Os Princípios E O Ordenamento Jurídico Aberto



OS PRINCÍPIOS  E O ORDENAMENTO JURÍDICO ABERTO

Mariana Pretel e PRETEL*

Introdução

O objetivo do presente estudo se concentra na investigação da importância dos princípios jurídicos em um ordenamento jurídico aberto, uma vez que se encontra definitivamente superado o pensamento positivista, discutindo a distinção existente entre princípios e regras, ponderando acerca da admissibilidade de princípios explícitos e implícitos e asseverando a posição da Constituição como vértice axiológico de um sistema jurídico aberto.  

Palavras-chave: Princípio. Distinção entre princípios e regras. Princípios constitucionais. Princípios explícitos e implícitos. A função dos princípios em um ordenamento jurídico aberto. A Constituição Federal como vértice axiológico do sistema jurídico aberto.

Conceito de princípio.

A palavra princípio tem origem no latim “pricipium”, que significa início, começo, origem das coisas. A noção de princípio, ainda que fora do âmbito do saber jurídico, sempre se relaciona a verdades fundamentais e orientações de caráter geral. Explica Paulo Bonavides (1998, p. 228) que deriva da linguagem da geometria, “onde designa as verdades primeiras”.

A expressão é utilizada nas ciências em geral, como na política, física, filosofia, entre outros sempre designando a estruturação de um sistema de idéias ou pensamentos por idéia mestra, tida como um verdadeiro alicerce.  

Assim define Miguel Reale (1986, p. 60):

“Princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a da porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições que, apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários”.

E completa Walter Claudius Rothenburg (1999, p. 51):

“Os princípios são compreendidos de acordo com uma concepção sistêmica do ordenamento jurídico. Por sua própria definição, eles reportar-se-iam a um conjunto concatenado, enquanto “mandamentos nucleares”, base ou fundamento, “traves mestras jurídico-constitucionais””.

Teresa Negreiros (1998), a seu turno, também ressalta a noção de que os princípios seriam guias, formas de orientação, normas providas de alto grau de generalidade e indeterminação, numa posição elevada de hierarquia, atuando como vetor para todo o sistema jurídico e dispõe que o próprio Superior Tribunal de Justiça já os considerou como “valores essenciais à perpetuação do Estado de Direito”.

Ora, fora disposto que os princípios se caracterizam como verdadeiros mandamentos nucleares do ordenamento jurídico. Por derradeiro, parece absurda e insustentável a noção de que, em razão de sua suposta natureza transcendente, os princípios sejam considerados como meras exortações ou simples preceitos de cunho moral. Pelo contrário, são portadores dos mais altos valores de uma sociedade, os quais são transformados em preceitos jurídicos e revelam as decisões políticas fundamentais de cada Estado.

Todavia, tem-se como oportuna a afirmação de que os princípios não se confundem com valores. Os princípios são normas, expressam juízos de dever ser, deontológicos, comandos, proibições e permissões, enquanto que os valores, não.

A distinção entre princípios e regras.

Pode se ponderar que hoje se encontra suplantada a dissociação dos conceitos de normas e princípios, o que levava muitos estudiosos a incorrerem no erro primário de igualar as regras às normas. As normas jurídicas devem ser tidas como um gênero, do qual princípios e regras são espécies distintas. Todavia, não há uniformidade entre os critérios adotados pelos doutrinadores brasileiros ou estrangeiros para uma perfeita distinção entre princípios e regras jurídicas.

O critério de distinção mais mencionado pelos juristas é aquele criado por Canotilho, que considera o grau de abstração dos princípios e o seu caráter fundante.

Quanto à primeira característica, os princípios possuiriam um grau de abstração mais amplo do que o das regras e careceriam de mediações concretizadoras, ao passo que as regras seriam suscetíveis de aplicabilidade direta. Nas palavras de Nelson Rosenvald (2005, p. 45):

“Certamente, os princípios possuem um grau de abstração mais elevado, pois não se vinculam a uma situação específica, na medida em que estabelecem um estado de coisas que deve ser efetivado, sem que se descreva qual o comportamento devido”.

Por outro lado, com relação ao caráter fundante, ressalta-se que uma regra pode ser geral, sem assumir os contornos de regra principal, ou seja, sem contar com o caráter fundante, enquanto que os princípios sempre possuíram esta característica, posto que, na sua própria definição, são tidos como orientações de caráter geral. Ademais, os princípios possuem um papel fundamental no ordenamento devido à sua posição hierárquica no sistema.  

