A REALIDADE DO PROFESSOR DE LÍNGUA INGLESA NAS ESCOLAS PÚBLICAS DE PORTO VELHO.



Uma educação autêntica não pode privilegiar a abstração no conhecimento. Deve ensinar a contextualizar, concretizar e globalizar.

Moacir Gadotti – Pedagogia da Terra

Durante certo tempo, a importância de uma segunda língua esteve ligada somente à idéia de ascensão social e à possibilidade de ingresso na universidade e, conseqüentemente, ingressar na vida profissional. Com o desenvolvimento da tecnologia e os constantes contatos internacionais provocados pela globalização, odomínio de uma língua estrangeira tornou-se necessário na vida de muitos, principalmente, em países da América Latina, dentre eles o Brasil. O interesse pelo ensino de língua estrangeira e, particularmente, da língua inglesa, reflete-se no amplo desenvolvimento que vem ocorrendo na pesquisa acerca do ensino de línguas, levando estudiosos da área como Celani, Leffa e Moita Lopes, a uma análise dos métodos e abordagens utilizados pelos professores de língua inglesa.

A maior parte dos estudos sobre a questão da aprendizagem foi feita a partir do levantamento dos métodos e abordagens adotados pelos professores, como eles os utilizavam e se eram eficientes. Contudo, não houve um redirecionamento, nesses estudos, a respeito das condições de trabalho que esses profissionais eram/são submetidos ao longo de sua prática técnico-pedagógica.

Nessa pesquisa, buscamos esclarecer questões ligadas a mitos como: o professor de língua inglesa é acomodado; não trabalha de forma eficiente porque não deseja; professor só sabe trabalhar a gramática. Para isto, nos valemos das opiniões dos professores informantes. Os objetivos que nortearam essa pesquisa refletem alguns fatores que desencadeiam a prática pedagógica do educador, uma vez que se torna difícil um bom desempenho no ensino de línguas sem as condições adequadas.

Como a pesquisa foi realizada

A princípio, foi feita uma seleção de três escolas públicas de Porto Velho: Carmela Dutra, Rio Branco e João Bento da Silva. O critério para a escolha dessas escolas foi o fato de serem consideradas as escolas públicas da capital que têm melhor estrutura técnica, ou seja: auditórios, laboratórios de informática e bibliotecas com um acervo mais amplo. Em cada escola foi realizado o diagnóstico com dois professores escolhidos aleatoriamente, tendo assim 50% do corpus, pois nas escolas públicas de Porto Velho a média é de quatro ou cinco professores de língua inglesa. A entrevista era composta de quatro perguntas: a) como se sentiam enquanto professores de língua inglesa; b) existia estrutura técnico-pedagógica para trabalhar essa disciplina; c) quais as abordagens utilizadas na sala de aula; d) percebiam a aprendizagem efetiva dos alunos?

AS CONDIÇÕES DE TRABALHO DO PROFESSOR DE LINGUA INGLESA

Conforme foi evidenciado nas entrevistas, o caos em que está inserida a disciplina língua inglesa na escola pública não permite ao professor desenvolver objetivamente seu plano de ensino. Salas de aula com número elevado de alunos, um professor em meio a 42 educandos; falta de material pedagógico, uma carga horária limitada, com apenas uma aula semanal na maioria das escolas, falta de incentivo por parte das autoridades em educação. Todas essas questões tornam a jornada de trabalho do professor difícil e desanimadora.

O que se espera de professores que não podem estudar, não têm tempo de planejar? O professor de língua inglesa na escola pública tem uma carga horária tão exaustiva que não lhe sobra tempo nem para planejar suas aulas, nem mesmo para leituras (o mínimo que um bom profissional em educação deve praticar). O professor precisa ter consciência de como ser um bom profissional, porém é conflitante continuar tendo que trabalhar em situações precárias, sala de aula com um número exorbitante de alunos e material didático insuficiente. Segundo Marx "para que os homens consigam fazer história, é absolutamente necessário, em primeiro lugar, se encontrarem em condições de poder viver; de poder comer, beber, vestir-se etc." (2002, p.25). E, para o professor da rede pública, fazer história tambémé necessário que tenha condições de estudar, comprar livros, assinar revistas, manter se dignamente sem ter que trabalhar tão exaustivamente.

