CASO DE POLICIA (3)
- “ Podemos até chegar ao nome dos criminosos – imaginava o Dr. Antunes
– “ Duvido muito! – retrucava o Emiliano.
- “ Por quê?
- “ Porque antigamente uma organização desse tipo era composta por células, de cinco ou seis pessoas; cada pessoa, dentro da célula, encarregava-se de um “setor” e era obrigada a conhecer o plano geral, agindo por iniciativa própria, quando fosse necessário substituir um colega.
Resultado: a prisão de um conduzia à prisão dos seis, ou ao desmonte da unidade, com prejuízo para o plano geral.
As células foram restringindo-se, até chegarem a um par de pessoas.
Mas também este modelo mostrou-se inadequado.
Hoje cada elemento age por conta própria, tem apenas dois contatos, que não conhece e que não se encontram com ele.
É impossível, quando é feita uma prisão, puxar os fios e desmontar a estrutura. Ela simplesmente não existe. “
Antunes, mais uma vez ficou de queixo caído.
“Mente criminosa! – reagiu – não se fazem mais repórteres como antigamente!
- E como eram, os tais repórteres de antigamente?
- Eram limpos, cândidos, não sabiam nada de planos das gangues, não puxavam teorias e deixavam e paz os chefes de polícia, em vez de enchê-los com sua prosa suja e seus desprezíveis jogos de xadrez!...
Emiliano deu sua gostosa risada e partiu para o capítulo seguinte.
O fato é que depois de longa e paciente espera, Maria do Carmo chegou, Emiliano com sua lábia, seu sorriso, sua manha de gaúcho convincente, tirou dela tudo o que queria saber, e saiu de fininho, com o Corsa azul celeste rumo ao Embu.
Enquanto dirigia, pensava que quando chegasse a ter algum dinheiro, a primeira coisa a fazer seria trocar o carro; ou pelo menos, sua cor.
Ninguém confiaria em um repórter com um carrinho azul celeste...
Quem sabe, mais tarde, após a tempestade passar, poderia dá-lo de presente à Tchi...
Voltou a se concentrar nas informações recebidas; localizou o esconderijo e se encontrou novamente diante daqueles dois armários; os mesmos da perseguição.
Levantando uma bandeira de paz, ficou com os dois num bar infecto por mais de uma hora e tirou deles o nome do contratante.
O Professor? O Cônsul geral? O Karl? O diretor do banco?. Não, não, não! Nenhuma das anteriores! Tudo errado!
Não queria acreditar.
Recomeçava o fio do seu raciocínio e engasgava naquele nome.
Demorou em se conformar.
Mas a vida é cheia de surpresas.
Entrou novamente no carro e voltou, na velocidade de trânsito (uns treze quilômetros por hora, com tendência a piorar) invadindo a Chefatura com seu andar balançado, seus passos largos e seu jeito decidido.
Quando finalmente conseguiu alcançar a sala do Dr. Antunes, olhou bem em volta, e murmurou-lhe um nome.
O Chefe quase desmaiou.
Recusou-se a aceitar a informação.
Depois começou a reclamar, dizendo que era uma deslavada mentira, que não se deveria aceitar uma notícia deste tipo.
Era contra a sua natureza. Mas lá estava ela. Sem máscara, sem nenhuma possibilidade de erro.
À testa de toda a operação, do atentado, do rapto da Cláudia, do sumiço do Karl, estava ela, a Dra. Ágata!
Todas as coisas começaram a fazer sentido; tudo começou a se encaixar; aquele nome era a explicação para todos os detalhes que tinham ficado soltos.
Imediatamente os dois puseram-se em campo para organizar uma ação, capaz de enredá-la, neutralizá-la e fazê-la “cantar”; para, enfim, pôr tudo em pratos limpos.
- “Mas não vamos mexer uma palha antes de estarmos prontos, garantidos contra todos os possíveis desdobramentos, ok? Tudo continua como está!” -
Esta última “bomba” acabou com a resistência física do Dr. Antunes; ele gostava sinceramente da moça, de uma forma protetora e paternal. Uma traição deste tipo era inadmissível. Saiu batendo a porta do gabinete e desapareceu.