Ainda nos dizeres de Nelson Rosenvald (2005, p. 44-45):

“J.J. Gomes Canotilho sugere alguns critérios de distinção entre regras e princípios. Os princípios possuem grau de abstração mais elevado que as regras; carecem de concretização judicial por serem vagos e indeterminados; os princípios possuem papel fundamental no ordenamento em decorrência de sua posição hierárquica superior e importância estruturante; por fim, detêm natureza normogenética, sendo fundamento das regras que estão na base, pois sua idoneidade irradiante lhes permite cimentar objetivamente todo o sistema constitucional”.

E, no mesmo sentido, Walter Claudius Rothenburg (1999, p. 16):

Canotilho (1993; 166-7) considera, dentre os aspectos essenciais: a ‘proximidade’ dos princípios em relação à idéia básica de Direito que orienta a ordem jurídica; o ‘caráter de fundamentalidade’ desempenhado pelos princípios enquanto fontes primeiras de Direito – ‘devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex: princípio do Estado de Direito)’; a ‘natureza normogenética’ dos princípios, ou seja, ‘normas que estão na base ou constitutuem a ratio de regras jurídicas’.

Assim, os princípios teriam uma maior proximidade com a idéia básica de direito que orienta a ordem jurídica, além do caráter de fundamentalidade e a natureza normogenética. 

A existência de princípios explícitos e implícitos.

Conforme disciplina Judith Martins-Costa (2000), os princípios em nosso ordenamento jurídico, hoje, podem se encontrar expressos por dicção legislativa ou inexpressos (implícitos), sendo formulados por dicção judicial (à vista da racionalidade do sistema ou do conjunto normativo aplicável a certo tempo), sempre com caráter fundante.

Existem doutrinadores que procedem a uma distinção entre os princípios positivos do direito e princípios gerais do direito. Os primeiros seriam aqueles que já pertencem à linguagem do direito, enquanto estes, os que seriam valorados segundo as análises descritivas da ciência jurídica, descobertos no ordenamento positivo (existem independentemente de expressão nas normas legais, porque nelas não se esgotam).

Neste contexto, é pertinente a posição de Gordilho Canaas (1995) apud Negreiros (1998, p. 115) de que “o princípio ainda quando legalmente formulado, continua sendo princípio, necessitando por isso de desenvolvimento legal e de determinação casuística em sua aplicação judicial”.

Para o presente estudo, interessa a fixação da premissa de que a Constituição de 1988, ao mesmo tempo em que expressamente dispôs alguns princípios, também atuou como fonte de inspiração de diversos outros princípios, ditos implícitos, em nosso ordenamento jurídico.  Em outras palavras, a concepção de princípios, enquanto normas constitucionais, considera tantos os princípios assentados no texto da própria Magna Carta, quanto os princípios constitucionais implícitos ou deduzidos.

A maioria dos doutrinadores é unânime em reconhecer a existência dos princípios constitucionais implícitos, atribuindo-lhe caráter e força normativa.

Princípios constitucionais.

Tal qual já se fora disposto, a Constituição Federal de 1988, além de elencar expressamente alguns princípios, funciona como uma fonte de inspiração para  diversos outros, considerados implícitos. 

Os princípios constitucionais são as normas a que o legislador constituinte concebeu como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui, decorrentes de verdadeiras opções políticas. São os valores mais relevantes de determinada ordem jurídica. Nas palavras de Luís Roberto Barroso (1999, p. 147 a 149):

 

O ponto de partida do intérprete há que ser sempre os princípios constitucionais, que são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie [...] A Constituição, como já vimos, é um sistema de normas jurídicas. Ela não é um simples agrupamento de regras que se justapõem ou que se superpõem. A idéia de sistema funda-se na de harmonia, de partes que convivem sem atritos. Em toda ordem jurídica existem valores superiores e diretrizes fundamentais que ‘costuram’ suas diferentes partes. Os princípios constitucionais consubstanciam as premissas básicas de uma dada ordem jurídica, irradiando-se por todo o sistema. Eles indicam o ponto de partida e os caminhos a serem percorridos.

