Sandplay E Psicossomática



“Face a dor psíquica, às divisões internas, aos traumatismos universais e pessoais que a vida inevitavelmente provoca, o homem é capaz de criar uma neurose, uma psicose, um escudo caracterial, uma perversão sexual, sonhos, obras de arte e doenças psicossomáticas.” 
 Joyce MacDougall (1983) 

Resumo

Através dos conceitos de somatização e doença psicossomática, a autora tenta mostrar como o Sandplay ou Jogo de Areia, pode ser um instrumento de trabalho de grande valia, possibilitando um canal de comunicação e de expressão de sensações deste período que é pré-verbal, pré-simbólico, onde o corpo é usado como linguagem. O sintoma simbolizado no corpo passa a ser simbolizado na caixa encontrando um espaço mais saudável de expressão.         
 
* Psicóloga Clínica. Diretora de Divulgação e Publicidade da ABMP, aluna do Curso de Aperfeiçoamento em Psicologia Médica - UFMG

Introdução

Segundo Yoshiaki Ohki, na doença psicossomática, para começar, não temos apenas um conflito psíquico, mas sim um déficit psíquico onde há uma deficiência no processo de simbolização.

Melanie Klein descreveu que os processos que impedem a simbolização também impedem a formação do Ego, ou seja, onde não ocorre a simbolização, não há o sentimento de Eu.

Freud também demonstrou que no início o Ego é um Ego Corporal, e só mais tarde se transforma em Ego Psíquico.

Para a Psicanálise o corpo e a mente formam um continuum funcional e o Ego Corporal mimetiza a fisiologia, o funcionamento do corpo, que é pré-verbal, pré-simbólico e pré-conceitual.

O bebê não diz: “Eu sinto a dor”, mas sim “Eu sou a dor”. Aqui não existe a distinção entre o símbolo e o simbolizado. Isto quer dizer que toda área psíquica oral não é limitada à zona oral, porque todas as sensações físicas são sentidas como orais.

Até o bebê perceber o Eu e o não-Eu, sua mente só consegue prover as necessidades do organismo e estas necessidades são as experiências mentais de algo que foi fisicamente perdido. Por exemplo, se perdeu o seio, isto é sentido como tendo perdido parte de seu corpo, pois aqui, ainda não há a percepção de Eu e não-Eu e daí, toda separação ser sentida como uma dor de amputação. 

J. Mc Dougall (1987) descreveu que a expressão somática é uma tentativa de se proteger contra as sensações primitivas de perigo e ameaça de morte, bem como, de comunicar esta angústia que não pode ser simbolizada nem pensada. Essa explosão no corpo tem uma função de ato, de descarga, por carência na elaboração psíquica e falha na simbolização, as quais são compensadas pelo ato-sintoma para reduzir a dor psíquica. Todo ato-sintoma ocupa o lugar de um sonho nunca sonhado. A expressão psicossomática é o horizonte destes atos-sintomas que tomam o lugar do imaginário e da capacidade de sentir. É a regressão mais profunda e primária do ser. Esta regressão ocorre por falha na maternagem continente.

Segundo ela, a somatização como resposta, tanto aos conflitos internos como às catástrofes externas, encontra-se entre as expressões mais banais que o homem é capaz de fornecer. É possível até que muito mais pessoas mantenham o equilíbrio psíquico produzindo somatizações, do que criando sintomas neuróticos ou psicóticos.

Uma parceria interessante

Ruth Ammann, em seu livro “A terapia do Jogo de Areia” diz que através da psicoterapia, adultos e crianças encontram dentro de si “a criança pequena”, que não consegue dizer “onde dói”. Nesse instante temos de usar nosso poder de observação e, figurativamente, usar todos os sentidos para descobrir o sofrimento recôndito da pessoa.

O método terapêutico do Jogo de Areia é primeiro, a possibilidade de incluir o corpo, tão negligenciado na análise ou terapia.

Através do trabalho manual, criativo na caixa de areia, é ativado e posto em movimento não só o corpo do analisando, mas também, freqüentemente, o estado físico do analisando se torna nitidamente visível através dos cenários.

