Sociedades de Grande Porte - Aspectos Econômicos do Artigo 3º da Lei 11.638/07



Dois anosapós sua publicação, a Lei nº 11.638/07, a qual trouxe significativas mudanças nas regras contábeis para as sociedades por ações, ainda proporciona várias discussões sobre seu artigo 3º[1]. O polêmico tema funda-se nas divergentes interpretações dadas ao artigo, girando em torno da obrigatoriedade ou não da publicação dos balanços e das demonstrações financeiras para as sociedades de grande porte, seja qual for o tipo societário.

Parte da doutrina, como o Professor Dr. Modesto Carvalhosa[2], defendem que o artigo 3º da referida norma, ao dispor que as sociedades de grande porte escriturem e elaborem as demonstrações financeiras conforme as regras estabelecidas na Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações), disciplinaria de forma intrínseca a aplicação do artigo 176[3], sobretudo seu parágrafo 1º, da Lei das Sociedades por Ações. Destarte, tornando obrigatórias as publicações das demonstrações financeiras para as sociedades de grande porte, independente do regime societário.

Em contraposição àquela, juristas, como Professor Dr. Fábio Ulhoa Coelho[4],defendem que o dispositivo legal está claro, referindo-se apenas à escrituração e à elaboração das demonstrações financeiras, nada dispondo sobre a publicação dessas. Ainda, defendem que se a intenção do legislador fosse a obrigatoriedade da publicação das demonstrações financeiras, o vocábulo "publicação" estaria expresso no texto do artigo, como estava no Projeto de Lei. Por fim, entendem que qualquer imposição de publicação das demonstrações deverá ser contestada na justiça.

Tal questão já se refletiu em discussão judicial. O Departamento Nacional de Registro do Comércio - DNRC, órgão responsável pelas atividades das juntas comerciais e dos registros mercantis, pronunciou-se em 18/06/2008, através da Nota Técnica nº 099/2008, considerando facultativa a publicação das demonstrações financeiras pelas sociedades de grande porte, inclusive não exigindo o arquivamento das mesmas. Contudo, uma decisão liminar[5] proferida pela Justiça Federal de São Paulo, nos autos da ação proposta pela Associação Brasileira de Imprensas Oficiais em face da União Federal, sustou os efeitos da norma técnica, determinando, inclusive, que as sociedades de grande porte observassem a publicação de suas demonstrações financeiras.

Entretanto, a referida decisão liminar foi derrocada pela 6ª Turma do Tribunal Regional Federal em São Paulo - TRF da 3ª Região, representada pela Desembargadora Dra. Regina Helena Costa, a qual, apesar de não analisar o mérito da questão, escorou-se na ausência de legitimidade da Associação Brasileira de Imprensas Oficiais para defender o interesse público, conforme alegado nos autos, e, ainda, que a manutenção da medida liminar acarretaria em lesão de difícil reparação às sociedades de grande porte, conservando a facultatividade das publicações.

Embora o foco principal existente sobre o artigo 3º da Lei nº 11.638/07 seja essa controvérsia jurídica, importante se faz sopesar os aspectos econômicos decorrentes desse artigo, pois esses vêm sendo olvidados. Tratar-se-á nesse artigo de tais aspectos, visando a identificar as entrelinhas econômicas por trás de sua promulgação. Para tanto, far-se-ão necessárias algumas considerações de economia e sua aplicabilidade no direito.

A correlação multidisciplinar entre direito e economia é longínqua; existe desde o século XVIII, com os estudos de Adam Smith e Jeremy Bemtham. Entretanto, a área denominada de Law and Economics - Direito e Economia - ganhou escopo quando Ronald Harry Coase[6], Richard Posner[7] e Guido Calabresi[8] publicaram, respectivamente, as obras The Problem of Social Cost, Economic Analysis of Law e The Cost of Accidentis[9].