No dia seguinte, quinta feira, o Dr. Antunes chegou à hora de costume e recebeu das mãos da Dra. Ágata o costumeiro cafezinho acompanhado do sempre delicioso sorriso dela. Emiliano chegou em seguida e os três reuniram-se no Gabinete, para ler os e-mails do dia anterior. Nada havia de muito importante.
Quando Emiliano se retirou, ela se abriu:
- Dr.Antunes – começou dizendo – eu estou estranhando muito a presença do Emiliano e principalmente a liberdade com a qual age dentro da Chefatura.
Parece até um funcionário de carreira! –
- Você tem razão, Ágata, bem pensado. Precisamos coibir estas invasões. Mande fazer um cartaz com a proibição à entrada de estranhos nas dependências internas.
- Está bem, Chefe. Mais alguma coisa?
- Não. Não tem nada de novo no caso da explosão; vamos aguardar que alguma coisa se movimente. Você soube se os “free lancers” conseguiram alguma coisa?
- Nada, absolutamente. Estou falando com todos eles o tempo todo. A sua proibição teve um resultado extraordinário. É como mostrar um bolo à criançada e dizer que não mexam. Não há quem não fique tentado...
- Bem, fique atenta – e me diga logo se aparece alguma nova pista.
- Ok, Chefe. O senhor vai sair?
- Sim, vou cortar o cabelo. Volto dentro de uma meia hora. Mas se precisar, chame-me no celular.
Foi difícil, mas o Dr. Antunes sustentou bem o papel e não deixou transparecer sua decepção, sua raiva diante de uma traição tão grave.
Quando se encontraram, na Avenida São Luiz, ele e o Emiliano saíram passeando, como se fosse um feriado de primavera, conversando animadamente, olhando vitrines e não perdendo de vista as moças elegantes do pedaço.
Não poderiam falar dentro da Chefatura; qualquer indiscrição poderia pôr tudo a perder.
- Agora, - iniciou o Antunes, depois de um longo suspiro - o próximo ponto é descobrir quantas pessoas dentro e fora da delegacia, estão envolvidas e até que ponto.
- Verdade; enquanto não esclarecer isso, não dá para abrir a boca lá dentro.
- Com certeza o Jamil faz parte do plano; acho que é peixe pequeno; mas o papel da Ágata é tão importante assim?
- Não sei, não imagino, Dr. Antunes; mas não deve ser uma peça secundária; veja que foi através dela que nossos passos foram seguidos e nossas descobertas rastreadas.
- Ocorre-me uma idéia, Emiliano – o Antunes parecia estar falando sozinho, pois estava acompanhando o rumo de seus pensamentos, sem perceber o que estava em volta - existe uma briga surda entre o Conselheiro Sênior, Lientai e o embaixador Hominton – que está reduzido a marionete, na mão do Conselheiro.
- Acha que é de fundo político, ou econômico?
- Político, sem dúvida; o conselheiro é emissário do Governo Central; é treinado para difundir a ideologia e evitar que os funcionários se desviem dela.
- Sim, mas há outra briga feia, que o Conselheiro armou contra o Diretor Geral do Banco; a origem do atentado deve estar neste rixa.
- E esta, então, deve ser econômica!
- Claro, tem uma grande quantidade de dinheiro, ou de “muamba”, envolvida nesse assunto.
- Então... que tal se...
- Pois é, eu estava pensando da mesma forma; que tal se puséssemos um contra os outros...
- Sem dúvida algumas cabeças rolariam e o assunto ficaria mais simples.
- Pois é; este é o caminho!
- Ainda vejo um problema: o Karl!
- Não havíamos mais pensado nisso; onde estará o Karl?
- E que papel tem ele nisso tudo?
Depois de tantas perguntas, deviam tomar um rumo.
Primeiro, um contato com o Consulado Geral, tentando descobrir a posição oficial e particular do Cônsul Geral
Depois de conversar um pouco mais com o Dr. Antunes, Emiliano partiu para o ataque.
Telefonou ao consulado em nome do jornal, oferecendo a publicação de uma entrevista na edição do domingo seguinte, mas sem citar o nome do repórter.
O cônsul mostrou a melhor disposição para recebê-lo e marcaram a entrevista para a manhã seguinte.
