DOLO - Direito Civil



A lei não define o dolo. O art. 145 do Código Civil estatui que: "São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for sua causa". Dolo consiste em artifício, artimanha, engono, encenação, astúcia, desejo maligno tendente a viciar a vontade do destinatário, a desviá-la de sua correta direção.

Já o Código Civil português define o dolo no art. 253, primeira parte:  "Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante".

O dolo induz o declaratário, a erro, mas erro provocado pela conduta do declarante.

A definição de Clóvis (1980:219): "Dolo é artifício ou expediente astucioso, empregado para induzir alguém à prática de um ato jurídico, que o prejudica, aproveitando ao autor do dolo ou a terceiro".

O dolo tem em vista aproveitar de um individuo. A prática do dolo é ato ilícito, art. 186 do Código Civil.

Não devemos confundir o dolo nos atos ou negócios jurídicos com o dolo no Direito Penal. No penal é doloso o crime "quando o agente quis resultado ou assumiu o risco de produzi-lo" (art. 18, I, do Código Penal). É importante saber que, sendo o dolo um ato ilícito, tal ilicitude pode tipificar crime, e daí ocorrer que o dolo civil seja também dolo criminal, acarretando procedimentos paralelos, com pontos de contato entre ambos os juízos.

No campo do Direito Civil, o dolo, tem o condão de anular o negócio jurídico (arts. 145 e 171). Podendo ocorrer por um único ato ou por série de atos para atingir-se a finalidade ilícita do declarante, perfazendo uma conduta dolosa.

Para que se configure o dolo, são necessários três requisitos. O primeiro é a intenção de prejudicar por parte de quem o pratica. Segundo diz respeito aos artifícios fraudulentos utilizado pela parte que age com dolo.

Erro e Dolo

O erro mostra-se à vista de todos, da mesma forma que o dolo, ou seja, como representação errônea da realidade. A diferença reside no ponto que no erro o vício da vontade decorre de íntima convicção do agente, enquanto no dolo há o induzimento ao erro por parte do declaratário ou de terceiro. Como costumeiramente diz a doutrina: o dolo surge provocado, o erro é espontâneo (RT 557/161).

O dolo, na verdade, é tomado em consideração pela lei, em virtude do erro que provoca na mente do agente.

Conforme dispositivos legais, assim como existe erro essencial e erro acidental, há dolo principal ou essencial e dolo incidente, com iguais conseqüências; os primeiros implicam a anulabilidade e os segundos, não. O dolo essencial, assim como erro essencial, são aqueles que afetam diretamente à vontade, sem os quais o negócio jurídico não teria sido realizado, a mera alegação de erro é suficiente para anular o negócio.

Dolo, sua distinção de erro.

Planiol (Traité..., cit., v.1.n.283), que reconhece a semelhança entre os dois vícios e aponta, a importância em distingui - los:

Casos há em que a mera alegação do erro bastaria para conduzir o julgador a decretar a anulação do ato. Mas a prova do erro não é fácil, de modo que a vítima poderá caracteriza – lo mostrando o artifício doloso a que o outro contratante recorreu para ludibria - lá. E é menos difícil evidenciar o embuste derivado do dolo do que demonstrar que o consentimento se inspirou num pensamento secreto e errado.

O erro sobre o motivo do ato não defere ação de anulação. Mas, se tal motivo foi gerado pelo dolo do outro contratante, o negócio é anulável por dolo, embora não o fosse por erro.

Dolo e Fraude

A fraude é processo astucioso e ardiloso tendente a burlar a lei ou convenção preexistente ou futura. Já o dolo, surge concomitantemente ao negócio e tem como objetivo enganar o próximo. O dolo tem em mira o declaratário do negócio. A fraude tem em vista burlar dispositivo de lei ou número indeterminado de terceiros que travam contato com o fraudador. A fraude geralmente visa à execução do negócio, enquanto o dolo visa à sua própria conclusão.

Exemplo: há dolo quando alguém omite dados importantes para elevar o valor do seguro a ser pago no caso de eventual sinistro; há fraude se o sinistro é simulado para o recebimento do valor do seguro.

