certeza e a copa formava um giro sublime. E era embaixo dessa realeza de planta que morava, junto a um montinho de pedras, um calango. Um calango da cor de uma mata. Um calango que, por capricho da natureza ou artimanhas do coração, nunca dormia à noite.

         Sua vigília era conhecida por todos no terreiro, e era no frio e no sereno que ele passava as horas apreciando a Lua. Corria à boca pequena que por ter nascido em noite de Lua cheia, o calango virara o ventre de paixão por aquela roda clara de luz, a Lua.

         E as galinhas dormiam. Dormia o único pato da paróquia. Dormia um cabritinho sem chifre. Dormiam os gatos chorosos. Até a coruja dormitava. E o calango passava as noites a admirar a Lua. Seus olhos lacrimejavam, o que provocava brilhos que ele ofertava à Lua.

         Em troca das noites de paixão, o nosso calango passava aqueles dias dormindo.

         E as galinhas comiam tudo. O pato se sujava. O cabritinho dizia mé. Os gatos sumiam pela vizinhança. A coruja dormia. E o calango tinha olhos de peso de chumbo. Nada o fazia acordar.

         Pois foi numa noite diferente que tudo aconteceu. O calango acordou para seu namoro à luz da Lua, e se pôs a aguardar a chegada da amada. Nada da Lua aparecer. Esperou uns minutos e nada. Trocou de posição e nada. Jogou umas pedras pra lá e nada. Nada da Lua. E foi assim toda a noite sem Lua.

         Lá pelas quatro da manhã, quando alguns galos já trocavam berros, que o calango perdeu a compostura e desabou a chorar. Foi um desespero só:

         -Onde está minha Lua? Onde está minha amada? Nunca mais a verei? Não tirei nem fotografia. Oh, minha Lua, não me deixe.

         Eis que a rainha do quintal, a árvore Dama da Noite, presenciava todo o teatro sob a sua copa. Triste em ver o calango naquele desespero, a Dama da Noite começou a fazer do terreiro o solo mais cheiroso de todo o planeta. E seu perfume tomava conta de tudo. E até mesmo das narinas do calango o perfume tomou conta. Era tão doce e tranqüilo aquele cheiro, que o calango, anestesiado e calmo, pôs se a dormir.

         Quando raiou o dia, o perfume acabou. E como por mágica, nosso amigo calango acordou, e mal abriu as pálpebras, buscou no céu a presença de sua amada.

         Quando, levantando a cabeça em rápidos movimentos, o calango cor de mata viu o nosso astro rei a clarear o céu azul, não se conteve e teve um pequeno desmaio.

         Ao voltar a si, voltou a ver o sol, por quem foi arrebatado de uma imensa paixão.

         A partir dali, o calango dormiu todas as noites sob o perfume da Dama da Noite.

         A partir dali, o calango cor de mata nunca mais deixou de amar o sol.

 

         johnnyguimaraes.blogspot.com

 


Autor: johnny wilson batista guimaraes


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