Crença x Razão



Por: Ivani de Araujo Medina

Criar inimizade nunca foi bom. Ainda mais quando ela é criada propositalmente, de caso pensado. Indicativo malévolo de algum interesse oculto. Uma das intrigas mais mal explicada do mundo é aquela que foi criada entre a crença e a razão e estendida à religião e a ciência. Com que objetivo se criou tamanho absurdo? Domínio, exploração econômica e todo tipo de abuso. Alguém já disse que um grama de verdade num quilo de mentira é o bastante para se enganar a muitos e fazer muita confusão.
Como uma convicção íntima, a crença tem um poder estimulante que se faz sentir na vida de cada um. Não importa no que ela se traduza para o indivíduo. Se o conforta, o direciona, o realiza reservadamente etc. cumpre seu papel. Enfim, mobiliza suas forças internas em benefício dele mesmo.
A razão, por sua vez, brilha mais como um bem coletivo. Quando trocamos idéias exercitamos a razão, que existe para o bem de todos. É o tato da inteligência. Ela cria facilidades ao desenvolvimento comum e aceita ser reformada quando necessário. Tudo o que a Humanidade conquistou em benefício próprio foi um presente dela. Por exemplo, as conquistas na medicina nos saltam aos olhos. Estas nos livraram das dores e horrores que nossos ancestrais tiveram que passar. Portanto, da razão pouco se queixa.
Imagine uma forte e sincera amizade entre a crença e a razão. Seria perfeito, não?
Porém, quando se invertem os papéis, ou seja, a crença passa a ser um bem comum a ser defendido por todos, e a razão uma convicção íntima reservada ao indivíduo, a coisa se complica. Na Antiguidade se buscava o equilíbrio, crença e razão coexistiam sem se agredirem mutuamente. Duas necessidades par. Entretanto, muitos foram condenados à morte por se confessarem ou serem acusados de descrentes nos deuses das cidades. Diziam que o medo do castigo dos deuses ajudava a manter o bom comportamento dos cidadãos. Daí a obrigatoriedade formal da crença. Os cidadãos deviam fazer regularmente sacrifícios aos deuses para apaziguá-los em benefício próprio e da sua cidade. É a idéia, ainda vigente, de que o Homem precisa ser enganado para reagir positivamente.
Essa mentalidade de se fazer do “castigo divino” o bicho papão dos homens, deixou rastros de sangue em todas as culturas. Originalmente, os gregos não tinham uma política religiosa, até que os gregos asiáticos roubaram a dos judeus. Mesmo assim, a morte espreitava os acusados de ateísmo no mundo da razão, antes do referido fato. Busco exemplos esmiuçando a História porque ela tem a função de recordar experiências passadas, e pode auxiliar a Humanidade na correção de rumo com destino ao futuro.
Assim sendo, sabemos que o lado sombrio e criminoso da crença reúne dois ingredientes básicos: política e religião; uma combinação extremamente perigosa para o pensamento livre ou a simples razão. A razão é como uma escada que se coloca para se espiar o outro lado do muro das dificuldades. Nada ideológica, a razão tem por objetivo o bem-estar da criatura humana e a preservação da sua espécie. É a grande aliada da ordem e do equilíbrio de um grupo, criando regras que, se violadas, têm conseqüências previsíveis. Desse modo a razão faz da consciência individual a reguladora das ações de cada um. Por exemplo, só e em sã consciência ninguém tem coragem de atear fogo num prédio.
Os exemplos extremos são bons para se deixar claro aquilo que se quer dizer. Por isso, quando uma certeza íntima (crença) assume um caráter político, e transita do singular para o plural, o indivíduo corre o risco de sentir-se liberado da sua autocensura para descer às profundezas. Desvencilhado da própria consciência se entrega ao calor da paixão. Assim ele é facilmente induzido e pode tornar-se peão, do tipo que suja as mãos, a serviço de uma intelectualidade perversa.
A imposição do judaísmo aos povos antigos do Oriente médio pelos ashmoneus, a implantação do islamismo, a Santa Inquisição da Igreja Católica Romana, os movimentos da reforma protestante no século XVI, o nazismo de Hitler, o fascismo de Mussolini, o comunismo de Stalin e o sionismo judeu etc. deixaram marcas profundas na História. Idealismos que pareciam luminosos e justos aos olhos dos seus seguidores acabaram tornando-se monstruosidades aos olhos das gerações futuras.
Vale lembrar que não foi à toa que o termo “política” ganhou no sentido figurado significados como: astúcia, artifício, ardil, esperteza. Por que não lembrá-los quando ainda se antagoniza a crença à razão em nome da fé?
A religião busca o poder por considerá-lo um direito seu. Nos Estados Unidos juramentos se fazem com a mão sobre a Bíblia. Crucifixos estão espalhados em tribunais e prédios públicos no Ocidente, e esse poder religioso age ainda com maior rigor no Oriente sem que sinais de melhora se vejam por causa disso. O que está por trás dessa questão as ciências humanas não se atrevem a explicar. A maioria dos seus estudiosos ainda prefere ser simpática a cultura dominante para não correr riscos.
O crente receia que o esclarecimento lhe subtraia o encanto e lhe acinzente a vida. Os que vivem dessa situação protegem seus interesses com o poder econômico e cultural. Fica-me a certeza de que só mesmo aquele grama de verdade pode mudar tudo e corrigir o rumo da Humanidade em direção ao futuro. A verdade é o limite. Ninguém discute se a água molha ou se o fogo queima. Nunca ninguém criou inimizade ou morreu por causa disso. A crença existe onde a razão ainda não conseguiu penetrar. Crenças do passado deixaram de existir quando a razão lhes chegou, e, hoje, nos beneficiamos disso. A crença é o desafio amistoso da razão e não a sua inimiga.
Deixo aqui o meu desprezo pela intriga.

Autor: Ivani de Araujo Medina


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