Tanto o dolo quanto a fraude são circunstâncias patológicas do negócio jurídico, como aspectos diversos do mesmo problema.

Requisitos do Dolo

Washington de Barros Monteiro (1977, v.1: 196) e Serpa Lopes (1962, v.1: 439) em uníssono enumeram os requisitos do dolo baseados em Eduardo Espínola:

''a) intenção de induzir o declarante a praticar o ato jurídico;

b) utilização de recursos fraudulentos graves;

c) que esses artifícios sejam a causa determinante da declaração de vontade;

d) que procedam do outro contratante ou sejam por estes conhecidos como procedentes de terceiros''.

O dolo essencial é mola propulsora da vontade do declarante. Deve estar na base do negócio jurídico. Caso contrário será dolo acidental e não terá potência para viciar o ato.

A intenção de prejudicar é própria do dolo. Lembra Serpa Lopes (1962:440) que o ato ou negócio é anulável ainda que a pessoa seja levada a praticar ato objetivamente vantajoso, mas que ela não desejava.

A gravidade dos atos fraudulentos de que costuma falar a doutrina não é definida em lei, implica o exame de cada caso concreto. Importa muito o exame da condição dos participantes do negócio. O dolo que pode ser considerado grave para a pessoa inocente em matéria jurídica pode não sê-lo para pessoa experiente e escolada no trato dos negócios da vida. Os artifícios astuciosos são da mais variada índole e partem desde a omissão dolosa até todo um complexo, uma conduta dolosa.

O art. 145 especifica o requisito de que o dolo deve ser a causa da realização do negócio jurídico. É o dolo principal. Dolo de base da vontade.

Por derradeiro, o dolo deve promanar do outro contratante ou, se vindo de terceiro, o outro contratante dele teve conhecimento (art. 148).

O silêncio intencional de uma das partes sobre fato relevante ao negócio também constitui dolo (RT 634/130).

O atual Código admite expressamente que o prazo para anular o negócio jurídico é de decadência, fixando-o em quatro anos, contado do dia em que se realizou o negócio (art. 178, II). O Código de 1916 também estabelecia esse prazo em quatro anos (art. 178, § 9o, V, b), definindo-o como prescrição, embora essa conceituação trouxesse dúvidas na doutrina.

Dolo Essencial e Dolo Acidental

A essencialidade é um dos requisitos para a tipificação do dolo (dolus causam dans - dolo como causa de dano). O dolo principal ou essencial torna o ato anulável. O dolo acidental, este definido no Código (art. 146), "só obriga à satisfação das perdas e danos".

No dolo essencial há vício do consentimento, enquanto no dolo acidental há ato ilícito que gera responsabilidade para o culpado, de acordo com o art. 186 do Código Civil.

Tanto no dolo essencial como no dolo acidental (dolus incidens), há propósito de enganar. Neste último caso, o dolo não é a razão precípua da realização do negócio; o negócio apenas surge ou é concluído de forma mais onerosa para a vítima. Não influi para a finalização do ato, tanto que a lei o define: "É acidental o dolo, quando a seu despeito o ato se teria praticado, embora por outro modo'' (Art. 146).

A contrario sensu, nos termos do art. 146, é essencial o dolo, que é a razão de ser do negócio jurídico. A jurisprudência tem seguido os ditames da doutrina, nesse sentido: "O dolo essencial, isto é, o expediente astucioso empregado para induzir alguém à prática de um ato jurídico que o prejudica, em proveito do autor do dolo, sem o qual o lesado não o teria praticado, vicia a vontade deste e conduz à anulação do ato" (RT 552/219).

De qualquer forma, a diferenciação entre essas duas modalidades é árdua. A tarefa cabe ao juiz que a examina no sopesamento e avaliação das provas.

