Chico Dólar Narra A Guerrilha Do Araguaia



Félix Maier

O livro Bacaba – Memórias de um Guerreiro de Selva da Guerrilha do Araguaia (Editora do Autor, Campo Grande (MS), 2007), do tenente da reserva do Exército José Vargas Jiménez, “é dedicado a todos os militares que morreram na Guerrilha do Araguaia defendendo a Pátria contra o Partido Comunista do Brasil (PC do B) que queria impor, à força, através da luta armada, o regime comunista no Brasil” (Dedicatória, pg. 5). O autor participou diretamente do conflito, na missão que ele denomina “Fase do Extermínio” (outubro de 1973 a janeiro de 1975). Além de relatar combates de que participou na selva, o tenente Vargas anexou documentos secretos e confidenciais ao livro, além de outros particulares, como as medalhas que recebeu durante sua carreira militar.

No prefácio, o autor afirma: “Sobre o assunto, tenho lido e ouvido na mídia diversas reportagens, pesquisas de jornalistas e depoimentos de militares que não participaram ativamente dessa operação. Nenhum guerreiro de selva que realmente esteve na linha de front e participou ativamente da preparação da tropa, como instrutor, e posteriormente como combatente, teve a coragem de falar sobre o assunto, por medo de represália, tanto do governo (União e Exército), quando do Partido Comunista do Brasil e dos familiares de guerrilheiros que combateram no Araguaia. Esse trabalho com certeza irá esclarecer a todos que desejam saber o que realmente aconteceu com os guerrilheiros e militares mortos no conflito, particularmente sobre os guerrilheiros que foram capturados vivos e hoje constam como ‘desaparecidos’ ” (pg. 11).

O livro contém a cópia de muitos documentos classificados como SECRETO e CONFIDENCIAL e será muito útil para historiadores, acadêmicos e a população em geral conhecerem o que foram aqueles anos da “matraca” comunista.

Preparação para o combate

Em março de 1973, o então 3º sargento Vargas foi voluntário para fazer o Curso de Guerra na Selva, no Centro de Operações na Selva e Ações de Combate (COSAC), atual Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), com sede em Manaus, AM. Depois do curso, de dois meses de duração, ele voltou à sua Unidade, a 1ª Companhia do Batalhão de Fronteira (1ª Cia/Btl Fron), da Colônia Militar do Oiapoque, em Clevelândia do Norte, então Território do Amapá.

Em agosto do mesmo ano, o comandante da Colônia Militar, major de artilharia Osmar Nascimento Leite, reuniu os sargentos e solicitou dois voluntários para que representassem a 8ª Região Militar (8ª RM) em um concurso de patrulhas em Manaus. Os 3º sargentos Vargas e Vilhena (no livro, não é apresentado o nome completo) se apresentaram como voluntários. O mesmo convite foi feito aos cabos e soldados do núcleo-base (profissionais), não aos recrutas. Somente 9 se apresentaram e integraram o Grupo de Combate (GC) do Sgt Vilhena. Os outros 9 soldados, que passaram a integrar o GC do Sgt Vargas, tiveram que ser escalados, sendo um deles soldado recruta. Assim, os 20 militares da Colônia ficaram aguardando ordens para viajar a Manaus.

Na primeira quinzena de 1973, chegou a Clevelândia do Norte um avião C-115 Búfalo, da Força Aérea Brasileira (FAB), trazendo 41 militares, sendo 1 capitão, 3 sargentos, 1 cabo e 36 soldados. Cada Sgt e Cb comandavam um GC de 9 homens.

Todo esse contingente da 8ª RM, de 60 militares, passou ao comando do capitão Pedro de Azevedo Carioca (Ten Azevedo). Os comandantes dos GC eram: os 3º Sgt Vargas, Vilhena, Elizeu Figueiredo de Carvalho (Sgt Elizeu), Francisco das Chagas Alves de Brito (Sgt Brito) e um outro 3º Sgt (não nominado pelo autor), e o cabo José Albérico Figueiredo (Cb Albérico). Os dois últimos eram os únicos que não tinham o Curso de Guerra na Selva.

Naquela oportunidade, o comandante da Colônia comunicou ao contingente recém-formado que a missão para a qual os militares haviam sido voluntários “não era para o concurso de patrulhas, como havia sido dito anteriormente, e sim para combater os terroristas inimigos da Pátria, na região de Marabá-PA e Xambioá-GO” (pg. 27). A primeira ordem foi que todos mantivessem sigilo absoluto sobre a operação, não comunicando nada sequer aos familiares.

No interior da selva do Amapá, os militares iniciaram imediatamente o treinamento de técnicas de combate à guerrilha: orientação na selva com bússola, pelo sol e pelas estrelas; sobrevivência na selva; emboscada; contra-emboscada; tiro instintivo com vários tipos de armas (Fuzil Automático Leve-FAL calibre 7.62, Para-FAL 7.62, revólver calibre .38, pistola 9 mm e .45, espingardas calibre 12 (de 1 e 2 canos), 16 e 20, fuzil calibre 22 com silenciador); deslocamento na selva; transposição de cursos d’água; pistas de cordas (rapel, falsa baiana, comando crow, cabo aéreo e ponte de 2 e 3 cordas); primeiros-socorros; base de patrulha; zona de reunião; e trato com a população.