A economia é um importante instrumento para a análise das normas jurídicas[10] e, como tal, deve ser utilizada para mensurar as externalidades, positivas e negativas, e os custos de transação proporcionados pelos institutos jurídicos existentes, bem como a concepção de novos ordenamentos jurídicos - criação de novas leis. Os fatos econômicos estão interligados com a legislação que os rege, sendo a recíproca verdadeira, ou seja, os fatos econômicos tendem a afeiçoar a criação e/ou a aplicabilidade das leis, adequando-as aos interesses existentes[11].

Mister, portanto, analisar os efeitos - no jargão econômico, as externalidades - advindas das normas jurídicas, pois externalidade é o impacto proporcionado por uma determinada ação a terceiros que não compartilham dessa ação[12]. São os efeitos, positivos ou negativos, gerados a terceiros, estrangeiros a sua origem, decorrentes de uma determinada ação - promulgação de uma lei, por exemplo. Tais externalidades podem ser positivas ou negativas, sendo muito comuns e, em sua maioria, ansiadas e suscitadas[13].

As externalidades negativas são aquelas provenientes de ações que acarretem efeitos perniciosos, causados ou impostos, a terceiros estranhos à ação, por exemplo, quando um circo se instala em determinada região de uma cidade e o odor fétido exalado pelos animais do circo ocasiona uma externalidade negativa, um inconveniente aos moradores locais, terceiros externos à ação. Por sua vez, as externalidades positivas proporcionam benefícios a esses terceiros. A título elucidativo, quando uma empresa efetua trabalhos ambientais de reflorestamento em determinadas áreas, toda a sociedade - terceiros não agentes - lucra com os benefícios.

Para Rachel Sztajn, "muitas externalidades resultam de elevados custos de transação, custos esses que aparecem na organização das operações em mercados e que podem alterar mecanismos de alocação de recursos, aumentar custos sociais. Externalidades são uma das formas de análise de fenômeno mais geral, que resulta de entender que cada ato ou ação, mesmo individual, pode ser inserido numa cadeia de causa e efeito e que é difícil determinar quando o ato seja inepto para produzir qualquer repercussão externa ao agente"[14].

Contudo, as externalidades são, comumente, ajustadas entre os interessados, visando a obter melhores benefícios para as partes e a eficácia do resultado. Entretanto, os custos de transação envolvidos podem inviabilizar o acordo. Custo de transação compreende-se pelos custos que as partes têm para efetivação de um acordo[15]. São aqueles que oneram a operação, não só financeiramente; são resultantes do conjunto de medidas necessárias para concretizar uma transação[16]. Segundo Coase, os custos de transação inerentes à operação determinam se um acordo, sobre as externalidades existentes, é economicamente eficiente para fazê-lo ou inviável[17].

Feitas as breves considerações sobre Law and Economics, externalidades e custos de transação, analisar-se-ão, agora, quais os aspectos econômicos por trás do artigo 3ª da Lei nº 11.638/07.

O artigo 3º do citado diploma legal determina que as sociedades de grande porte, não constituídas sob o tipo societário de sociedade por ações, observem a Lei nº 6.404/76 no que tange a escrituração e elaboração de demonstrações financeiras e a obrigatoriedade da auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Imobiliários. Dessa exigência legal surgem externalidades, positivas e negativas, às sociedades empresárias que se enquadrem em tal disposição e para a sociedade - pessoas - em geral.

As externalidades positivas oriundas da Lei nº 11.638/07, como um todo, foram significativas. As sociedades por ações, de capital aberto ou não, passaram a observar normas contábeis internacionais para escrituração de suas demonstrações financeiras, aumentando a transparência e a credibilidade do mercado econômico brasileiro, bem como a relação entre as sociedades por ações de capital aberto e fechado ficou mais equitativa, estimulando a abertura de capital das companhias fechadas, devido à equiparação dos custos.

