Fiança e Aval Sem Outorga Uxória



Por Laís Gomes Bergstein e Renan Barbosa Lopes Ferreira, acadêmicos de Direito do Centro Universitário Curitiba.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o objetivo de discorrer acerca da validade jurídica de um contrato de fiança sem tenha havido a outorga uxória ou marital. Procura-se avaliar a Jurisprudência dominante, bem como as peculiaridades de algumas decisões. Não obstante, abordar-se-á o instituto do aval com o mesmo objetivo, buscando similitudes e diferenças entre este e a fiança.

A doutrina e a jurisprudência também serão abordadas em seu conteúdo conceitual e principiológico com o objetivo de extrair ao máximo o entendimento majoritário e suas correntes opostas.

1 FIANÇA

O conceito de fiança está disposto no artigo 818 do Código Civil. Trata-se de uma garantia pessoal em que o fiador, terceira pessoa, se compromete e submete o seu patrimônio ao inadimplemento do seu afiançado. Desta forma, aumenta-se a segurança jurídica, pois caso o afiançado não venha a adimplir um contrato será o fiador responsável pelo seu fiel cumprimento da obrigação.

Art. 818. Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.

José Lopes de Oliveira define como sendo o contrato pelo qual uma pessoa se obriga por outra, para o seu credor, a satisfazer a obrigação, caso o devedor não a cumpra. Trata-se de um contrato de garantia pessoal.

Deve-se observar que a fiança se trata de uma garantia pessoal ou fidejussória, pois não é um determinado bem do fiador que se torna responsável pelo pagamento da dívida e sim o patrimônio deste. Desta forma, trata-se de um contrato acessório em que a obrigação principal foi assumida pelo devedor e a acessória pelo fiador (terceiro).

A fiança pode ser ilimitada ou limitada. Sendo ilimitada, em dinheiro, a fiança compreenderá todos os acessórios da dívida e as despesas com as custas processuais. Contudo, ela pode ser de valor inferior da obrigação.

O contrato de fiança é de garantia e o fiador é garantidor e, portanto, este deve ter ciência do encargo que está assumindo. Não importa a manifestação do devedor sobre o fiador, observando-se apenas a capacidade do fiador, que se não respeitada pode gerar nulidade da fiança.

O credor precisa aceitar o fiador, que independente de ser pessoa idônea, e de possuir bens livres e exonerados de dívida pode ser recusado.

1.1CARACTERÍSTICAS DA FIANÇA

Trata-se de um contrato unilateral, gratuito, acessório e solene.

É unilateral porque é criada uma obrigação do fiador perante o credor, mas a recíproca não é verdadeira, ou seja, não surge obrigação deste em relação ao fiador. Contudo, Clóvis Beviláqua entende que é bilateral imperfeito, afirmando que o fiador também obtém vantagens.

Gratuito porque o fiador não aufere nenhum benefício, tratando-se de um contrato em que se observa a lealdade e honestidade. Contudo, nada impede que haja remuneração, pois há diversas empresas especializadas apenas em prestar fiança.

Acessório porque depende sempre de um contrato principal, não existindo por si só.

Por fim, é um contrato solene por ser exigida a forma escrita, conforme dispõe o artigo 819 do Código Civil.

Art. 819. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.

1.2CONSENTIMENTO DO CÔNJUGE

Ao discorrer sobre o consentimento do cônjuge-varão ou virago é importante anotar-se o disposto no artigo 1647 do Código Civil:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

(...)

III - prestar fiança ou aval;

O artigo mencionado veda que o cônjuge, sem autorização do outro, preste fiança. O objetivo desta vedação é resguardar o patrimônio da instituição familiar porque embora possa se falar em meação correspondente a parte de cada um, deve ser observada a integridade do patrimônio desta instituição que não pode sofrer dano que, embora seja previsto por um, é desconhecido pelo outro.