Dolus Bonus e Dolus Malus

Na história do Direito, há dolo menos intenso, tolerado, que os romanos denominavam dolus bonus, opondo-o ao dolo mais grave, o dolus malus. O denominado dolo bom é, no exemplo clássico do passado, a atitude do comerciante que elogia exageradamente sua mercadoria, em detrimento dos concorrentes. É, em princípio, dolo tolerado a gabança, o elogio, quando circunstâncias típicas e costumeiras do negócio. É forma de dolo já esperada pelo declaratário. Assim se colocam, por exemplo, as expressões do vendedor: "o melhor produto"; "o mais eficiente"; "o mais econômico" etc. Em princípio, essa conduta de mera jactância não traz qualquer vício ao negócio, mas há que se ter hodiernamente maior cuidado tendo em vista os princípios do Código de Defesa do Consumidor e as ofertas de massa. Caberá ao caso concreto e ao bom-senso do julgador distinguir o uso tolerável do abuso intolerável e prejudicial no comércio.

O princípio é o mesmo do erro, incapaz de anular o ato jurídico, se inescusável. De qualquer forma, há um novo enfoque que deve ser dado a esse denominado dolo bom em face das novas práticas de comércio e dos princípios de defesa do consumidor.

Para que o dolo constitua causa de anulação do negócio jurídico há que ser grave; em outras palavras, a gravidade do dolo é a medida de sua intensidade.

Dolo Positivo e Dolo Negativo

O dolo positivo (ou comissivo) traduz-se por expedientes enganatórios, verbais ou de outra natureza que podem importar em série de atos e perfazer uma conduta. É comissivo, por exemplo, o dolo daquele que faz imprimir cotação falsa da Bolsa de Valores para induzir o incauto a adquirir certas ações; é comissivo o dolo do fabricante de objeto com aspecto de "antigüidade" para vendê-lo como tal.

O dolo negativo (ou omissivo) é a reticência, a ausência maliciosa de ação para incutir falsa idéia ao declaratário. Costuma-se dizer na doutrina, a ser admitido com certa reserva, que só há verdadeiramente dolo omissivo quando existe para o "deceptor" o dever de informar. Tal dever, quando não resulta da lei ou da natureza do negócio, deve ser aferido pelas circunstâncias. Nas vendas, por exemplo, o vendedor não se deve calar perante o erro do comprador acerca das qualidades que ordinariamente conhece melhor. Assim devemos operar nos contratos análogos. Em síntese: é sempre o princípio da boa-fé que deve nortear os contratantes e é com base nele que o julgador deve pautar-se.

A omissão dolosa deve ser cabalmente provada, devendo constituir-se dolo essencial.

São, portanto, requisitos do dolo negativo:

a) intenção de levar o outro contratante a se desviar de sua real vontade, de induzi-lo a erro;

b) silêncio sobre circunstância desconhecida pela outra parte;

c) relação de essencialidade entre a omissão dolosa intencional e a declaração de vontade;

d) ser a omissão do próprio contraente e não de terceiro.

 Nos contratos de seguro, há aplicação específica do dever de informação particularmente amplo, como estatui o art. 773 de nosso Código "O segurador, que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir, e, não obstante, expede a apólice, pagará em dobro o prêmio estipulado".

Dolo de Terceiro: Diferença de Tratamento da Coação Praticada por Terceiro no Código de 1916.

O dolo que conduz à anulação do negócio provém do outro contratante. Pode ocorrer, que terceiro fora da eficácia direta do negócio aja com dolo.

O art. 95 do Código de 1916: "Pode também ser anulado o ato por dolo de terceiro, se uma das partes o soube." O atual Código dispõe de forma mais descritiva: "Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou" (art. 148).

Uma hipótese, um individuo pretende comprar uma jóia, imaginando-a de ouro, quando na verdade não é. O fato de não ser de ouro não é ventilado pelo vendedor e muito menos pelo comprador. Um terceiro que nada tem a ver com o negócio, dá sua opinião dizendo que o objeto é de ouro. Com isso o comprador efetua a compra. Fica claro, aí, o dolo de terceiro. O fato, porém, de o vendedor ter ouvido a manifestação do terceiro e não ter alertado o comprador é que permitirá a anulação. Por isso o atual Código especifica que o ato é anulável se a parte a quem aproveite tivesse conhecimento do dolo ou dele devesse ter conhecimento. O exame probatório é das circunstâncias de fato em relação ao que se aproveita do negócio.