Assim como o bebê olha o rosto da mãe como se olhasse para um espelho, a caixa de areia passa a ser também um espelho, com a diferença que as suas projeções na caixa não correm o risco de serem decodificadas e devolvidas de forma distorcida ou contaminadas por este outro.

Ele projeta e tem a possibilidade de se ver nas suas projeções através das imagens que constrói na areia.

Projetando e introjetando, desta forma vai reconstruindo seu mundo interior.

Quando o analisando leva depois a imagem interna consigo, a imagem do seu cenário, ela está carregada com as energias que atuavam no momento de sua criação. Se considerarmos que o cenário é o fruto de sua ação ou, em sentido figurado, “o filho” é algo muito especial que, de um lado, necessita de proteção e, de outro, algo que carrega uma energia de desenvolvimento muito grande.

Nesta situação o analista desempenha não somente a função de parteiro, mas ele é também a testemunha desse nascimento, e isso é essencial. Justamente as pessoas psiquicamente doentes que procuram o processo curativo através do Jogo de Areia têm muita dificuldade de se aceitar ou até de se reconhecer. Quando o analista reconhece e aceita o cenário como parte do analisando, aceita o próprio analisando. Através da postura de valorização com o qual o analista se depara com o cenário e com o próprio analisando, ensina ao analisando a valorizar o mundo externo e o seu próprio mundo interno.

Torna real a energia amorfa do seu mundo imaginário interior por meio do mundo concreto, em nosso caso a areia, e transforma novamente essa criação concreta em imagem interior. Essa imagem interna agora tem forma nova, é nova criação, pois a idéia, inicialmente amorfa, foi se transformando pela força criativa individual levando em consideração o mundo concreto existente.         

Ruth Ammann fala de três tipos de consciência: a consciência racional, consciência imaginativa, estando mais perto do inconsciente, sendo, portanto mais espontânea, movimentada e viva do que a consciência racional, factual e uma terceira consciência, a consciência corporal, a mais difícil de ser descrita em palavras. Só podemos tornar acessível corretamente um determinado nível de consciência através do seu meio próprio de expressão.

A consciência corporal só pode ser vivenciada e descrita acertadamente através do corpo, muito evidente na dança e mais oculta no dia a dia, na vivência e movimentação do corpo.

Vivenciamos essa consciência corporal num relacionamento amoroso íntimo ou na relação mãe e filho, onde essa troca muito sutil, não verbal e não imagético de energias corporais acontece. Não é à toa que a mãe ou o pai carrega a criança aconchegada no coração ou na barriga, pois é na região da barriga que experienciamos o centro da consciência corporal.

Os diferentes tipos de consciência descritos estão totalmente desenvolvidos em algumas pessoas, quer dizer acessíveis conscientemente. Em outras estão pré-conscientes, inconscientes, atrofiados, feridos, em todo caso não totalmente acessíveis, mas na grande maioria passíveis de desenvolvimento.

No método terapêutico do jogo de areia, na fase criativa, primeiramente, são solicitadas e desenvolvidas a consciência corporal e a consciência imagética, e depois na interpretação das imagens, a racional. 

Conclusão:

Associar a construção de cenários ao trabalho terapêutico tem enriquecido muito a minha prática clínica e possibilitado aos meus clientes  um outro espaço de expressão das suas angústias, medos, agressividades, enfim, abre-se um canal de comunicação daquilo que não se pode descrever em palavras, daquilo que não se pode nomear, apenas sentir.

Referências bibliográficas:

AMANN, Ruth – A terapia da caixa de areia.  São Paulo: Vozes. 2000. 

MCDOUGALL, J. – Em defesa de uma certa anormalidade. Porto Alegre: Artes Médicas. 1989. 

REVISTA DA ABMP – Volume 06, Números 1 e 2, Somatização e Doença Psicossomática. São Paulo: Fundacentro. Junho de 2002.


Autor: Claudia Manrique


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