Todo esse treinamento era feito com munição real, não com festim, para dar maior realismo. Um dos soldados desobedeceu à ordem de não se deslocar sozinho (até para fazer necessidade fisiológica teria que ser acompanhado), perdeu-se na selva e só foi encontrado no outro dia. Assustado, disse que foi seguido por uma onça, subiu numa árvore para se proteger, onde dormiu amarrado a um galho. Pelo menos, o soldado provou que estava aprendendo a sobreviver na selva...

Antes de viajar para cumprir a missão, os militares tiveram que adquirir material diverso, como calças jeans, camisas de cor escura, facas, facões, 4 m de plástico para dormir na selva e confeccionar mochilas de sacos de estopa para o transporte de alimentos, armas e munição. Além disso, todos os militares tiveram que providenciar uma procuração, em nome da esposa, mãe ou pai, para recebimento do pagamento enquanto estivessem ausentes ou até mesmo em caso de óbito.

Para a missão de combate na selva, os militares passariam a atuar descaracterizados fisicamente: barbudos, cabeludos, roupas civis, cada um adotando um codinome. O Sgt Vilhena passou a ser o “Navalhada”. O Sgt Vargas, “Chico Dólar”.

Posteriormente, os militares tomaram conhecimento de que outros 60 militares, da 12ª RM, Manaus, estavam sendo treinados no COSAC.

No dia 29 de setembro de 1973, os 60 guerreiros de selva viajaram em um avião C-115 Búfalo, da FAB, para Belém, onde foram alojados no 2º Batalhão de Infantaria de Selva (2º BIS). Nesse quartel, os militares continuaram o treinamento com armas: lançador de granadas (M-79), metralhadora Beretta cal 9 mm, metralhadora HK cal 9 mm, fuzil automático norte-americano (M-16) e granadas de mão defensivas.

Operação Marajoara

No dia 1º de outubro, chegou de Manaus um avião C-130 Hércules, da FAB, trazendo os 60 combatentes que haviam sido treinados no COSAC. No dia seguinte, o contingente de 120 militares, 60 da 8ª RM e 60 da 12ª RM, juntamente com mais alguns oficiais oriundos do Comando Militar da Amazônia (CMA), embarcou no mesmo avião para Marabá-PA.

“Lá chegando, fomos para a “Casa Azul”, sede do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), localizada no Bairro do Amapá da cidade de Marabá-PA, logo após o Rio Itacaiúna, onde ficava a base de comando de combate, as Forças Guerrilheiras do Araguaia (FOGUERA)” (pg. 33).

Nessa base de comando da “Operação Marajoara” – como se denominou a operação que exterminou a guerrilha do PC do B -, ainda no dia 2 de outubro, os combatentes receberam do Centro de Informações do Exército (CIE), atual Centro de Inteligência do Exército (CIE), os seguintes documentos (cópias anexadas no livro):

- Normas Gerais de Ação – 5 Set 73 – Trato com a população (Secreto);

- Plano de Captura e Destruição (Secreto);

- Plano de Busca e Apreensão (Secreto); e

- Coletânea de fotos de guerrilheiros, plastificadas (Secreto).

“No dia 2 de outubro de 1973, ainda na ‘Casa Azul’, nos apresentaram vários oficiais com os quais iríamos trabalhar. Eram chamados de “Doutores”, entre eles, o Dr. Mario Antônio Luchini (Curió), cujo nome e posto verdadeiro era Cap Sebastião Rodrigues de Moura, e o guia Ivan, que era o Sgt da 3ª Brigada de Infantaria de Brasília-DF” (pg. 33-34).

“Quando preparávamos as armas para o combate, um dos soldados apontou seu fuzil na direção de outro, no que um dos oficiais presentes gritou: ‘Não aponte a arma para ninguém, soldado’, tendo o mesmo respondido: ‘Mas não está carregada, doutor’. E o oficial concluiu: ‘Mas o diabo carrega’ ” (pg. 34).

O livro abre com um documento confidencial do PC do B, “Estudo do PC do B para Implantação da Guerrilha do Araguaia, 1968-1972”. Este documento trata da análise dos comunistas sobre por que a região foi escolhida para a “guerra popular”, sua caracterização sócio-geográfica, os objetivos dos guerrilheiros comunistas e o provável desenvolvimento da luta armada na região.

 

No documento “Plano de Captura e Destruição”, estavam relacionados todos os grupos de guerrilheiros que atuavam na região, levantados pelo CIE.

Os grupos de “Piauí” (Antônio de Pádua Costa) e “Zé Carlos” (André Grabois) tinham prioridade “um” para captura e destruição, já os grupos de “Nelito” e “Zezinho”, a prioridade era “dois”, sem presenças confirmadas na área. Todos atuavam nas localidades de Fortaleza, São José I, Caçador, Chega com Jeito e Pavão, e as localidades que os apoiavam eram Bom Jesus, Metade e São Domingos das Latas.

