COISA DE MENINO



"COISA DE MENINO"

 

Edevânio Francisconi Arceno
Professora Mestre Karyne Johann

Disciplina de Identidade e Gênero

Curso de Pós-Graduação em História Cultural- AUPEX

26/10/09

RESUMO: Muitas vezes dizemos e fazemos coisas, que não sabemos ao certo o porquê as dissemos e fazemos!Isto é incrível, pois reproduzimos conceitos, comportamentos e posturas como se fossem verdades absolutas sem sequer refletir sobre elas. Quantas vezes ouvimos indagações como: "Isto é roupa de menino?"; "Jeito de menino?"; "Cor de menino?", etc. Muitos creditam estas credencies aos livros didáticos, que insistem em demonstrar os meninos usando calça com boné azul, jogando bola na frente de casa, enquanto espera seu pai vir do trabalho. Na verdade estas distinções ilustrativas são mais remotas do que os tais livros, pois fazem parte de uma construção histórica "natural" da superioridade masculina contraposto à "natural" inferioridade feminina. Estas diferenças foram e são construídas de diversas formas, como por exemplo, as cores que evocavam símbolos culturais, morais e religiosos desde a era pré-cristã, onde os recém-nascidos do sexo masculino eram vestidos com roupas azuis, na crença de que ficariam protegidos dos maus espíritos. Este tema é ricamente amplo e não pretendemos exauri-lo, apenas almejamos desmistificar a imagem de vilão que cai sobre os livros didáticos, transformando-os em grandes causadores do abismo entre gêneros.

Palavras chave: Sociedade; Concepções; Transformações.

1 INTRODUÇÃO

Atualmente existem muitos estudos sobre a questão entre Livros Didáticos e Gênero, e a grande maioria retribui a eles a causa das divergências e distinções do gênero masculino e feminino.

Não negamos o fato de que em suas páginas são repletas destas distinções, porém não concordamos que são a causa prima destas constantes divergências ente masculino e feminino, mas sem dúvida, os livros didáticos têm contribuído significadamente na perpetuação destas construções.

A pesquisadora Elicéia de Fátima Martins, no seu trabalho: Os Papéis de Gênero nos Livros Didáticos de Ciências, divulgou dados que confirmam a tendenciosidade dos livros didáticos na construção do gênero. Ela revelou que dados mostram que os meninos pouco participam das atividades domésticas. Eles são relacionados com atividades esportivas como futebol, andam a cavalo, de bicicleta e pescam, enquanto que:

Nas ilustrações dos livros, essas idéias são acentuadas na relação do trabalho de homem e do trabalho de mulher. O homem pesca, lava e dirige o carro - tudo o que está relacionado com carro relaciona-se com homens, implicando na idéia de que mulheres não podem dirigir. A mulher cuida de casa (43%), lava e estende roupas no varal, passa roupa, cuida da alimentação (59%), segura panela, lava pratos, cozinha e serve a mesa. Ela é representada, nos livros, pela típica dona de casa que cuida das crianças (82%) e do marido. [...] As mulheres também podem ser professoras (45%), trabalhar na área da saúde (25%) como enfermeiras e algumas poucas odontólogas. (MARTINS, p.11).

Estas ilustrações implicitamente limitam e dão atribuições distintas aos gêneros, reproduzindo aos educandos, que estão em fase de construção do seu indivíduo, qual é seu papel na sociedade. Por isso, muitos discursam ativamente que o livro didático, é o principal agente destas construções de estilos, identidades, e principalmente articulam as igualdades e as diferenças.

2 COMPREENDENDO CONCEITOS

Primeiramente é necessário compreender nosso objeto de pesquisa, pois existem várias interpretações quanto ao conceito de gênero. Isto acontece devido a inúmeras construções de feminino e masculino nas mais diversas geografias, etnias, religiões, nacionalidades, etc. Assim sendo, cada uma produz modelos próprios de feminilidades ou masculinidades.

Sabedores destas particularidades, conceituamos gênero como distinções sócio-culturais entre masculino e feminino. Não é sinônimo de sexo (masculino ou feminino), pois quando falamos de sexo, estamos nos referindo aos aspectos físicos, biológicos de macho e fêmea e suas diferenças anatômicas, (Conflitos entre gênero e sexo podem desencadear outros temas que não é o foco de nosso trabalho). No entanto, é a partir desta diferença biológica, que revela se a criança é menina ou menino, que será construído seu gênero baseado em características e posturas comportamentais adquirido pela cultura e sociedade na qual está inserido.

