Sigilo Fiscal



A evasão fiscal significa evasão tributária, e é toda ação ou omissão por parte de contribuintes definidos como tal por um sistema legal impositivo, que implique em subtrair esses contribuintes ao recolhimento dos tributos devidos.

A Lei Complementar 105/2001 que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras oportunizou a flexibilização das garantias individuais em detrimento dos interesses arrecadatórios do Fisco.

Com a edição desta lei o Poder Legislativo conferiu ao Poder Executivo meios para obter acesso aos dados bancários e fiscais dos contribuintes, sem que haja necessidade de comprovar indícios da autoria de crime de sonegação, outorgando à Receita Federal o poder de quebra de sigilo, sem a prévia autorização judicial. Tal prática vai de encontro com o direito à ampla defesa e ao contraditório (artigo 5°, LV da CF/88) que o contribuinte tem, e violando o direito individual à privacidade que a constituição garante desde que não sirva para encobrir ilícito.

Neste mesmo sentido é o entendimento do conhecido doutrinador Hugo de Brito Machado:

“Estabelece a Constituição que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (artigo 5°, XXXV). Tem-se, pois, no Direito brasileiro, a inafastabilidade do controle judicial. Qualquer lei que, direta ou indiretamente, exclua a apreciação do Poder Judiciário relativamente a qualquer lesão, ou ameaça a direito, será inconstitucional.”

A quebra de sigilo fiscal realizado pelas autoridades e agentes fiscais tributários importa à reflexão do sistema processual penal adotado na medida em que, o acesso aos dados bancários e fiscais do contribuinte servem como meio de combate ao crime de sonegação, iniciando-se, desde já a fase pré-processual.

A Lei n° 4.729/65 definiu como crime de sonegação fiscal comportamentos, que descreveu de forma casuística, relacionados com o dever tributário, para intimidar os contribuintes que sonegavam impostos. O seu artigo 7º determinava que: "As autoridades administrativas que tiverem conhecimento do crime previsto nesta lei, inclusive em autos e papéis que conhecerem, sob pena de responsabilidade, remeterão ao Ministério Público os elementos comprobatórios da infração, para a instrução do procedimento criminal cabível."

Em seus parágrafos primeiro e segundo, determinava que: "Se os elementos comprobatórios forem suficientes, o Ministério Público oferecerá desde logo a denúncia e sendo necessários esclarecimentos, documentos ou diligências complementares, o Ministério Público os requisitará, na forma estabelecida no Código de Processo Penal."

Com o advento da Lei n° 8.137/90, que definiu os crimes contra a ordem tributária, sem utilizar o nome sonegação fiscal, definiu estes fatos sobre aquela designação, podendo-se considerar revogada a lei anteriormente citada. Nos termos dos artigos 1° e 2° da Lei n° 8.137/90, constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as condutas tipificadas em suas alíneas.

O sigilo bancário e fiscal constitui-se como direitos constitucionais explícitos nos incisos X e XII do artigo 5º da Constituição Federal, qual seja o direito à privacidade e ao sigilo na comunicação de dados.

Claro é que no direito à privacidade inclui-se a garantia de sigilo dos dados bancários e fiscais, importante para a presente análise é a discussão acerca da necessidade ou não de ordem judicial para autorizar tal medida, no que se refere, de forma específica, ao estudo dos artigos 5º e 6º da Lei Complementar 105/2001, que disciplinam a autorização de quebra de sigilo bancário concedida às autoridades fiscais, sem a necessidade de apreciação judicial, tudo isso tendo em vista que estes dispositivos objetivam o combate ao crime de sonegação fiscal.

Art. 5º - O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.

§ 1° Consideram-se operações financeiras, para os efeitos deste artigo:

I – depósitos à vista e a prazo, inclusive em conta de poupança;

II – pagamentos efetuados em moeda corrente ou em cheques;

III – emissão de ordens de crédito ou documentos assemelhados;

IV – resgates em contas de depósitos à vista ou a prazo, inclusive de poupança;

V – contratos de mútuo;

VI – descontos de duplicatas, notas promissórias e outros títulos de crédito;

VII – aquisições e vendas de títulos de renda fixa ou variável;

VIII – aplicações em fundos de investimentos;

IX – aquisições de moeda estrangeira;

X – conversões de moeda estrangeira em moeda nacional;

XI – transferências de moeda e outros valores para o exterior;

XII – operações com ouro, ativo financeiro;

XIII - operações com cartão de crédito;

XIV - operações de arrendamento mercantil; e

XV – quaisquer outras operações de natureza semelhante que venham a ser autorizadas pelo Banco Central do Brasil, Comissão de Valores Mobiliários ou outro órgão competente.