O grupo de “Osvaldão” (Osvaldo Orlando da Costa), a prioridade para captura e destruição era “um”, tinha presença confirmada na região. Esse grupo atuava nas regiões de Santa Luiza, Viração, Grota Vermelha, Grota do Jenipapo, Joça, Grota da Laje e Mina Velha (área compreendida entre o Saranzal e o Jacaré Grande). As localidades que o apoiavam eram: Palestina e Brejo Grande.

O grupo de “Mundico”, a prioridade para captura e destruição era “um”, com presença confirmada na área. Atuava na região de São Raimundo e as localidades que o apoiavam eram: Pimenteira, Cajueiro e Castanhal do Evandro.

No documento “Plano de Busca e Apreensão”, eram relacionadas as localidades onde os guerrilheiros comunistas deveriam ser feitos prisioneiros e suas prioridades para captura.

“Os guias que conduziriam os Grupos de Combate para esta missão eram: Ivan, Nonato I, Jamiro, Francisco, Jamal (militar) e Nonato II (civil).

Os povoados onde se encontravam os camponeses a serem presos estavam assim relacionados:

- Em Bom Jesus: José Salim (Salu), Leonel, Severino (consta ter um filho servindo na Companhia de Marabá-PA), Oneide (tem casa em Marabá, na Rua São Pedro – Casa de Ana Barbosa), João Mearim e Luiz, todos com prioridade “um” para sua captura. E Luizinho, Leonda e Salomão, com prioridade “três”.

- Em Santa Rita: Manoel Cícero, com prioridade “três”.

- Em Itamerim: André e Zé de tal (o guia Jerônimo é quem conhece a casa), ambos com prioridade “um”.

- Em Brejo Grande: Bernardino, com prioridade “um”, e Vicente (capataz de Zé Oliveira), com prioridade “dois”.

- Em Cristalândia: João Murada, com prioridade “quatro”.

- Em Centro de Osorinho: Mulher e filho de 18 anos, com prioridade “três” ” (pg. 37).

 

O documento “Normas Gerais de ação – Trato com a população” tinha como finalidade “recordar a importância da população no quadro da guerrilha rural e realçar alguns dos aspectos mais importantes no trato com a mesma” (pg. 38).

Essas “Normas Gerais” emitiam alguns conceitos preliminares, como “subversão” e “guerrilha”, além de afirmar que “a população é o meio, o instrumento e a condição essencial para o sucesso da guerrilha” (pg. 38). Lembra a máxima de Mao Tsé-Tung, para quem “a população é para o guerrilheiro, como a água é para o peixe” (pg. 39). As “Normas Gerais” também lembram as ações de caráter psicológico com as quais o guerrilheiro espera conquistar o apoio da população:

- A propaganda ostensiva e subliminar, como emprego de panfletos, contatos pessoais e reuniões com grupos, sempre tentando denegrir o trabalho do governo, especialmente o das Forças de Segurança;

- A tomada de posição do menos favorecido, pregando a “justiça social”;

- O incentivo ao agravamento dos conflitos sociais existentes, entre esses a posse de terras, a desigualdade das classes sociais, o trabalho semi-escravo, a carência de assistência educacional e sanitária;

- A exploração de divergências entre grupos sociais, seja de caráter político, religioso, econômico ou ideológico;

- A coação, gerando o medo e o pavor entre a população, com assassinatos (“justiçamentos”), seqüestros, assaltos, sabotagens, delações, sempre com vista a deixar a população em estado permanente de terror.

As “Normas Gerais” dizem como deve ser feita a neutralização das ações terroristas sobre a população: 

- A ação do poder público, em todos os níveis (do federal ao municipal);

- A ação do poder militar para destruir e neutralizar a força guerrilheira;

- Um órgão central, planejador e coordenador das ações, para conjugar os esforços para a conquista dos objetivos desejados;

- O tratamento dispensado à população pela força militar, de modo que ela tenha a sensação de segurança e tranqüilidade, cujas prescrições são enunciadas abaixo:

“ - Tratar com educação e consideração todos os membros da população;

- Pagar o que utilizar e devolver o que pedir emprestado;

- Ser solícito e prestimoso na medida de suas possibilidades;

- Nunca prometer o que não puder cumprir;

- Ouvir muito, falar pouco;

- Ser paciente e atencioso;

 Respeitar a família, os habitantes e costumes da população;

- Evitar a arrogância, o excesso e abusos de autoridade, em situações normais;

- Tratar com energia e discrição todos os prisioneiros apanhados entre os componentes da população, mesmo o infiltrado;

- Evitar cenas públicas, que de alguma maneira possam chocar a população; e

- Denominar os terroristas de “Comunistas” ” (pg. 40).

P.S.: Para aquisição do livro, de R$ 40,00, entrar em contato com o autor, e-mail [email protected].


Autor: Félix Maier


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