Venosa discorre da seguinte forma:

Quanto ao consentimento, este não se confunde com fiança conjunta. O cônjuge pode autorizar a fiança. Preenche-se desse modo a exigência legal, mas não há fiança de ambos: um cônjuge afiança e o outro simplesmente autoriza, não se convertendo em fiador. Os cônjuges podem, por outro lado, afiançar conjuntamente. Assim fazendo, ambos colocam-se como fiadores. Quando apenas um dos cônjuges é fiador, unicamente seus bens dentro do regime respectivo podem ser constrangidos. Desse modo, sendo apenas fiador o marido, com mero assentimento da mulher, os bens reservados desta, por exemplo, bem como os incomunicáveis, não podem ser atingidos pela fiança.

Com esta posição doutrinária é possível dividir a fiança prestada pelo casal, pois pode ser conjunta ou individual com autorização. Isto porque alguns bens não podem ser atingidos pela fiança quando houver mera autorização do outro, diferente do caso quando ambos prestam a fiança em que todo o patrimônio do casal se submete aos efeitos gerados pelo inadimplemento do afiançado.

1.2.1FIANÇA SEM CONSENTIMENTO

O cônjuge pode se recusar a prestar outorga, podendo o outro ingressar em juízo, conforme dispõe o artigo 1648 do Código Civil, e requerer que o juiz suprima a outorga.

A divergência doutrinária existe no que tange à prestação de fiança sem o consentimento do cônjuge. Não há uma posição unânime acerca do que deve ser feito. Isto porque alguns doutrinadores mais cautelosos resguardam a insegurança jurídica que existiria no caso da prestação da fiança por um dos cônjuges quando o credor desconhecer que este é casado.

Embora o Superior Tribunal de Justiça esteja julgando com uma relevante harmonia, não há na jurisprudência entendimento consolidado capaz de suprimir esta questão.

A controvérsia diz respeito a possibilidade de anulação de toda a fiança ou se ela seria válida quando o credor estiver de boa-fé e, neste caso, apenas responderia o patrimônio do cônjuge que prestou a fiança. Contudo, novamente estar-se-á diante da questão patrimonial da instituição familiar que poderá ser surpreendida pela atitude de apenas um dos cônjuges.

Observa-se o entendimento de Lauro Laertes de Oliveira:

Hoje, praticamente sem discrepância, os tribunais proclamam que a fiança prestada por pessoa casada sem o consentimento do outro cônjuge é nula integralmente. Não ocorre apenas exclusão da meação do cônjuge que dissentiu, mas anulação total do ato.

Contudo, havia entendimentos nos sentido de ser apenas anulável observando-se o disposto no artigo 248, III, do Código Civil de 1916, pois ele permitia que a mulher ingressasse com uma ação para anular a fiança prestada.

Entretanto, com o advento do Código Civil observa-se a seguinte criação:

Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal.

Neste sentido, pode-se entender que a fiança seria meramente anulável, pois caberia ao cônjuge ingressar com a ação específica para anular a fiança prestada. Contudo, embora alguns doutrinadores afirmem que por esta previsão legal restar-se-ia incontroversa a questão de nulidade ou anulabilidade, o Superior Tribunal de Justiça, com julgado em 27 de Março de 2008 dispõe:

11445553 - DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA Nº 284/STF. FIANÇA. OUTORGA UXÓRIA. AUSÊNCIA. NULIDADE. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. A teor da pacífica e numerosa jurisprudência, para a abertura da via especial, requer-se o prequestionamento, ainda que implícito, da matéria infraconstitucional. Hipótese em que a Turma Julgadora não emitiu nenhum juízo de valor acerca do art. 283 do CPC, restando ausente seu necessário prequestionamento. Incidência das Súmulas nºs 282/STF e 211/STJ. 2. A ausência de indicação do dispositivo de Lei Federal a que a Corte de origem teria malferido ou dado interpretação divergente da firmada por outros tribunais implica deficiência de fundamentação. Súmula nº 284/STF. 3. É nula a fiança prestada sem a anuência do cônjuge do fiador. Precedentes. 4. Tendo o arresto sido invalidado em decorrência da decretação da nulidade da fiança prestada sem a anuência do esposa do fiador, torna-se irrelevante se perquirir se houve a comprovação de que o imóvel penhorado seria ou não bem de família. 5. Recurso Especial conhecido e improvido. (STJ; REsp 797.853; Proc. 2005/0190531-9; SP; Quinta Turma; Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima; Julg. 27/03/2008; DJE 28/04/2008)

Contudo, observar-se-á algumas decisões mais atentas ao formalismo jurídico que impedirão a decretação de nulidade da fiança, considerando o fato do credor estar de boa-fé.

