EDUCAÇÃO ESPECIAL E RESPONSABILIDADE ESTATAL: METODOLOGIAS E COMPROMISSOS



EDUCAÇÃO ESPECIAL E RESPONSABILIDADE ESTATAL: METODOLOGIAS E COMPROMISSOS

Juliana A. Santana

Falar de educação não é uma tarefa fácil. E falar de educação especial é algo ainda mais complexo, pois envolve questões como responsabilidade estatal, igualdade de direitos, democracia, preconceito, discriminação e inclusão. Poderíamos dizer que esta última é de maior relevância, no entanto, para efetivá-la é necessário considerar todas as outras questões citadas, pois estão interligadas.

A atual Constituição Brasileira, batizada por Ulysses Guimarães de “Constituição Cidadã”, está baseada nos princípios fundamentais da democracia e apresenta um conjunto amplo de direitos que, se efetivados, fariam do Brasil um Estado de Bem-Estar Social, promotor da cidadania e da justiça social. No entanto, o que podemos perceber é que na concreticidade da realidade, esses direitos não são respeitados e por isso faz-se necessária uma mobilização eficaz da sociedade civil com o objetivo de reclamar a efetivação destes direitos.

No seu artigo 1� inciso II, a Constituição vigente assegura a cidadania a todos, e no inciso III, o direito a dignidade da pessoa humana. No artigo 5�, contempla a igualdade de todos, sem qualquer discriminação. Portanto, as pessoas portadoras de necessidades especiais, como quaisquer outras pessoas, têm assegurados os direitos de cidadania e não-discriminação.

No artigo 196, a Constituição Federal estabelece ainda que a saúde é direito de todos e dever do Estado e no artigo 227, § 1�, inciso II, prevê a “criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência.”. No artigo 203 inciso IV, dispõe sobre o direito de “habilitação e reabilitação” das pessoas com necessidades especiais e a promoção de sua integração na vida comunitária. No inciso V do mesmo artigo, estatui o recebimento de um salário mínimo para pessoas com necessidades especiais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A Constituição vigente determina também, no artigo 6�, inciso XXXI, que não haja discriminação quanto a salário e critérios de admissão das pessoas com necessidades especiais na Administração Pública Direta, Indireta e Fundacional.

E, finalmente, chegamos ao ponto que vamos ressaltar que é a questão da educação especial. No seu artigo 205, a Constituição diz que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família. No seu artigo 208, inciso I, prevê o ensino fundamental obrigatório e gratuito e no inciso II, o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino (o que também é ressaltado no Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, artigo 54, inciso III).

No entanto, o Estado Brasileiro não assume plenamente a sua responsabilidade, o seu dever, mesmo descentralizando a educação e distribuindo as responsabilidades educacionais entre as três esferas de poder: federal, estadual e municipal.

Na verdade, o que temos visto é um descaso em relação à educação. Segundo o artigo 212 da Constituição Federal, a União deveria aplicar, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente transferência, na manutenção e desenvolvimento do ensino. No entanto, isto não tem acontecido, os recursos para a educação têm sido cada vez mais escassos.

A lei n� 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN) apresenta alguns subsídios para a implantação da Educação Especial em municípios brasileiros, respeitadas as inúmeras, complexas e variadas realidades conjunturais.

Atualmente, fala-se muito em educação especial, educação inclusiva e educação integrada como formas de inserção da pessoa portadora de necessidades especiais no sistema de educação. Alguns defendem a inserção do deficiente no ensino regular, outros acreditam que seja melhor inseri-los em escolas especiais. Alguns acreditam que eles devem ser adaptados as escolas, outros acreditam que estas devem adaptar-se a eles. Esse debate tem se tornado fecundo e três aspectos devem ser ressaltados aqui.