E pondera Augusto Zimmermann (2006):

Podemos analogamente avaliar que os princípios fundamentais são como luzes irradiantes para a interpretação constitucional. Afinal, eles provêm o interprete com elementos axiológicos para uma razoável interpretação e, assim sendo, desenvolvem uma lógica sistêmica ao ordenamento constitucional. Indiferentemente ao grau de abstração revelada pelo ordenamento constitucional, cada princípio oferece uma capacidade de enquadramento valorativo de normas jurídicas do ordenamento constitucional, servindo a adequação de regras (ou normas jurídicas) aos casos concretos. Deste modo, a interpretação constitucional encontra-se operacionalizada por princípios que então procedem à justificação valorativa das regras do direito positivo. Por isso, os princípios constitucionais agiriam como ‘agentes catalisadores’ do ordenamento constitucional, definindo estratégias razoáveis de interpretação. Pois que cada princípio emanaria uma dose de legitimação à constituição, fazendo-se desta última muito mais do que um simples aglomerado de regras jurídicas desconexas umas com as outras. Antes de tudo, a desconsideração dos princípios constitucionais destruiria à própria integridade do corpo constitucional, em função da imperativa necessidade de reconhecimento de uma certa conexão elementar entre princípios e a própria normatividade do texto constitucional. Os princípios constitucionais, portanto, demandam análise direcionada à legitimidade de regras, ou normas jurídicas. Estes princípios não se identificam apenas com um único caso concreto, mas com uma percepção mais genérica do ordenamento jurídico. Como podemos deduzir, os princípios desfrutam de posição hierárquica superior em relação às normas jurídicas, haja à vista representarem guiding-forces, ou valores coordenativos, da totalidade do ordenamento jurídico-constitucional.

Considerando-se que toda interpretação do ordenamento se assenta no pressuposto da superioridade hierárquica da Constituição sobre os demais atos normativos, podemos concluir que são os valores supremos que garantem a validade de toda a legislação do Estado.

A concepção de ordenamento jurídico aberto.

O ordenamento jurídico aberto, conceitualmente, é aquele em que se encontram, de maneira harmônica, regras e princípios, sendo que estes são considerados um verdadeiro elo entre o jurídico e o não-jurídico.

Trata-se de um sistema jurídico em que o Código não visa a perfeição ou a plenitude, evidenciando-se um direito mais flexível, em que se busca uma nova adequação à vida, operando como um instrumento para o cumprimento da função social.

O sistema se encontra constantemente em construção. O Estado não é considerado como fonte única de produção jurídica, e sim, são valorizados costumes e crenças populares, as quais são retrabalhadas tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência. Admitem-se fontes diversas, ainda que não sejam imediatamente legislativas. 

Nas palavras de com Teresa Negreiros (1998, p. 162-163):

Sustentar a abertura do sistema jurídico significa admitir mudanças que venham de fora para dentro, ou, em termos técnicos, que provenham de fontes não imediatamente legislativas; significa, por outras palavras, admitir que o Direito, como dado cultural, não se traduz num sistema de ‘auto-referência absoluta’.

Complementadas por Clóvis do Couto e Silva (1997, p. 43):

A concepção de sistema aberto permite que se componham valores opostos, vigorantes em campos próprios e adequados, embora dentro de uma mesma figura jurídica, de modo a chegar-se a uma solução que atenda a diversidade de interesses resultantes de determinada situação. [...] Somente o sistema aberto pode abranger todas as situações [...]. 

Do sistema podem ser deduzidos princípios, os quais, em um momento posterior, servem de vetores do mesmo ordenamento jurídico. Há a concepção dos “princípios gerais do direito”, recolhidos no código e com a função de suplementar as leis. Podem ser conciliados valores opostos. O juiz não é mero aplicador da lei, não devendo seguir um raciocínio lógico-dedutivo, próprio das ciências exatas, mas, pelo contrário, deve aplicar a lei após a realização de uma reflexão em sede do caso concreto, analisando a doutrina, a jurisprudência, os costumes, os princípios. Os doutrinadores ensinam o direito e não as leis, que podem ser eivadas de diversos vícios e incompletudes. Há maior abertura das decisões judiciais à doutrina. O legalismo não é predominante. É reduzida a importância do dogma da vontade.

As regras não anseiam atingir o mais alto grau de exatidão, mas, pelo contrário, admitem ser complementadas.

De acordo com o entendimento de Judith Martins-Costa (2000), o sistema aberto possui uma espécie de “energia expansiva” capaz de exprimir ulteriores princípios e de preencher lacunas.   

