Sexualidade E Cidadania



SEXUALIDADE E CIDADANIA:

É necessário recuperarmos junto às nossas escolas tanto a Formação para a Cidadania quanto a Orientação Sexual.

Ambas as abordagens constituem-se em temas transversais, consagrados pela Legislação e pelos PCNs mas que, na prática, acabam sendo relegados ao formalismo (constam no Planejamento das Escolas ou das Componentes Curriculares, mas não são de fato trabalhados), se diluindo ou sendo subaproveitados.

Acreditamos que o primeiro passo para que de fato ocorra a discussão da Cidadania ligada à Sexualidade seja o resgate da sua historicidade. Enquanto as duas temáticas permanecerem como "estanques" e alheias aos demais conteúdos escolares, não terão condições de ser incorporadas ao currículo vivo, aquele que de fato é desenvolvido cotidianamente nas instituições escolares.

O conceito de cidadania, com o qual compactuamos na atualidade, é fruto das civilizações clássicas, Grécia e Roma. A idéia de que o ser humano é um "zoonpoliticon" foi apresentada e desenvolvida pelos socráticos, em especial por Aristóteles e foi depois sendo reelaborada no mundo romano, até que Trajano estendeu a cidadania a todos os nascidos dentro das fronteiras do Império.

Como sabemos, no quinto século antes de Cristo, o "século de Péricles", na cidade de Atenas - berço da democracia - o conceito de cidadania era restrito: o cidadão era o homem ateniense livre, com mais de 35 anos. Alguns chegaram a questionar o status do liberto, o qual, em tese, poderia tornar-se um cidadão, mas, jamais se questionou estender a cidadania à mulher.

Parece paradoxal que uma civilização que não apenas tolerou, mas estimulou a homossexualidade, tenha sido tão restritiva para com a figura feminina. Erastes e Eromenos caminhavam pelas ruas de mãos dadas, mas a mulher não deixava a reclusão do gineceu.

No mundo romano, a mulher patrícia não vivia uma situação muito diferente, imersa no universo doméstico e na criação dos filhos, mas, a cortesã adquirira o status de participação política na sociedade, o que fazia com que fosse invejada pelas matronas honestas. Sabe-se que a mulher de um cônsul chegou a solicitar em juízo o direito de prostituir-se e que Messalina, a imperatriz, prostituía-se num lupanar da Suburra, sob o pseudônimo de Licisca.

Por que as mulheres de "vida fácil" gozavam de um status social que era negado às esposas e às mães dos cidadãos? Por que interferiam tão profundamente nos destinos políticos do império, enquanto as matronas só interferiam nos destinos da sua prole?

Acreditamos que uma postura ativa frente à sexualidade tenha sido, desde sempre, um dos índices que evidenciam uma participação mais atuante em outras esferas da sociedade. Tal como o cidadão, a prostituta freqüenta as ruas, participa dos acontecimentos da cidade: em alguns eventos da sociedade romana como, por exemplo, nos festejos da deusa flora, a participação das cortesãs é algo que transcende à cidadania política, ascendendo à esfera do sagrado.

O sagrado e o profano são as duas faces de uma mesma moeda: as "bacanalis" eram festejos sagrados, dedicados ao deus Baco, nos quais se buscava a ascese através do êxtase provocado pelo sexo e o consumo de vinho. O deus Príapo, como sabemos, era representado por um falo imenso e o deus Hermes, que preside as encruzilhadas e é encarregado de fazer a ponte entre os homens e os deuses, é representado pelas hermas, colunas como o rosto do deus e a sua genitália.

Santa Tereza D'ávila, uma das colunas sobre as quais se construiu a Igreja da Contra-reforma católica - e que povoou o universo barroco, sendo retratada por Gianlorenzo Bernini - relata os seus êxtases, as suas bodas místicas com Jesus, na sua obra Castelos interiores: "...o anjo do senhor me possuiu e me arrebatou para sobre uma nuvem, então, me penetrou com sua seta incandescente e eu fui levada ao paraíso"... Não há necessidade de maiores comentários.