O objetivo do Superior Tribunal de Justiça ao declarar nula a fiança prestada sem a anuência do cônjuge é de resguardar o patrimônio da família, pois ao atingir apenas a meação daquele que prestou a fiança pode-se dizer que de uma forma ou de outra a integralidade do patrimônio será violada e, obviamente, aquele que não sabia da fiança será prejudicado.

Por fim, deve sempre observar que aquele que deu causa não pode argüir a anulação, sob pena de se beneficiar da própria torpeza. Desta forma, apenas o outro cônjuge pode pleitear a nulidade da fiança.

1.2.2 DIVERGÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS

As divergências jurisprudenciais estão relacionadas, em especial, ao fato da meação do cônjuge que prestou a fiança. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entende que a meação do cônjuge que prestou a fiança responde pela dívida, ficando resguardada a meação do outro. Anota-se:

61404016 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE FIANÇA. AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. VALIDADE DO ATO, RESSALVADA A MEAÇÃO DA AGRAVANTE. A ausência de assinatura da esposa não torna nula a fiança, apenas faz com que responda pela dívida unicamente o marido, sendo o valor devido retirado de sua meação. Recurso desprovido. (TJRS; AI 70023802416; Lajeado; Décima Terceira Câmara Cível; Rel. Des. Carlos Alberto Etcheverry; Julg. 06/05/2008; DOERS 13/05/2008; Pág. 45)

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná divergem deste entendimento, inclusive pacificando a idéia de que não deve ser prejudicada, pois afetaria a instituição familiar por inteiro.

11426898 - DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. FIANÇA. AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. NULIDADE. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. É pacífica a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é nula a fiança prestada sem a necessária outorga uxória, não havendo considerá-la parcialmente eficaz para constranger a meação do cônjuge varão. Precedentes. 2. Recurso Especial conhecido e provido. (STJ; REsp 976.069; Proc. 2007/0186404-8; SP; Quinta Turma; Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima; Julg. 13/12/2007; DJU 07/02/2008; Pág. 476) (Publicado no DVD Magister nº 19 - Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007)

11368001 - CIVIL E PROCESSO CIVIL. LOCAÇÃO. FIANÇA. AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. NULIDADE. 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão de que a fiança prestada por um dos cônjuges sem outorga é nula de pleno direito, alcançando, inclusive a meação do outro cônjuge. 2. Recurso provido. (STJ; REsp 555.238; Proc. 2003/0077022-4; RS; Sexta Turma; Rel. Min. Paulo Benjamin Fragoso Gallotti; Julg. 21/10/2003; DJU 26/03/2007; Pág. 304) (Publicado no DVD Magister nº 18 - Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007)

57188707 - APELAÇÃO CÍVEL. DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO C/C AÇÃO DE COBRANÇA. FIANÇA. AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. NULIDADE. INEFICÁCIA TOTAL DO ATO. CONTRATO ACESSÓRIO NÃO ADMITE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. CONTRATO DE LOCAÇÃO EXCESSO DE COBRANÇA NÃO COMPROVADO. CONDENAÇÃO MANTIDA EM RELAÇÃO À LOCATÁRIA. APELAÇÃO 1 DESPROVIDA. APELAÇÃO 2 DESPROVIDA. "A ausência de consentimento da esposa em fiança prestada pelo marido invalida o ato por inteiro, assim nula a garantia prestada. Certo ainda, que não se pode limitar o efeito dessa nulidade apenas à meação da mulher (STJ - RESP 619814/RJ)." "...Cabe ao locatário pagar pontualmente o aluguel e os encargos da locação, legal ou contratualmente exigíveis, no prazo estipulado, ou, em sua falta, até o sexto dia útil do mês seguinte ao vencido, pagar as despesas de telefone e de consumo de força, luz e gás e esgoto, bem como pagar as despesas ordinárias de condomínio..." (Art. 23 - Lei nº 8.245/1991 -Lei do inquilinato) (TJPR; ApCiv 380946-1; Ac. 5054; Curitiba; Décima Segunda Câmara Cível; Rel. Juiz Conv. José Laurindo de Souza Netto; Julg. 14/03/2007; DJPR 27/04/2007) (Publicado no DVD Magister nº 18 - Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007)

Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça e os demais Tribunais de Justiça do País ressalvam que o cônjuge não pode alegar a nulidade da fiança, pois não pode se beneficiar da nulidade a que deu causa.