O dolo pode ocorrer, de forma genérica, nos seguintes casos:

1. dolo direto, ou seja, de um dos contratantes;

2. dolo de terceiro, ou seja, artifício praticado por estranho ao negócio, com a cumplicidade da parte;

3. dolo de terceiro, com mero conhecimento da parte a quem aproveita;

4. dolo exclusivo de terceiro, sem que dele tenha conhecimento o favorecido.

Nas três primeiras situações, o negócio é anulável. No último caso quando o eventual beneficiado não toma conhecimento do dolo, o negócio persiste, mas o autor do dolo, por ter praticado ato ilícito, responderá por perdas e danos (art. 186 do Código Civil; antigo, art. 159). O vigente Código Civil é específico ao determinar essas perdas e danos ao terceiro nesse caso, em seu art. 148. Lembre-se, contudo, de que em qualquer caso de dolo, como se trata de ato ilícito haverá o direito à indenização por perdas e danos, com ou sem a anulação do negócio.

Tanto na coação, quando o desvio de vontade se mostra pela violência, como no dolo, quando se mostra pela astúcia, há vícios de vontade. Não haveria razão, em tese, para diversidade de tratamentos. Parece, à primeira vista, que a diferença no dolo de terceiro e na coação de terceiro no Código de 1916 era incoerente, que o legislador se impressionara mais com a coação, por nela estar presente conotação de violência.

Como assevera Sílvio Rodrigues (1979:152), a maior divergência deve residir nos efeitos de ambas as situações. Tanto para esse autor como para nós, a melhor solução seria fazer prevalecer o negócio decorrente de dolo ou coação de terceiros sempre que o outro contratante não tivesse ciência do vício, respeitando-se sua boa-fé.

A violência contra a vontade do manifestante, a coação, é mais facilmente percebida pelo outro contratante, pelo declaratório. A esse respeito, atendendo aos reclamos da doutrina, dispõe diferentemente o art. 154 do Código de 2002: "Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a quem aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos".

Dolo do Representante

 O artigo 149 diz: "O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve. Se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos".

Vejamos: o tutor, curador, pai ou mãe no exercício do poder familiar são representantes impostos pela lei. Se esses representantes atuam com malícia na vida jurídica, é injusto que a lei sobrecarregue os representados pelas conseqüências de atitude que não é sua e para a qual não concorreram. O mesmo não se pode dizer da representação convencional, onde existe a vontade do representante na escolha de seu representado. O representado, ao assim agir, cria risco para si.

Assim, a culpa in eligendo ou in vigilando do representado deve ter por conseqüência responsabilizá-lo solidariamente pela reparação do dano, nos termos do art. 1.518, e não simplesmente, como diz o Código antigo no tópico analisado, limitar sua responsabilidade ao proveito que teve. Mesmo que não estivesse vigente o texto do atual Código, em cotejo com o art. 1.518, parte final, do Código Civil de 1916 (atual, art. 942), poderia ser adotada, na prática, a solução da lei nova, que faria melhor justiça.

Dolo de Ambas as Partes

Se ambas as partes procederam com dolo, há empate, igualdade na torpeza. A lei pune a conduta de ambas, não permitindo a anulação do ato. Art. 150. "Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo, para anular o negócio, ou reclamar indenização". É aplicação da regra geral pela qual ninguém pode alegar a própria torpeza - nemo propriam turpitudinem allegans.

A lei trata com diferença os tipos de dolo em ambas as partes que foram maliciosas, punindo-as com a impossibilidade de anular o negócio, pois ambos os partícipes agiram de má-fé.
 

Bibliografia

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: parte geral. 4° ed. São Paulo: Atlas, 2004.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte gera. v.1, 34ed. São Paulo: Saraiva. 2003.

FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 6°ed. rev. e ampl. De acordo com o Código Civil de 2002. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

http://www.leonildocorrea.adv.br/curso/civil32.htm, acessado em 19/02/2009, as 14h10m.


Autor: Jorcelia Passinato


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