A ampla sala do Cônsul Geral ostentava uma grande quantidade de troféus, peças de porcelana, espada, adagas, miniaturas de marfim, que ilustravam a paciência, a perseverança, a arte daquele povo tão sofrido, vítima de constantes desastres, tanto naturais quanto políticos, e a sua infinita capacidade de resistir a tudo.
Esta foi, aliás, a tônica sobre a qual o Emiliano encaminhou a entrevista.
Ele percebeu logo várias câmeras ocultas, cuja presença não escaparia a um observador agudo como ele; elas com certeza captavam as palavras, os gestos e as expressões faciais dos dois interlocutores.
Falaram da Província e dos seus habitantes, dos problemas econômicos e do crescimento lento, mas seguro, rumo à prosperidade e à distribuição equitativa da renda .
Ao abordar o problema político, o Cônsul diminuiu sua afabilidade e foi extremamente vago.
- “No meu entender, senhor Emiliano, as questões políticas são complexas e exigem estudo profundo. Não são assuntos a serem enfrentados numa entrevista.”
Toda a conversação transcorreu calmamente e Emiliano deu graças a Deus que o Conselheiro não estivesse presente.
O Cônsul foi interrompido apenas duas vezes, por um telefone interno – e o repórter deduziu que o Conselheiro estava aborrecido com o rumo da conversa ou com alguma expressão usada .
- “Como é de praxe” – o Cônsul comentou quase no fim da entrevista – “aguardaremos que nos remeta uma cópia de nossa conversação, para corrigirmos eventuais mal entendidos, antes de autorizarmos a sua publicação,.
- “Perfeitamente, Excelência” – confirmou o Emiliano
O Cônsul levou-o a escolher as fotos que completariam o artigo. .
Nesse momento Emiliano passou-lhe um bilhete com um número de telefone.
Era da residência de amigos e com certeza não era grampeado.
Do seu lado, o Cônsul deveria tomar seus cuidados, caso decidisse aceitar a sugestão.
Sem mexer um único músculo do rosto, o Cônsul colocou o papel num caderno, num gesto perfeitamente natural.
- “Sempre se aprende algo, no serviço diplomático” – pensou o Emiliano.
Despediram-se formalmente, ambos satisfeitos com a conversação.
Apenas uma hora depois, Emiliano sentava numa confortável poltrona na frente do senhor Chussin, Emérito Diretor do Banco da Província d Galkamour.
O pretexto era o mesmo: uma reportagem, a ser publicada, a respeito das importantes atividades financeiras desenvolvidas pelo poderoso Banco.
O Diretor Chussin começou a entrevista enaltecendo a capacidade financeira do Banco, seus apurados cuidados e o equilíbrio entre uma política agressiva de empréstimos e a preocupação permanente com o bem estar dos clientes, evitando riscos desnecessários.
Emiliano não quis tocar no assunto do atentado, mas perguntou, com uma ponta de curiosa ingenuidade, como era o relacionamento entre o Banco – supostamente uma organização privada – e o Consulado Geral, que recebia diretrizes rigorosas do Governo Central e devia obedecê-las e fazer com que todos as respeitassem:
- É evidente – acrescentou – que haverá sempre um conflito entre os dois pontos de vista.
O diretor Chussin sentia-se evidentemente mais livre do que seu colega Cônsul Geral Hominton, pois se permitiu comentar, não sem um pouco de receio, os recentes acontecimentos.
Em todo seu comportamento, ele refletia o pavor de ser repatriado, de ter que enfrentar um julgamento já decidido de antemão e no qual não teria defesa possível.
Emiliano passou-lhe um papelzinho igual ao que tinha entregue ao Cônsul.
O Diretor não revelou absolutamente nenhuma surpresa e prometeu entrar em contato.
Às oito da noite, renovado por um banho longuíssimo, o Emiliano tocava à porta de seus amigos, onde “guardara” a sete chaves, a sua pequena Tchi.
Mas ela não estava.
Durante a tarde, alguém tinha telefonado, combinando um encontro.
Às cinco horas um enorme carro preto estacionou na frente do apartamento e Tchi entrou nele.
Emiliano sentiu o seu mundo
Autor: Romano Dazzi
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