O artigo 3º, em especial, visa ao estabelecimento, além da transparência e credibilidade citadas, proporcionar maior igualdade - competitividade - entre as sociedades de grande porte revestidas na forma de sociedade por ações e as constituídas por outros tipos societários, equilibrando economicamente a concorrência.

Ainda, se considerado, ao menos por hora, que a redação do artigo 3º da Lei nº 11.638/07 teve realmente a intenção de disciplinar que as sociedades de grande porte publicassem suas demonstrações financeiras, pois a publicação estaria compreendida de forma intrínseca pelas normas de escrituração e elaboração, a externalidade positiva se daria pela transparência da realidade financeira dessas empresas para todo o mercado, dada a importância dessas para a geração de emprego e para a economia nacional[18].

Em contrapartida, tais procedimentos irão gerar um aumento nos custos, não só financeiros, para as sociedades de grande porte, seja pela adoção das normas de escrituração e elaboração de demonstrações financeiras, seja pela obrigatoriedade de auditoria independente. São as externalidades negativas. Os custos de transação incorridos na elaboração das demonstrações financeiras, proporcionados pelas externalidades negativas naturais do referido artigo, passam a onerar consideravelmente a operação, podendo, talvez, inviabilizar o negócio.

A ponderação dessas externalidades, negativas e positivas, e dos custos provenientes da aplicação do artigo 3º da Lei nº 11.638/07, sancionou o mencionado dispositivo legal. Avaliadas as externalidades e os custos de transação provocados pelo artigo 3º, sem considerar a discussão em torno da obrigatoriedade de publicação, as benesses, econômicas e sociais, do artigo são mais relevantes que as externalidades negativas e os custos de transação incorridos não inviabilizam o negócio, sendo plausível a eficácia econômica para fazê-lo, como defende Coase[19].

Nesse mesmo raciocínio, imperioso analisar os aspectos econômicos envolvidos na divergência interpretativa existente no aludido artigo 3º. Se considerada obrigatória a publicação das demonstrações financeiras, ter-se-ão as externalidades positivas acima citadas reforçadas, ante o aumento de transparência econômica das sociedades de grande porte, não revestidas da forma de sociedade por ação. Além disso, equiparam-se os custos entre os tipos societários de maior monta, equilibrando a concorrência e estimulando o mercado de capitais brasileiro, pois com os custos de transação equiparados, essas sociedades poderiam se transformar em sociedades por ações e optar pela capitação de recursos financeiros através da abertura de capital. As externalidades negativas são as mesmas, o aumento de custos.

Quando sopesadas as externalidades, negativas e positivas, e os custos de transação envolvidos na questão da publicação, nota-se imperiosamente que os benefícios econômicos e sociais são maiores e mais eficazes do que os dispêndios com os custos de transação. Logo, crível tornar a publicação das demonstrações financeiras obrigatória.

Contudo, apesar dos aspectos econômicos e sociais serem positivos, a publicação das demonstrações financeiras das sociedades de grande porte, não constituídas na forma de sociedade por ações, não pode ser exigida pelos órgãos competentes, uma vez que o artigo 3º da Lei nº 11.638/07 não dispõe sobre a obrigatoriedade dessa publicação. A redação do artigo é clara e dela não cabe outra interpretação. Inclusive, se a intenção do legislador fosse tornar obrigatória a publicação, o mesmo o teria feito, mantendo o texto original do artigo 2º[20] do Projeto de Lei nº 3.741/00, que originou a Lei nº 11.638/07.

A maior interessada, financeiramente, em desvirtuar o presente diploma é a Imprensa Oficial, pois é a maior beneficiária, financeiramente, com a obrigatoriedade da publicação[21]. As benesses econômicas e sociais são patentes, entretanto, a exigibilidade dessa obrigação só pode ser consumada com a alteração da atual norma jurídica, caso contrário ter-se-á um flagrante desrespeito à Lei Federal nº 11.638/07.




Autor: Rodrigo Baraldi dos Santos


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