11426824 - DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. FIANÇA. PRORROGAÇÃO LEGAL POR PRAZO INDETERMINADO. EXONERAÇÃO AUTOMÁTICA. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. NULIDADE. AUSÊNCIA DA OUTORGA UXÓRIA. ARGÜIÇÃO PELO PRÓPRIO FIADOR. INADMISSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. EXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA Nº 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO-OCORRÊNCIA. SÚMULA Nº 83/STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do ERESP 566.633/CE, firmou o entendimento de que, havendo, como no caso vertente, cláusula expressa no contrato de aluguel de que a responsabilidade do fiador perdurará até a efetiva entrega das chaves do imóvel objeto da locação, não há falar em desobrigação automática deste, ainda que o contrato tenha se prorrogado por prazo indeterminado. Para tanto, é necessário que o fiador exonere-se da fiança nos termos do art. 1.500 do Código Civil de 1916, o que não ocorreu. 2. A nulidade da fiança só pode ser demandada pelo cônjuge que não a subscreveu, ou por seus respectivos herdeiros, sendo inadmissível sua argüição pelo próprio fiador. 3. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial" (Súmula nº 7/STJ). 4. "Não se conhece do Recurso Especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida" (Súmula nº 83/STJ). 5. Recurso Especial conhecido e improvido. (STJ; REsp 946.626; Proc. 2007/0090887-0; RS; Quinta Turma; Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima; Julg. 13/12/2007; DJU 07/02/2008; Pág. 465) (Publicado no DVD Magister nº 19 - Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007)

57196284 - APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. Título judicial decorrente de ação de despejo cumulada com cobrança de acessórios da locação. Fiança prestada sem outorga uxória. Nulidade que não pode ser argüida por quem lhe deu causa. Ilegitimidade do cônjuge varão configurada. Decisão reformada. Recurso provido. (TJPR; ApCiv 395206-5; Ac. 5536; Londrina; Décima Segunda Câmara Cível; Rel. Des. Clayton Camargo; Julg. 18/04/2007; DJPR 18/05/2007) (Publicado no DVD Magister nº 18 - Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007)

53092199 - APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DO DEVEDOR AGRAVO RETIDO. CONHECIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. IMPROCEDENTE. MÉRITO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE SOJA EM GRÃOS. ENTREGA DE COISA FUNGÍVEL. DOCUMENTO PARTICULAR ASSINADO PELO DEVEDOR E POR DUAS TESTEMUNHAS. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. NORMA CONTIDA NO INCISO II DO ARTIGO 585 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. EXIGIBILIDADE, LIQUIDEZ E CERTEZA DEMONSTRADAS. SIMULAÇÃO. AGIOTAGEM. NÃO COMPROVADA. FIANÇA. AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA ALEGAÇÃO DE NULIDADE. ILEGITIMIDADE DO CÔNJUGE, AUTOR DA FIANÇA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. Age com acerto o magistrado em conhecer diretamente do pedido quando as provas trazidas são suficientes para a comprovação do fato que gerou o suposto e alegado dano moral, nos termos do art. 330 do CPC. É título executivo extrajudicial o documento particular assinado pelo devedor e por duas testemunhas (norma contida no inciso II do artigo 585 do Código de Processo Civil). O contrato de compra e venda que estipula a necessidade de que um determinado número de sacas de grãos seja entregue em uma data certa e futura qualifica-se como título executivo extrajudicial, e pode amparar a propositura do feito executivo em decorrência de sua exigibilidade, liquidez e certeza. Se restar constatado nos autos que a versão trazida de simulação com prática de agiotagem simplesmente não se encaixa nos fatos que se extraem dos documentos acostados ao feito e que compõem o conjunto probatório, há de ser refutada. Afasta-se a legitimidade do cônjuge, autor da fiança, para alegar sua nulidade, pois a ela deu causa. Tal posicionamento busca preservar o princípio consagrado na Lei substantiva civil, segundo a qual não poder invocar a nulidade do ato aquele que o praticou, valendo-se da própria ilicitude para desfazer o negócio. (TJMS; AC-Ex 2007.001532-5/0000-00; Dourados; Quarta Turma Cível; Rel. Des. Rêmolo Letteriello; DJEMS 16/05/2008; Pág. 38)