A Constituição e os princípios nesta embutidos condicionam a interpretação das demais normas e possibilitam o desenvolvimento de cláusulas gerais e outros princípios.

Os princípios e sua função em um ordenamento jurídico aberto (Pensamento pós positivista).

Na antiga e já deveras superada postura positivista, os princípios só assumiam importância quando houvesse lacunas na ordem jurídica. Contemporaneamente, contudo, pode se dizer que se operou uma completa revolução nas concepções principiológicas do direito. Encontra-se superada a fase das grandes codificações e a maioria dos ordenamentos jurídicos, dentre os quais o brasileiro, insere-se em um sistema aberto, sendo possibilitada a coexistência de normas e princípios jurídicos.

Pode se ponderar que o Pós-Positivismo é a designação provisória e genérica deste contexto, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada Nova Hermenêutica Constitucional, e a teoria dos direitos fundamentais, edificada sobre o fundamento da dignidade da pessoa humana.

A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre direito e ética.

A Constituição Federal como vértice axiológico do ordenamento jurídico aberto.

Pode-se afirmar, sem exagero, que o pós-positivismo promoveu o encontro da norma com a ética, com a introdução aos ordenamentos de ideais de justiça e valores sociais materializados sobre a forma de princípios.

Acrescente-se a isso que, no pós 2a Guerra Mundial, as Constituições passaram a emitir decisões políticas fundamentais, determinando-se as prioridades dos ordenamentos jurídicos.

Os princípios jurídicos, ao mesmo tempo em que representam valores sociais, dão unidade ao sistema jurídico e também condicionam toda a interpretação e aplicação deste.

A Constituição Federal, tal qual já se fora ponderado, possui uma gama de parâmetros e princípios que devem ser acatados por todas as demais fontes do direito. Ora, por conseguinte, tem-se que a Magna Carta se configura como verdadeiro vértice axiológico do sistema jurídico aberto.

Os princípios constitucionais seriam verdadeiros alicerces de todo o ordenamento jurídico e permitiriam uma constante evolução interpretativa. Poder-se-ia afirmar, que os princípios desempenham a função de dar fundamento material e formal aos subprincípios e às demais regras integrantes da sistemática normativa.

Segundo preceitua Camila Gomes Sávio (2004):

[...] Cabe relevar que nossa Carta Magna recebeu com grande iluminação a sistematização democrática, que se baseia em princípios que permitem uma constante evolução interpretativa, ligados pelos princípios universais de direitos humanos, processos e procedimentos democráticos constitucionalmente previstos, e pela livre expressão da vontade consciente dos cidadãos.

E Ruy Samuel Espíndola (1999, p. 74):

[...] No Direito Constitucional é que a concepção de fundamento da ordem jurídica como ordem global se otimiza diante da teoria principialista do Direito. Assim, os princípios estatuídos nas Constituições – agora princípios constitucionais -, ‘postos no ponto mais alto da escala normativa, eles mesmos, sendo normas, se tornam, doravante, as normas supremas do ordenamento’.

 

A Lei Maior, compreendendo a importância dos princípios em nosso ordenamento e também a sua função de vértice axiológico do sistema jurídico, ao mesmo tempo em que expressamente dispôs alguns princípios, admitiu ser fonte de inspiração de diversos outros princípios, expressamente dispondo em seu artigo 5o, § 2o, que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 

É pertinente a observação de Ruy Samuel Espíndola (1999, p. 71) que “sem dúvida, a teoria dos princípios é, antes de tudo, um capítulo deveras rico e inovador na teoria jurídica contemporânea, na era do pós-positivismo”. 

Acrescente-se, ainda, que, em nosso sistema, é admitida a interpretação evolutiva da Constituição, de acordo com Luís Roberto Barroso (1999, p. 144):

A interpretação evolutiva é um processo informal de reforma do texto da Constituição. Consiste ela na atribuição de novos conteúdos à norma constitucional, sem modificação de seu teor literal, em razão de mudanças históricas ou de fatores políticos e sociais que não estavam presentes na mente dos constituintes.

A interpretação evolutiva da Constituição consiste, por derradeiro, na possibilidade de consideração dos princípios como formas de interpretação dos valores supremos, sem a necessidade de um processo revolucionário para o reconhecimento de novos preceitos.