Na primeira pergunta feita a cada professor, sobre as razões de ser professor de língua inglesa, percebe-se uma motivação própria, paixão, sonho. Para o professor A, é clara essa questão: "e aí me apaixonei, você trabalha com os sonhos das pessoas, trabalha com diferentes culturas". Os entrevistados acreditam que é uma disciplina maravilhosa, pois transita por várias culturas e, à medida que estuda essa disciplina, vai se conhecendo mais e, ao transpor o universo do outro, vai se descobrindo e conhecendo ainda mais sua própria cultura.

Os professores não vêem a profissão como um sacerdócio, como declara o professor B: "eu não concordo que a profissão de professor seja sacerdócio"; nem como alienação, já que trabalham a língua inglesa como uma forma de se libertar de mitos e lendas de que a língua estrangeira é mais interessante, de que o colonizado deve aceitar as imposições do colonizador sem questionar. Para esse professor "é necessário trabalhar a língua inglesa como forma de se libertar de certos estereótipos lingüísticos e sociais. De acordo com Memmi(1977, p. 39), "o fato colonial não é uma idéia pura: conjunto de situações vividas, recusá-lo é ou subtrair-se fisicamente a essas situações ou permanecer e lutar a fim de transformá-las". Assim, é necessário que os objetivos para o ensino de uma língua estrangeira estejam definidos e a favor da emancipação do estudante e de toda a comunidade.

Muitos educadores tentam fazer um trabalho de conscientização e mostrar, aos alunos, a importância de se estudar ou não, uma segunda língua. Essa conscientização se torna clara na fala do professor B: "Eu me vejo assim como uma pessoa que tem nas mãos uma ferramenta onde possa fazer o papel de pós-colonialista. Trabalhar a língua inglesa como uma forma de se libertar de mitos como: a língua inglesa é mais importante, mais bonita". Para esse professor, o mais importante é ajudar o aluno a estudar a língua inglesa tendo como principal meta o acesso à comunicação. Ou como afirma Moita Lopes "pensar a língua estrangeira de um ponto de vista que reflita os interesses do Brasil" (2003, p. 42). Nesse sentido, trabalhar a língua inglesa a partir de situações cotidianas do educando; partir, sempre do contexto imediato brasileiro.

Todos os entrevistados têm um encantamento, uma paixão de ser professor de língua estrangeira, não especificamente de língua inglesa e, ainda, segundo esse mesmo professor: "eu me sinto um professor de língua estrangeira, não especificamente, um professor de língua inglesa". Entretanto, diante desse encantamento, dessa paixão, tropeçam, desesperadamente, nas condições que o Estado lhes impõe. E é no desabafo do professor C que se percebe, claramente, esse descontentamento: "contudo, existem aspectos negativos que atrapalham a nossa vida, como este descaso que existe por parte das políticas públicas com a disciplina". E os educadores se preocupam com as duras condições de trabalho que têm de enfrentar no fazer-se do dia-a-dia.

A ESTRUTURA TECNICO PEDAGOGICA

Em todos os relatos existe uma preocupação com relação à estrutura técnico-pedagógica. Todos concordam que é impossível ensinar língua estrangeira sem material de apoio adequado e com salas lotadas de alunos. É o que se percebe na fala do professor C: "é impossível fazer um bom trabalho com aquelas turmas. É muita gente, você planeja, mas se perde naquele mundo de gente". No desabafo do professor há uma clara idéia de que existe um faz de conta na escola pública. Para o professor A, "o material é escasso, quase zero para quem trabalha nas escolas públicas". E ainda, para o mesmo, "não há possibilidade de se trabalhar com a língua inglesa com um número elevado de alunos em sala".

É necessário que os professores de língua inglesa tenham sua própria sala de aula e que essa seja equipada com recursos tecnológicos atualizados. Televisores, aparelhos de Dvds, computadores com acesso à internet, CD players, etc. Os alunos devem vir até a sala de inglês e não o professor ir ao encontro deles, trocando de sala, com todo o seu material pedagógico. Esse é o desabafo do professor B: "a estrutura técnica é defasada; eu tenho que arrastar um carrinho com a televisão ou com o som, pelo pátio da escola, toda vez que preciso deles nas minhas aulas". Assim, é importante que o professor tenha sua própria sala. Nela deve haver dicionários, mapas, revistas em língua inglesa, aparelho de som, televisão, material pedagógico que dêem sustentação e credibilidade às aulas, acontecendo, dessa maneira, a aprendizagem.