Destaca-se que o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná acompanha o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ressalvando que se o imóvel não for comum ao casal este poderá ser penhorado.

57186912 - APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL MOVIDA CONTRA O FIADOR DE CONTRATO DE LOCAÇÃO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. DESNECESSIDADE. CASAMENTO PELO REGIME DE SEPARAÇÃO DE BENS. AQUISIÇÃO DO IMÓVEL PELO VARÃO VERIFICOU-SE EM DATA ANTERIOR AO CASAMENTO. CARÊNCIA DE AÇÃO. APELO PROVIDO. 1. A fiança prestada pelo marido sem a outorga uxória é nula de pleno direito, deixando de produzir qualquer efeito mesmo em relação à meação do cônjuge-fiador, desde que o imóvel seja comum, o que não é o caso dos autos. 2. Não é de se aceitar o incidente de exceção de pré-executividade, oposto pela mulher do executado, em execução movida contra o marido, na condição de fiador de contrato de locação, se não tem ela interesse na causa, eis que o imóvel penhorado foi adquirido pelo varão em data anterior ao casamento, uma vez que o regime foi de separação de bens. (TJPR; ApCiv 377717-5; Ac. 5227; Curitiba; Décima Primeira Câmara Cível; Rel. Juiz Conv. Luiz Antônio Barry; Julg. 24/01/2007; DJPR 23/03/2007) (Publicado no DVD Magister nº 18 - Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007)

2AVAL

Aval é uma garantia pessoal de pagamento de um título de crédito dada pelo avalista, pessoa física ou jurídica, ao emitente devedor ou endossante.

Trata-se de um instituto comercial que abrange todos os títulos de crédito: letra de câmbio, nota promissória, duplicata, cheque, etc. O avalista fica vinculado solidariamente ao título avalizado.

A lei do cheque n. 7.357/85 define bem a forma que o aval deve ser prestado neste título:

Art. 30 O aval é lançado no cheque ou na folha de alongamento. Exprime-se pelas palavras ''por aval'', ou fórmula equivalente, com a assinatura do avalista. Considera-se como resultante da simples assinatura do avalista, aposta no anverso do cheque, salvo quando se tratar da assinatura do emitente.

Parágrafo único - O aval deve indicar o avalizado. Na falta de indicação, considera-se avalizado o emitente.

Portanto, quando o avalista presta o aval no título ele está se comprometendo com o pagamento do mesmo, independente da obrigação firmada pelo título ser nula ou não ter sido adimplida, quando for o caso de uma entrega de mercadoria mediante pagamento. Esta é a autonomia do aval.

Ressalta-se que o aval não pode ser dado em instrumento diferente do próprio título, ou seja, é vedada a utilização de contrato, mesmo que por instrumento público.

Se uma obrigação é dada como inválida, o aval, por ser autônomo, não é influenciado e permanece porque ele não é acessório, ao contrário da fiança. O avalista não se obriga às cláusulas de juros dispostas no contrato que foi firmado com o sacador, a não ser que ele assine o contrato.

O avalista se equipara àquele nome que indicar quando prestar o aval ou, se for em branco, ao emitente. Observa-se que após ter sido intimado a pagar o título o avalista possui direito de regresso contra o avalizado.

