NATAL EM GALKAMOUR



271 - NATAL EM GALKAMOUR

 

Haviam preparado a grande festa durante muito tempo.

Especialistas vieram de longe, para planejar, montar e dirigir o magnífico espetáculo.

Como havia começado tudo isso?

Por uma revelação, descoberta nas profundezas do Céu e interpretada pelo grande conselho dos Sábios:

O Salvador, o Rei dos Reis, o esperado Filho de Deus, chegaria a Balkoum, capital da província de Galkamour,  na manhã de 25 de dezembro.  

Os habitantes de Balkoum decidiram recebê-lo com o maior, o melhor, o mais bonito espetáculo do mundo, com a glória e o luxo que lhe eram devidos. .

A província inteira de Galkamour  havia sido envolvida: durante meses haviam ecoado por toda a parte as vozes dos cantores e dos corais. As notas soltas e desafinadas dos instrumentos haviam se transformado, com exaustivos ensaios,  na mais elevada expressão musical.

Os dignitários da Igreja Superlativa – a única igreja confiável, visto que todas as outras eram impostoras, mentirosas  e falsas – vestiam seus ricos paramentos sagrados.

Tudo estava pronto para a chegada do Senhor; as trombetas o anunciariam, e ele, vindo do leste, seria recebido na porta  do Sol, apenas pelos trezentos membros mais importantes.

Cada um deles faria uma saudação de boas vindas (com duzentas palavras no máximo) e todos eles se ajoelhariam – sobre uma cômoda almofada de cetim com pedras preciosas, naturalmente – para provar-lhe  a sua submissão e sua humildade.

O povo ... ah, este teria que ficar longe, observando e aplaudindo – pois o aplauso e o entusiasmo seriam uma parte fundamental do espetáculo; mas a aparência dos pobres traria uma nota desagradável.

A cidade fervia de movimento e de ansiedade; de todas as partes da província, vinham  vendedores, salteadores, palhaços, jogadores, charlatães, todos querendo mostrar algo, vender algo, pedir algo, roubar algo.

 

 

Longe daí, sentado diante da sua cabana humilde, o pastor tirava notas dissonantes de uma flauta tosca, feita por ele.

Com o olhar atento, cuidava do rebanho, pronto para assustar os lobos e trazer de volta as ovelhas que se afastavam.

Era pobre; mas trazia no olhar a paz, a tranquilidade de quem já tem tudo o que quer e não precisa de  nada.

Aproximou-se dele um garoto moreninho, descalço, tão pobre quanto ele. Teria uns oito anos, talvez.

- “O que o traz  aqui, longe de tudo, menino? Está perdido? Precisa de alguma coisa?”

- “Não, não, senhor. É que fui convidado para uma festa , naquela cidade lá em baixo”- e o seu braço abrangeu aquele grande espaço, que reluzia à luz da manhã – “estou só de passagem. Já vou seguir caminho..”.

- “Espere, garoto” – disse o pastor, num impulso repentino.- “Já afastei os lobos, minhas ovelhas estão tranquilas, o cão toma conta delas. Eu vou com você...”

- “Fico feliz” - disse o garoto -  “assim nos fazemos companhia;;”. .

E lá foram, rumo aos reflexos coloridos de Balkoum. 

Foram falando de tudo e de nada, como se fossem  dois velhos amigos; e chegaram bem depressa às portas da cidade. 

- “Alto lá! Parados! ”  - disse um guarda truculento – “ Ninguém passa por aqui!”

- “ Mas eu fui convidado!” - respondeu o menino – e trouxe junto um amigo!...”

- “Ninguém foi convidado para coisa alguma, salvo os Dignitários.; e vocês, com certeza não o são; estamos esperando o Rei dos Reis. Saiam já do caminho!”

- “Mas eu preciso entrar!” -  O garoto já estava quase chorando

- “ Não tem nada aqui que lhes interesse. Saiam  já daqui. Não vêem que estão amassando as pétalas de rosa espalhadas pelo chão? Saiam, saiam!”

 

Eles se afastaram um pouco e ficaram vendo o luxo, a pompa, a vaidade vazia dos  doutores, dos dignitários, dos cardeais da Igreja Superlativa, todos impacientes, paramentados, esperando para receber o Filho de Deus.

 

 - “Oh, que pena!” – dizia o menino – “Nunca chegarão a me ver!”.

O pastor achou que o menininho estava louco.

O sol forte de Balkoum, na certa, tinha afetado seu pensamento...

Deu-lhe um pouco de água, deitou-o na sombra, acarinhou-o, como se fosse o filho que, - só agora percebia – fazia-lha falta.

Mas o garoto continuou:

- “Eu sou apenas como uma imagem no espelho.

   

Olhe-se: só verá o que é; não verá o que pensa ser, nem o que  deseja ser.

  

 Se você vê  apenas um garoto, como eu, é porque a sua alma é pura , alegre;  seus pensamentos são leves e não há maldade neles. 

E nós dois aprenderemos juntos a tocar a sua flauta, e juntos colheremos as flores do campo.

 

Mas se você vê um rei, um poderoso, está contemplando apenas a  sua vaidade, o seu orgulho; nunca encontrará o menino que se esconde em você.

 

O Rei dos Reis é apenas um garoto humilde e descalço.

É pobre,  porque a pobreza nos torna melhores e nos aproxima de Deus.

 

Os Dignitários ficarão esperando por séculos, na porta do Sol, porque nunca conseguirão me ver.

 

Mas eu estarei com você, pastor, todo o tempo que você quiser.

E quando chegar a sua hora, eu mesmo o  levarei comigo.

 

A tarde já caia, o rebanho vinha mansinho, o cachorro empurrava-o para o estábulo. Logo os lobos começariam a uivar, mas o pastor estava tranquilo.

Puxou da flauta e recomeçou com suas horríveis notas, desafinadas e tortas. Mas para ele era a mais doce melodia do mundo.

 

 

 

 

 

 


Autor: Romano Dazzi


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