É fácil criticar o professor de língua inglesa da escola pública dizendo que ele se acomoda e passa o ano todo trabalhando apenas com regras gramaticais, como por exemplo, a conjugação do verbo to be (ser/estar). Dessa forma, fazer diferente exige todo um esforço por parte do próprio professor: não se acomodar, mesmo sem as condições necessárias de trabalho, inventar, criar possibilidades de aprendizagem, incentivar os alunos a descobrirem em si mesmos a necessidade de uma outra língua que não a materna.

Segundo Marx (apud GORENDER, 2002, p. 24), "a essência do homem é o conjunto das relações sociais". Sendo assim a consciência pode ser adquirida nas relações interpessoais: alunos-professor-direção, porém se existe condições tão adversas de trabalho, a consciência de sermos bons professores pode resolver a situação? Ser ou não ser um bom profissional, um bom professor de línguas, não depende só do professor. Dependem, também, do tempo disponível que este profissional possa ter para planejar, de oportunidades de estudo com cursos de capacitação, grupos de estudos, de pesquisas e de participação em eventos nas universidades e demais centros de ensino.

Devido a esse descaso e às condições precárias, todos concordam que a aprendizagem do aluno é afetada seriamente. Ao serem perguntados se existe uma aprendizagem efetiva, eles acreditam que não, como desabafa o professor B: "o mais difícil de trabalhar é a fala, por inúmeros motivos; o principal, é o fato de uma sala de aula ser muito cheia, não dá para trabalhar assim". Conforme o professor A: "as salas são muito cheias, o professor se sente constrangido. Enquanto ele está tentando fazer um pequeno grupo se comunicar, com diálogos e encenações, uma outra parte está rindo, brincando; a gente consegue fazer um pouco, mas não aquilo que me satisfaz. Como professora eu nunca estou satisfeita". Em se tratando de língua, é necessário que se trabalhe as quatro habilidades lingüísticas: falar, ouvir, escrever e ler. Sabe-se que nem todos os estudantes de línguas desenvolvem as quatro habilidades conjuntamente. Contudo, cabe ao educador, estimulá-los para que atinjam este objetivo.

O fato de a disciplina ter uma carga horária limitada afeta a aprendizagem do aluno. Através do esclarecimento do professor D de que "a carga horária limitadíssima da nossa disciplina não nos permite fazer um bom trabalho, um trabalho efetivo", podemos comprovar nossa afirmação. Uma aprendizagem eficiente em língua estrangeira requer um número menor de alunos em sala e maior quantidade de aulas semanais, além do que o número de diários e o trabalho burocrático tomam grande parte do tempo da aula. Torna-se difícil conhecer os alunos, atendê-los de forma satisfatória com todas essas dificuldades mencionadas.

AS ABORDAGENS UTILIZADAS PELO PROFESSOR DE LINGUA ESTRANGEIRA

Em face de tantos desafios, num contexto de grandes mudanças históricas, o professor de línguas é constantemente cobrado por um modelo ideal de profissional que, muitas vezes, permanecedistante dos professoresdas escolas públicas ou privadas, onde, em determinadas circunstâncias, são meros repetidores de paradigmas, muitas vezes, obsoletos. Não se adequaram ao moderno e não souberam fazer o aluno entender qual a importância de se estudar uma segunda língua, sem ter uma postura ingênua e, por isso mesmo, descolonizadora, como nos alertam Brydon e Tiffin "Our minds, as well our economies, must be decolonised[1]" (1993, p.11).

Os professores de línguas, em busca da descoberta da sua identidade cultural própria, tendem a criar suas próprias abordagens. A abordagem do professor pode orientá-lo na construção de seu desempenho; é o que equivale a conhecimentos, crenças, pressupostos, e eventualmente, princípios sobre o que é linguagem humana (ALMEIDA FILHO, 1993, p.15). Sobre a questão da abordagem o professor C afirma que "definitivamente não dá para dizer que eu tenha uma abordagem única, eu saio pulando, vamos dizer assim, fazendo uma miscelânea das várias abordagens, dos vários métodos".