Os princípios adotados pela Lei Fundamental podem alterar a compreensão de conceitos e institutos já existentes em um determinado momento (situação de tempo e espaço).

A aplicabilidade dos princípios constitucionais no sistema jurídico aberto.

Os princípios jurídicos são os fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica. Na verdade, não se configuram apenas como lei, mas como o próprio direito em toda a sua extensão e abrangência.

As regras jurídicas são criadas para ter vigência em situações fáticas concretas, para uma específica hipótese, com a superação das demais regras que disponham de maneira diversa, posto que o ordenamento não admite normas incompatíveis. Conseqüentemente, foram desenvolvidos critérios de resolução das possíveis antinomias do sistema (conflitos aparentes de normas), quais sejam, os métodos da especialidade, hierarquia e cronologia. Na imensa maioria das vezes, haverá a invalidade de uma das regras (excepcionalmente, tem-se como possível uma ponderação no plano da aplicação, conferindo-se valor maior a uma delas).

Todavia, tal sistemática não é, de modo algum, aplicável aos princípios.

É grande o número de princípios existentes em nosso ordenamento jurídico (sendo que, por óbvio, todos devem possuir fundamento na Lei Fundamental, sejam expressos ou implícitos, como já fora afirmado) e tais necessitam  de convivência e conciliação, uma vez que são igualmente vigentes e operantes.  Eventualmente, podem os princípios se encontrarem em uma situação colidente. Neste caso, não haverá a revogação ou invalidação de um deles, mas, pelo contrário, uma ponderação de valores, atribuindo-se um determinado peso a cada um deles diante do caso concreto.

Assim leciona Nelson Rosenvald (2005, p. 48):

Os princípios colocam-se em estado de tensão, passível de superação no curso da aplicação do direito. O sentido dos princípios só será alcançado na ponderação com outros de igual relevância axiológica, pois operam em par, em complementariedade. Eles são prima facie, pois enquanto nas regras o comportamento já é objeto de previsão textual – elas pretendem gerar uma solução específica para o conflito – os princípios não portam consigo juízos definitivos do dever-ser, eles não determinam diretamente a conduta a ser seguida, apenas estabelecem fins normativamente relevantes, cuja concretização demandará intensa atividade do aplicador do direito. O princípio não aspira a obtenção de uma solução específica, mas soma-se a outras razoes para a tomada de decisões. Assim, será na dimensão do peso que se realizará uma harmonização entre os princípios e suas diretrizes valorativas, a ponto de afastar um deles no caso concreto, solucionando-se o campo de tensão. Não se cogitará de invalidação, apenas de preponderância de determinada hipótese, visto que nada impedirá que, em outras circunstâncias, o princípio deslocado prevaleça em face da predominância de sua capacidade argumentativa.  

Ora, de acordo com o método de harmonização, cada princípio específico poderá prevalecer numa dada circunstância. Na fase pós-positivista, a eficácia normativa conferida aos princípios não se assenta sobre imperativos lógicos ou critérios de validade das leis, mas de ordem valorativa.

Coloca-se à jurisprudência a tarefa de promover a real concretização dos princípios.

Conclusões.

Atualmente, encontra-se superada a fase das grandes codificações, sendo que a imensa maioria dos ordenamentos jurídicos (incluindo o brasileiro) se insere dentro de um sistema aberto, no qual é possibilitada a coexistência de normas e princípios jurídicos. O sistema é dinâmico e, conseqüentemente, mutável, posto que modificável é a sua base de sustentação, quais sejam, as relações sociais. Neste contexto, insere-se a importância dos princípios, em especial, àqueles elencados, explícita ou implicitamente, na Constituição Federal, atuando como verdadeiros vértices axiológicos do ordenamento jurídico. Estes são considerados como verdadeiros alicerces de todo o ordenamento, permitindo uma constante evolução interpretativa e desempenhando a função de dar fundamento material e formal aos subprincípios e às demais regras integrantes da sistemática normativa. Por derradeiro, deve se atentar que os princípios, no que pertine à sua aplicabilidade, não seguem os critérios rígidos das normas e leis, mas sim critérios de ponderações de valores, possibilitando que, em cada caso concreto, seja feita a justiça adequada. Assim, portanto, verifica-se a importância do teoria principiológica no ordenamento jurídico aberto, evidenciando o alcance dos anseios sociais.

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Autor: Mariana Pretel


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