O primeiro aspecto a ser ressaltado diz respeito à diferença entre a educação especial e a educação inclusiva. A educação especial tem por princípio o ensino separado da educação das crianças com necessidades especiais, fora do ensino regular. Isso tem por base a crença de que as necessidades das crianças com deficiência não podem ser supridas nas escolas regulares, apresentando assim uma grande variedade de escolas especiais, de freqüência diária ou internatos e pequenas unidades ligadas à escola de ensino regular. Já a educação inclusiva tem uma atenção especial à diversidade inerente à espécie humana, tentando responder à diversidade dos alunos. Ela busca perceber e atender as necessidades especiais de todos os alunos em salas de aula comuns, em um sistema regular de ensino de forma a promover a aprendizagem e o desenvolvimento pessoal de todos.

Fica evidente que a educação especial, ou seja, a inserção de portadores de necessidades especiais em escolas de educação especial fora do ensino regular, acabam segregando, estabelecendo diferenças entre crianças “normais” e crianças “anormais” ou “com problemas”, demarcando espaços próprios para cada grupo. Isso tem como conseqüência à retirada de um espaço de convivência sadia entre pessoas normais, porém com diferenças a serem respeitadas.

O segundo aspecto a ressaltar, diz respeito à diferença entre ensino integrado e o ensino inclusivo. O ensino integrado pressupõe que a criança, como portadora do problema necessita ser adaptada aos demais estudantes freqüentando as escolas regulares. Em outras palavras, pressupõe que a criança problemática se reabilite e possa ser integrada, ou não obterá sucesso. Já o ensino inclusivo reconhece que todas as crianças são diferentes e que as escolas e sistemas de educação precisam utilizar diferentes métodos para responder às diferentes necessidades, capacidades e níveis de desenvolvimento individuais.

Podemos perceber como o ensino inclusivo corresponde mais e melhor as necessidades dos portadores de necessidades especiais, pois requer uma alteração no sistema escolar, e como o sistema integrado é falho por ser limitado, pois se o sistema escolar se mantém inalterado, apenas algumas crianças serão integradas. Mas, apesar disso, o ensino integrado muitas vezes é visto como um passo em direção à inclusão.

Internacionalmente a educação inclusiva tem sido vista como um direito de todos, como foi ressaltado no artigo 24 de um acordo celebrado em 25 de agosto de 2006 em Nova Yorque, por diversos Estados em uma Convenção preliminar das Nações Unidas, sobre o direito das pessoas com deficiência.

No Brasil, o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade, iniciado em 2003, pelo Ministério da Educação - Secretaria de Educação Especial e que contava em 2006 com 144 municípios-pólo que atuam como multiplicadores da formação para mais 4.646 municípios da área de abrangência, prevê disponibilidade de equipamentos mobiliários e material pedagógico para que sejam implantadas salas de recursos para viabilização de atendimento nos municípios pólos, apoiando o programa de inclusão educacional na rede pública de ensino regular. Visa também à formação de professores inclusivistas nos 144 municípios pólos.

Faz-se, então, extremamente necessário o reforço desse programa e a sua expansão, pois tem sido a melhor opção para inserção, integração e promoção da emancipação das pessoas portadoras de necessidades especiais.

A educação inclusiva deveria ser uma meta do Estado e da sociedade civil e contar com órgãos de fiscalização da implantação e implementação das ações em direção a inclusão plena.

O terceiro aspecto a ressaltar diz respeito à responsabilidade dos municípios brasileiros no que diz respeito à promoção da educação dos portadores de necessidades especiais da creche ao ensino fundamental, prioritariamente. Conforme a LDB, os municípios devem oferecer prioritariamente o ensino fundamental (artigo 11 inciso 5)

Segundo a Lei n� 7.853 de 24 de Outubro de 1989, Lei das Pessoas Portadoras de Deficiência, artigo 2�, cabe ao Poder Público e seus órgãos assegurar as pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos a educação. No inciso I, alínea c, institui que os órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta devem promover a oferta, obrigatória e gratuita, da Educação Especial em estabelecimentos públicos de ensino.

No entanto, apesar das modernas teses de municipalização, são muitos os desafios e obstáculos enfrentados nos municípios.