No Brasil, o interesse no estudo do processo educativo de aquisição/ aprendizagem de um novo idioma tem se centralizado na descrição e no uso destes métodos pelo professor, ou seja, no como se ensina e se aprende nas salas de aula. Esta preocupação com o ensinar e o aprender a língua inglesa assume uma importância ainda maior quando se volta para as escolas públicas, cujo baixo aprendizado referente ao aluno que conclui o Ensino Fundamental e Médio provoca inquietação naqueles que vivenciam cotidianamente, tais realidades. Conforme o professor B, "se existe aprendizagem efetiva eu diria que não".

Compete ao professor escolher o seu método ou a abordagem que melhor lhe convém. Segundo Luzuriaga (apud GADOTTI, 2005, p. 99) "quando se tem que aprender é necessário a análise para não cair na confusão, prosseguir salientando os pensamentos principais e concluir por uma auto-reflexão". A abordagem ou o método adequado são, muitas vezes, criados pelo professor ao longo da sua trajetória de ensino. Dizer que esse ou aquele método é o ideal, pode ser um tanto quanto perigoso, uma vez que é a partir da prática de ensino que se estabelece o método, o percurso, pois o professor vai "trilhando o seu próprio caminho".

Independente do método, o professor de língua estrangeira deve dar sentido real as suas aulas, e fazer com que o aluno seja capaz de produzir nessa língua. Como ressalta Celani:" o aluno não pode sentir que o que ele faz na escola não tem relação alguma com nada e que é incapaz de produzir alguma coisa na língua estrangeira" (1989, p.27). Para que o aluno possa sentir confiança nas aulas de língua estrangeira e acreditar que tem capacidade de produzir nessa língua, é necessário que haja uma definição clara dos objetivos de ensino de línguas; é necessário, ainda, que um bom planejamento aconteça; que possa utilizar vários métodos, como aconselha Almeida Filho: "que crie a sua própria abordagem, sua filosofia de trabalho, verdadeira força potencial capaz de orientar as decisões e ações do professor nas distintas fases da operação global de ensino" (1993, p. 15).

Devido a essa necessidade emergente, os papéis dos profissionais que trabalham nessa área foram redirecionados; estudos foram redefinidos, novas perspectivas econômicas, novos paradigmas educacionais foram implantados e, surgiu daí, a crescente avaliação de métodos e objetivos de ensino, tanto com relação à necessidade dos alunos como aos aspectos histórico e cultural de situação específica de ensino, porém, as condições de trabalho dos profissionais dessa área permaneceram as mesmas.

As abordagens utilizadas pelos professores entrevistados são a comunicativa e a instrumental. Há, na verdade, uma miscelânea de métodos e abordagens. Desse percurso, cada professor constrói seu próprio caminho, como esclarece o professor C: "eu utilizo vários métodos, mas, definitivamente, não dá para dizer que eu tenha uma abordagem única; eu saio pulando, vamos dizer assim, ou fazendo uma miscelânea das várias abordagens, dos vários métodos".

O professor de língua inglesa é constantemente cobrado pelo domínio do idioma (oral e escrito) e uma formação pedagógica com um bom desempenho em lingüística aplicada. E ainda, para ser realmente um bom professor de língua inglesa, é preciso ter consciência política pois, segundo Leffa "só um professor emancipado pode ser capaz de mudar a história, de ter segurança em transgredir e modificar de modo efetivo o currículo, quando necessário" (2001, p.1). Contudo, como afirma Paiva, "em número reduzido, temos profissionais bem formados dentro do perfil ideal que se almeja para um professor de língua inglesa" (1997, p. 9-17).

O número elevado de turmas é, também, um fator preocupante no cotidiano do professor de língua inglesa. Por ter no currículo das escolas apenas uma aula semanal, o trabalho como já mencionamos neste artigo, fica ainda mais estressante e sem sentido, principalmente no fundamental, onde se exige mais atenção pelo fato de serem crianças. Como declara o professor B: "o ideal é ter no mínimo duas aulas semanais para poder explorar formas de aprendizagem diferenciadas, por exemplo, o trabalho com músicas e projetos".