Uma vez que a obrigação do avalista é equiparada à do avalizado, está claro que não é a mesma que esta, mas uma outra, diferente na sua essência, embora idêntica nos seus efeitos. O avalista obriga-se de um modo diverso mas responde da mesma maneira que o avalizado, sendo neste sentido que se diz que o aval corresponde a um novo saque, um novo aceite, um novo endosso, segundo a posição que ocupa na letra de câmbio. Em virtude desta dupla situação, por um lado, a falsidade, a inexistência ou a nulidade da obrigação do avalizado não afeta a obrigação do avalista, não aproveitando a este nenhuma das defesas pessoais, diretas ou indiretas, que àquele possam legitimamente competir; por outro lado, o avalista obriga-se apenas como o avalizado, e nos mesmos termos que este, e, por isso, quando garante ao endossante, tem a seu favor a prescrição de um ano e libera-se com a falta do protesto; quando, porém, garante ao sacador ou ao aceitante, não lhe aproveita a omissão do protesto e só lhe é lícito invocar a prescrição de cinco anos (alterado para três anos) [MIRANDA, Pontes. p. 376]

2.1OUTORGA CONJUGAL NO AVAL

Embora haja conseqüências patrimoniais, o aval não exigia outorga uxória ou marital para ser formalizado. Entretanto, a garantia prestada não atingia a meação do cônjuge que não autorizou ou não prestou o aval em conjunto. Novamente, recai-se na problemática da separação da meação dos cônjuges, pois a instituição familiar existe por inteiro e se uma parte dela é afetada, com certeza a outra também será. Sendo assim, o Código Civil de 2002, no artigo 1.647 determinou:

Art. 1647. Ressalvado o disposto no art. 1648 (caso do suprimento da outorga pelo juiz), nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:

I – alienar ou gravar de ônus rela os bens imóveis;

II – pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;

III – prestar fiança ou aval;

IV – fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.

Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.

Com o advento do inciso III do artigo 167 pode-se dizer que restou sanada a necessidade de outorga do cônjuge que poderá fazê-la mediante procuração ou comparecer ao ato junto com o outro. Novamente volta-se a idéia proposta por VENOSA no tocante ao comparecimento em conjunto e a mera autorização.

Não obstante, observa-se algumas divergências jurisprudenciais que serão vistas mais adiante.

Com relação ao regime de separação de bens o legislador de 2002 não observou o disposto na súmula 377 do STF, restando omissa a necessidade de prestação de aval quando o regime for de separação de bens.

2.1.2 DIVERGÊNCIAS JURISPRUDENCIAIS

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná firmou entendimento que deve haver outorga uxória devendo o cônjuge alegar a anulação do ato.

57203786 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CÉDULA DE PRODUTO RURAL. AÇÃO AJUIZADA CONTRA A EMITENTE E OS AVALISTAS. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. INCIDENTE AJUIZADO PELOS AVALISTAS E PELOS CÔNJUGES PREJUDICADOS. AVAL. AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. INVALIDADE DA GARANTIA. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1647 III E 1649 DO NOVO CÓDIGO CIVIL. EXCLUSÃO DOS AVALISTAS DO PÓLO PASSIVO DA EXECUÇÃO. O novo Código Civil é expresso no sentido de que a invalidade do aval por ausência de outorga uxória pode ser aventada pelo cônjuge prejudicado. Se a nota promissória foi emitida após a vigência do novo Código Civil, indispensável à outorga uxória do cônjuge do avalista. Ausente o assentimento, inválida é a garantia. Recurso não provido. (TJPR; Ag Instr 416733-9; Ac. 8470; Assaí; Décima Quinta Câmara Cível; Rel. Des. Hamilton Mussi Correa; Julg. 04/07/2007; DJPR 13/07/2007) (Publicado no DVD Magister nº 18 - Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007)

57195999 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. AVAL. AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. INVALIDADE DA GARANTIA. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 1647, III E 1649 DO VIGENTE CÓDIGO CIVIL. Exclusão do avalista do pólo passivo da execução. Honorários advocatícios. Redução. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJPR; Ag Instr 391059-0; Ac. 5455; Curitiba; Décima Sexta Câmara Cível; Rel. Juiz Conv. Joatan Marcos de Carvalho; Julg. 28/03/2007; DJPR 13/04/2007) (Publicado no DVD Magister nº 18 - Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007)

A decisão relatada abaixo, do Supremo Tribunal Federal, demonstra que antes do advento do Código Civil de 2002, a falta de outorga uxória já era vista como um problema para a instituição familiar, atingindo apenas a meação do cônjuge que prestou o aval.