Em Macaé, cidade localizada na região Norte Fluminense do Rio de Janeiro, segundo a Pesquisa Domiciliar do Programa Macaé Cidadão 2001-2003, existem 546 portadores de necessidades especiais com idades de 0 a 24 anos, onde apenas 157 freqüentam a escola. Com base nestes dados podemos concluir que o acesso à escola aos portadores de necessidades educacionais especiais é muito restrito. Essa situação se agrava ainda mais para os portadores de necessidades educacionais afrodescendentes. Num total de 272 portadores brancos em idade escolar, 33,09% freqüentam a escola, enquanto que, dos 269 portadores afrodescendentes, somente 24,91% freqüentam a escola.

Segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 10% da população brasileira portam algum tipo de deficiência. Desses, menos de 3% estão recebendo algum tipo de atendimento educacional.

O percentual de crianças, jovens e adultos atendidos educativa e sistematicamente ainda é insuficiente face à enorme demanda.

Esses índices são inaceitáveis, se considerarmos que o direito a educação de pessoas especiais, ou seja, de pessoas portadoras de deficiência, esteja garantido na Constituição Federal de 1988 e ainda por uma ampla legislação que regulamenta a Educação Especial no Brasil:

  • Lei n� 9394/96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) – Cap. V artigo 58;

  • Lei n� 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA);

  • Lei n� 10.098/94 – Acessibilidade;

  • Lei n� 7853/89 – CORDE – Apoio às pessoas portadoras de deficiência – artigo 2� inciso I;

  • Lei n�8. 899, de 29 de junho de 1994 – Passe Livre;

  • Lei n� 10.845, de 5 de março de 2004 – Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência; e outras leis.

Ainda devo enfocar aqui uma outra dificuldade encontrada pelos deficientes físicos que é quanto à locomoção. Segundo o artigo 5�, inciso XV da Constituição Brasileira, todos temos o direito de ir e vir. Mas de que adianta ter esse direito se as condições para isso não são dadas?

Embora a questão da acessibilidade tenha sido sempre colocada em pauta, poucas ações têm sido feitas neste sentido. As calçadas continuam desniveladas, os meios de transporte, em sua maioria, continuam sem adaptação.

Instituir o passe livre (lei n�8. 899, de 29 de junho de 1994) não resolve todo o problema, mas somente parte dele. Não basta ter gratuidade nos meios de transporte; é preciso que estes estejam adaptados. Não basta ter escolas que aceitem os deficientes físicos; é precisam que estas se adaptem a eles e eles se adaptem a elas (como quaisquer outros alunos).

È preciso que as condições para a inserção dos portadores no sistema de educação sejam dadas em plenitude.

Defendo a não segregação dos portadores de necessidades educacionais especiais em escolas de educação especial fora do ensino regular, e apoio à efetivação da Educação Especial no ensino público, em escola de ensino regular, de qualidade e inclusiva, onde sejam respeitadas e trabalhadas as diferenças. Onde o preconceito e a discriminação sejam postos de lado promovendo um espaço democrático e de convivência sadia de pessoas diferentes, porém conscientes de que não são nem inferiores nem superiores, mas iguais em direito.

Isso exige um esforço muito grande de mobilização das comunidades municipais brasileiras, tendo como estratégia fundamental uma política de educação para todos, sem qualquer forma de exclusão. Somado a este fator, deve haver também um esforço da sociedade civil em cobrar do Poder Público esta tarefa.

È imprescindível e urgente a implantação e implementação de um sistema educacional eficaz que atenda realmente aos portadores de necessidades educacionais especiais e que não esteja somente posto em leis assinadas, acordadas e não cumpridas. È necessário efetivar a educação para todos.

































Referências bibliográficas

Constituição Federal de 1988

Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei n� 8.069, de 13 de julho de 1990.

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n� 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

Lei da Pessoa Portadora de Deficiência Física – Lei n� 7.853, de 24 de outubro de 1989.

OLIVEIRA, Luiz Fernandes.Exclusão étnico-racial: um mapeamento das desigualdades étnico-raciais no município de Macaé. Análise sociológica da pesquisa domiciliar do programa Macaé Cidadão.Macaé: Prefeitura Municipal de Macaé/Programa Macaé Cidadão, 2005.

Site:http://pt.wikipedia.org.br


Autor: Juliana A. Santana


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