§ 2° As informações transferidas na forma do caput deste artigo restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados.

§ 3° Não se incluem entre as informações de que trata este artigo as operações financeiras efetuadas pelas administrações direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 4o Recebidas às informações de que trata este artigo, se detectados indícios de falhas, incorreções ou omissões, ou de cometimento de ilícito fiscal, a autoridade interessada poderá requisitar as informações e os documentos de que necessitar, bem como realizar fiscalização ou auditoria para a adequada apuração dos fatos.

§ 5o As informações a que refere este artigo serão conservadas sob sigilo fiscal, na forma da legislação em vigor.

Art. 6º - As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.

Os defensores da corrente pela inconstitucionalidade desta lei complementar, argumentam que o sigilo bancário e fiscal constitui expressão do direito à intimidade, tratando-se de matéria sujeita à reserva de jurisdição.

Miguel Reale assevera:

“Exceção às CPI’s, para as quais são inerentes poderes próprios de investigação judicial por outorga constitucional, não podem outros órgãos, poderes ou entidades não autorizados pela Lei Maior quebrar o sigilo bancário e fiscal e, pois, afastar o direito à privacidade independentemente de autorização judicial, a pretexto de fazer prevalecer o interesse público, máxime quando não têm o dever de imparcialidade por serem parte na relação mantida com o particular”

Para os defensores da corrente pela constitucionalidade, o legislador pode validamente prever a possibilidade de acesso pela autoridade fiscal dos dados bancários e fiscais, sem intervenção do Poder Judiciário, não havendo qualquer incompatibilidade vertical da previsão legal da Constituição Federal.

Neste sentido temos o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que concluiu pela constitucionalidade:

"Da mesma forma, a Lei Complementar no 105/2001 autoriza o acesso da autoridade fiscal aos documentos, livros e registros das instituições financeiras, inclusive aos relativos a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso. Portanto, o repasse das informações pela instituição bancária à Receita Federal e sua utilização para fins de fiscalização pelo IR tem amparo legal e não afronta as garantias constitucionais".

Conforme entendimento do doutrinador James Marins: “Deve-se ter em mente que o dever de investigação jungido à atividade da Administração tributária, aliado ao dever de colaboração que norteia a relação entre a Administração e cidadão, não admite invasão no campo das garantias fundamentais, máxime, se tal ingerência implique em supressão dessas garantias”.

Para os adeptos desta corrente a Lei Complementar no 105/2001 apenas previu instrumento para o exercício do múnus previsto no artigo 145, parágrafo 1°, da Lei Maior, sem afronta a qualquer direito fundamental.

Artigo 145, § 1º :Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”.

O sigilo fiscal também está regulamentado pela legislação infraconstitucional, em que encontra fundamentação no art. 198 do Código Tributário Nacional:

Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado dos seus negócios ou atividades. § 1º Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes: I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça; II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.

As medidas trazidas pela Lei Complementar 105/2001, em minha opinião, são necessárias, pois constituem os meios eficazes para os fins a que se destinam, isso é, quaisquer alternativas, ainda que menos restritivas de direitos individuais, são desprovidas de igual potencial para dirimir as distorções da aplicação do princípio da capacidade contributiva. A potencialidade da medida ora em análise pode ser também aferida pelo efeito que ela provoca na sociedade, como uma forma de manifestação do poder de polícia exercido pela Administração Tributária. O acesso às movimentações bancárias desempenha função tanto repressiva quanto preventiva, sendo essa última, de caráter educativo e dotado de elevada eficácia pela possibilidade de aquele tipo de ação fiscal ser levado ao conhecimento da coletividade, provocando certa inibição para muitos contribuintes que, diante da falta de vigilância, não hesitariam em omitir rendimentos para não ter que pagarem impostos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 26ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.

MARINS, James. Direito Processual Tributário Brasileiro (Administrativo e Judicial). 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2003.


Autor: Carla Saatkamp


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