Neste caminho, não há como deixar de fazer alusão ao carnaval, criado já na era cristã para substituir os antigos festejos pagãos: o "carnivalis" (o "adeus à carne") é o último momento no qual a lascívia é permitida, antes da quaresma, a preparação para a Páscoa. É interessante que estes festejos pagãos fizessem, desde sempre, parte do calendário cristão, e fossem acontecimentos "cívicos", na medida em que envolviam toda a cidade.

Getúlio Vargas, governando o Brasil entre 1930 e 1945, "oficializou" tanto as Escolas de Samba quanto os desfiles de carnaval, apenas reiterando a obrigatoriedade dos sambas-enredo versarem sobre temáticas brasileiras, ligadas à nossa história e à nossa cultura. Com esta atitude, aproximou a cultura popular da erudita e transformou uma festa profana em manifestação da cidadania.

Como vemos, a sexualidade impregna todas as manifestações sociais, deixa o aconchego dos lares e a proteção das famosas quatro paredes (dentro das quais, como comentou Richard Parker em Corpos, prazeres e paixões, "tudo é permitido") e invade as ruas. Ainda hoje os desfiles de carnaval continuam a ser acontecimentos onde cidadania e sexualidade são questionadas, exercidas e expostas: o Cristo mendigo de Joãozinho Trinta, impugnado pela censura (1986), a genitália desnuda de Torez Bandeira (1992) e os festejos do "Brasil 500 anos" (2000) são apenas alguns exemplos de que hoje, assim como na cultura clássica, sexualidade e militância política continuam a estar relacionadas.

No modelo de sociedade em que vivemos, inseridos no Modo de Produção Capitalista e na Globalização, a única sanção ou restrição que de fato existe em relação à livre manifestação da sexualidade humana é a religiosa, de cunho muito mais moral do que ético.

Em nosso país, perante a lei, existe liberdade religiosa: cada um tem o direito de professar a fé na qual melhor se encontrar. Nos é garantido pela Constituição Federal, em vigor desde 1988, que o cidadão tem o direito de livre expressão, inclusive o direito de expressar livremente a sua sexualidade. A mesma legislação que garante a liberdade de culto (até 1889 o catolicismo era a religião oficial do Estado brasileiro) e de expressão, também garante os direitos dos GLTTB, que várias confissões religiosas discriminam. Mais do que isto, garante que uma pessoa que se sinta diretamente agredida em sua cidadania, recorra a um processo judicial, já que toda forma de discriminação é crime.

Devemos lembrar que sempre que houve "caça às bruxas" e que os "hereges" queimaram nas fogueiras da inquisição foi "em nome de Deus". Resta saber de qual Deus: Iaveh dos Judeus, Krshna, Jeová, Javé, Alah, Deus Pai Todo Poderoso... Todos permitidos no Brasil, isto sem necessitar citar nominalmente todas as Entidades que compõe o panteão das religiões afro-brasileiras, igualmente permitidas.

Também devemos nos lembrar que a Bíblia não é o único livro santo: os judeus tem o Torah, os muçulmanos o Corão, os indianos o Badhara Gita e assim por diante. Mesmo em relação à Bíblia, todas as igrejas cristãs afirmam estar fundamentadas nos textos bíblicos, mas, havemos de admitir, existe grande diversidade de opiniões, de posturas e de práticas entre elas.

Há lugar para todos nós neste planeta: para todas as cores de pele, todas as crenças, todas as línguas e todas as opções sexuais. Todos somos filhos de Deus, independentemente do nome que Lhe damos e, inclusive, gostaria de saber onde está a procuração assinada pelo Todo Poderoso, que autoriza apenas alguns a falarem em nome Dele.

Prof. Luiz Carlos Cappellano
Assessoria de Educação e Cidadania
SME-Campinas


Autor: Luiz Carlos Cappellano


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