10085098 - AVAL. FALTA DE OUTORGA UXÓRIA. Acórdão determinado que os bens comuns do casal só responderão pela dívida até o limite da meação. Ausência de afronta ao artigo 3. da Lei nº 4.121, de 1962. Recurso extraordinário não conhecido. (STF; RE 82117; RJ; Segunda Turma; Rel. Min. Leitão de Abreu; Julg. 18/04/1978; DJU 09/06/1978; p. 04131) (Publicado no DVD Magister nº 03 - Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007)

Após o advento do Novo Código Civil pouco foram as discordâncias causadas pela prestação do aval, embora ainda hajam algumas decisões que destoem do objetivo dado pela outorga, é o caso da que se transcreve a seguir:

16269373 - CONTRATOS BANCÁRIOS. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO ROTATIVO EM CONTA CORRENTE. TÍTULO EXECUTIVO. RESPONSABILIDADE DOS AVALISTAS. OUTORGA UXÓRIA. CDC. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO. APLICAÇÃO DA TR. SUCUMBÊNCIA. Considera-se título executivo extrajudicial o contrato de crédito rotativo que enseja ação executiva em data anterior à edição da Súmula nº 247 do Superior Tribunal de Justiça e da entrada em vigor da Lei nº 9079/95 que disciplina a ação monitória. Tendo os apelantes figurado como avalistas do cédula em comento, assumiram a condição de devedores solidários, estando sujeitos, em conseqüência, a todas as cláusulas e condições estipuladas (neste sentido dispõe a Súmula nº 26 do STJ). Tratando-se de aval, não há que se falar em necessidade de outorga uxória, a qual constitui providência típica dos contratos de fiança. A instituição bancária que concede crédito é fornecedora de um produto consumível pelo mutuário, este na condição de destinatário final se vier a utilizá-lo como utilidade pessoal. Aplicabilidade, pois, do CDC aos contratos de mútuo. Súmula nº 297 do STJ. As limitações fixadas pelo Dec. nº 22.626/33, relativas à taxa de juros remuneratórios de 12% ao ano, não são aplicadas aos contratos firmados com instituições financeiras. Também não se admite evocação ao § 3º do art. 192 da Constituição Federal, revogado pela EC 40/2003, porquanto, mesmo quando vigente, teve sua eficácia contida por ausência de regulamentação. A limitação da taxa de juros remuneratórios depende de comprovação da abusividade, decorrente da fixação em percentuais fora do contexto do mercado. Pode-se utilizar a Taxa Referencial como índice de atualização monetária, desde que preservados os princípios do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. Honorários advocatícios de sucumbência adequadamente arbitrados. (TRF 4ª R.; AC 2003.70.00.084313-4; PR; Quarta Turma; Rel. Des. Fed. Valdemar Capeletti; Julg. 30/04/2008; DEJF 19/05/2008; Pág. 337)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo da relação conjugal e suas obrigações atraem diversas questões que ainda não estão resolvidas. No presente trabalho tratou-se da necessidade de outorga na fiança e no aval. Contudo, ainda resta controversa a questão desta autorização quando se tratar de união estável.

Atualmente, muitas são as pessoas unidas pelo novo instituto trazido no Código Civil de 2002, mas a doutrina não é pacífica com relação a isso, tendo doutrinador justificando que ao credor é impossível saber se há união estável e tendo outros dizendo que embora seja difícil, não deveria a instituição familiar sofrer danos irreparáveis.

A jurisprudência deverá sanar esta dúvida mais adiante, porém, enquanto isso a união estável não é protegida e o tema muito debatido.

REFERÊNCIAS

FORTES, José Carlos. O aval como garantia em títulos de crédito. Juízo Semanal. 155. Data: 02.12.2005

MADALENO, Rolf.A Fraude Material na União Estável e Conjugal. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil. n.º 08. set/out. 2005.

MIRANDA, Pontes. Tratado de Direito Privado. Ed. Borsoi. 1961. vol. 35.

VENOSA, SÍLVIO DE SALVO. Direito Civil - Direito de Família. 3ª Edição, São Paulo, Ed. Atlas S.A., 2003, v.6.


Autor: Laís Gomes Bergstein


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