O OLHAR DO PROFESSOR DE LÍNGUA INGLESA

A língua, como nos diz Barthes "é o parasita social onde se inscreve o poder" (1997, p.12). Nessa perspectiva, o ensino de língua inglesa, usado como uma forma de poder, traz certa preocupação aos lingüistas e demais intelectuais preocupados com o processo ensino/aprendizagem de uma língua estrangeira. Palavras e expressões em inglês penetramtodos os setores da vida especialmente nos maiores centros urbanos e, muitas vezes, faz confusão na vida das pessoas que desconhecem a língua inglesa. Como afirma Rajagopalan: "pode-se dizer que a língua está sendo usada de forma inadequada, somente para privilegiar certos setores da sociedade" (2004, p. 12), numa clara indicação de que o uso da palavra estrangeira infunde certo status ao produto ou à pessoa que quer vendê-lo. É muito comum, principalmente nos grandes centros urbanos, uma verdadeira enxurrada de palavras da língua inglesa sendo usadas, sem necessidade, fazendo com que os cidadãos comuns sintam se constrangidos com a forma como alguns setores da sociedade impõem a sua forma e estrutura lingüística, como por exemplo: For sale – Off – Delivery – Pet Shop, etc, termos cujo significado, muitas vezes, nem os vendedores e lojistas dominam ou conhecem.

O trabalho de conscientização e descolonização das mentes cabe, também, ao professor de língua inglesa. Não ser apenas um mero repetidor do sistema educacional que aliena é papel primordial dos estudantes e professores. É preciso que o professor se vista de novos instrumentos, faça novas leituras. É preciso que ele tenha um novo olhar para seu aluno, para a sua profissão, para que haja uma verdadeira revolução e conscientização no ensino, na aprendizagem e na própria vida do professor. Contudo, se cada professor prefere trabalhar sozinho, enfrentar todas as mazelas que vêm das péssimas condições de trabalho, "não restam dúvidas de que não se poderá fazê-lo se cada um dos pedagogos de uma escola realiza, separadamente, o seu trabalho educativo segundo o seu próprio entendimento e desejo" (MAKARENKO apud GADOTTI, 2005, p.136). Como afirma Moita Lopes:

É então, urgente que além de se mudar a atitude em relação ao aluno, se passe a concentrar as pesquisas na sala de aula da escola pública de modo que se possa entender verdadeiramente esse contexto livre de conceitos pseudocientíficos e ideológicos: as crenças devem dar lugar á reflexão.

Ao ensinar uma segunda língua, o professor precisa saber respeitar a língua enquanto instrumento de comunicação. No entanto, não pode fazer da mesma motivo de adoração e alienação, como dizer ao aprendiz que a língua inglesa é a mais importante, pois é falada em muitos países, ou é a que está no poder, ou utilizar frases 'cristalizadas' desse tipo, o que faz com que, muitas vezes, o aluno tenha uma idéia errônea da língua estudada, daí surgirem dois tipos de tendências por parte do aprendiz: colocá-la num pedestal, dando uma importância exagerada à língua alvo, ou criar uma verdadeira aversão e transformá-la em uma espécie de xenofobia.

Trabalhar com línguas pode ser delicado quando o profissional segue certas tendências, como valorizar em demasia a língua trabalhada ou deixar que o desânimo se dissemine e fique sem vontade de ensinar, passando a não acreditar na disciplina que está lecionando. Conforme Bagno: "a língua é usada para a comunicação do indivíduo consigo mesmo, e é veiculo de comunicação" (1998, p.53). Resta ao professor ter consciência desse papel, dessas relações e encontrar uma forma adequada de explicar ao aluno, como e por que é importante aprender uma segunda língua. Cabe ao professor, também, saber orientá-lo nessa aprendizagem, que não seja um "defensor" da sua língua materna achando que ao estudar a língua inglesa ele pode estar assassinando a sua própria língua, nem ser um alienado, e achar que a língua inglesa deva ser adorada e considerada superior. Ser capaz de distinguir esses dois estereótipos é papel primordial do professor de línguas e, afinal, respeitar e ser respeitado – "permitir que cada um exista, co-exista e possa se comunicar na língua do seu coração ou da sua mente. E que aprenda a respeitar profundamente a língua do outro" (CAPUCHO apud GADOTTI, 2005, p.87).

Muitos professores não conseguem fazer um papel de conscientização, pois nem eles mesmos estão conscientizados, daí os seus comportamentos confusos, muitas vezes alienados. Acreditam até que a língua inglesa é mais "bonita", é a mais usada no mundo todo, por isso o aluno tem que aprender. Esquece o seu papel principal, que é o de mediador, de conscientizar e não alienar. Como pontua um dos entrevistados, o professor B: "o meu papel como professor é mostrar que você não tem que ser colonizado pela língua inglesa, e sim, se descolonizar da mesma".

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante que novos olhares sejam direcionados à disciplina de língua inglesa. Que seja possível aos professores dessa disciplina fazer um trabalho efetivo, organizado, que novos papéis sejam redirecionados, fazendo com que a disciplina língua inglesa na escola pública tenha sentido. Chega de faz de conta, onde professores fingem que ensinam e alunos fingem que aprendem, ou que estudam.

É de suma importância que o professor de língua inglesa tenha sua própria sala, uma espécie de laboratório de línguas, com todos os materiais necessários para um bom desempenho. Para isso, o Estado deve oferecer melhores condições para os professores estudarem, participarem de congressos, de viagens a países de língua inglesa, no intuito de que cada um desses professores se sintam confiantes na hora de desenvolver uma conversação com seus alunos. E mais ainda, que a própria escola possa oferecer aulas específicas de conversação aos membros da comunidade estudantil.

O número de alunos por sala nas aulas de inglês precisa ser repensado. É impossível ao professor fazer um bom trabalho com salas de elevado número de estudantes. O ideal é que cada sala tenha, no máximo, 20 alunos, fazendo, assim, com que o professor tenha um melhor desempenho nessas turmas.

A carga horária dos professores é desgastante; não há como fazer um bom trabalho com tantas turmas; é necessário que se repense a carga horária dos professores de língua inglesa na escola pública. Devido a grande quantidade de turmas, o professor termina recebendo muitos diários e tende a trabalhar, muito mais nos finais de bimestre, quando tem que registrar e repassar para a secretaria as notas dos alunos.

As abordagens criadas por cada professor têm que ser respeitadas, desde que esse professor possa ter sabedoria suficiente para entender que a aprendizagem do aluno tem que estar em primeiro lugar. Que o professor trilhe os seus próprios caminhos, mas não se permita esquecer de pensar sempre na aprendizagem do aluno, e se essa aprendizagem está sendo realmente efetiva. Usar sua própria abordagem, seu próprio método, mas não esquecer da pesquisa, da interatividade em sala de aula, da interdisciplinaridade, de aproveitar o movimento dos alunos para criar suas aulas. Finalmente, saber respeitar os valores, as crenças e as culturas de cada aluno.

Referências

ALMEIDA FILHO, José Carlos P. de. Dimensões Comunicativas no Ensino de Línguas. Campinas, 1993.

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BARTHES, Roland. Aula. Trad. Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix,

Brydon, Diana & Tiffin, Hellen. Decolonising Fictions. Summit, Canada, 1993.

CELANI, Maria A. Alba. O Ensino de Línguas é Essencial. Nova Escola, São Paulo: FVC, ano IV, n. 36, p.27-29, dez. 1989.

GADOTTI, Moacir. História das Idéias Pedagógicas. São Paulo: Ática, 2005.

GIL, Antonio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.

GORENDER, Jacob. Marxismo sem Utopia. São Paulo:Ática, 2002.

LARROSA, Jorge. Linguagem e Educação Depois de Babel. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

LEFFA, Vilson J. (org) O professor de Línguas Estrangeiras – Construindo a Profissão. Pelotas: Educa, 2001.

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MEMMI, Albert. Retrato do Colonizado Precedido Pelo Retrato do Colonizador. 3. ed. Trad. Roland Corbisier e Mariza Pinto Coelho. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

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SILVA, Fabio Lopes da; RAJAGOPALAN, Kanavillil (orgs). O inglês no Brasil: uma mercadoria muito valorizada. A lingüística que nos faz falhar. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Cortez, 2002.




Autor: Maria Gurgel


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