Outro conceito importante é sabermos o que é um livro didático! O livro didático é um meio facilitador para transmissão de conhecimentos de forma sistematizada. As escolas utilizam o livro didático como nivelador e organizador de conteúdos aos educandos. Quem se responsabiliza pelos livros didáticos no Brasil, é o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, que tem por objetivos básicos a aquisição e a distribuição gratuita, destes livros para os alunos das escolas públicas.

Apesar dessas facilitações, como educadores, devemos atentar para o fato de que o livro didático não é neutro, ele reflete valores e conceitos culturalmente adquiridos pelo seu autor ou autora. Agora que conhecemos os conceitos de gênero e livro didático, torna-se menos complexo a compreensão desta relação complexa.

3 A RELAÇÃO ENTRE LIVRO DIDÁTICO E GÊNERO

Todos recordam daquela famosa pergunta que todo professor fazia e faz: O que você quer ser quando crescer? Atualmente as opções são inúmeras, porém nas décadas passadas, as respostas eram sempre as mesmas, as meninas queriam ser professoras, enquanto que os meninos, jogador de Futebol. Não entendíamos o porquê, talvez a timidez em se expressar por parte de alguns alunos, contribuísse para esta homogeneidade, afinal, ninguém queria ser considerado "diferente", porém até mesmo os mais extrovertidos não fugiam a esta regra.

Hoje creditamos parte deste fenômeno ao livro didático, pois era ele quem demonstrava qual papel cabia ao menino e a menina. Porém os livros didáticos não são os únicos culpados, pois não foram eles que construíram e constroem a sociedade, são apenas reflexos dela, tão pouco, criam pensamentos, costumes, modismos, comportamentos, etc., porém podem perpetuá-los.

O circulo vicioso entre Sociedade, Concepções e Livro Didático, vem implícito e explicitamente moldando gerações através dos tempos, pois as meninas ainda são ilustradas com uma boneca nos braços, enquanto os meninos continuam correndo atrás da bola de futebol.

 

4 PERPETUANDO ANTAGONISMOS

A grande questão é quem nasceu primeiro, as concepções sociais ou livro didático? Obviamente que as formas de representar a sociedade são posteriores a ela mesma. Desde o principio a sociedade ilustrou seu cotidiano como uma forma de registro de sua presença. As pinturas rupestres demonstram como aquelas sociedades viviam e se mantinham vivas. Outros exemplos disto são as iluminuras que retratavam os povos antigos, como sumérios, egípcios (Anexo II), gregos romanos, etc., onde destacavam claramente qual o papel do homem e da Mulher na sua cultura.

As representações sociais da atualidade são representadas através dos livros didáticos, que apenas reproduzem sua sociedade e não objetivam ser um controle social, mas apesar disto estas representações podem contribuir na continuidade das diferenças entre feminino e masculino.

Atualmente é possível vislumbrar pequenas mudanças, como por exemplo, no anexo vemos imagens de meninas e meninos brincando e fazendo atividades juntos, (Anexo IV), porém a figura de guarda pó ainda é a professora. Acreditamos que este será o caminho, como nas demais transformações de nossa história, o processo será lento e gradual.

5 A GÊNESE DO GÊNERO

A separação discriminada em relação ao gênero é manifestada muito antes do nascimento do individuo. Esta segregação sexual inicia-se no seio da família, por meio de suas concepções, valores, pudores e vivências. Quem nunca ouviu profecias tais como: "Vai ser menina, veja como o corpo dela está todo inchado!" ou ainda: "Só cresceu a barriguinha, vai ser menino!" Antes de nascer, o gênero feminino já vem carregando estigmas negativos. Como já dissemos isto acontece em virtude da construção histórica "natural" da superioridade masculina contraposto à "natural" inferioridade feminina.

Previsões aparte, estas distinções ficam mais evidentes a partir do nascimento, pois no momento em que uma criança do sexo masculino nasce e ouvimos: "É menino!", ou "É menina!", dá-se início uma série de diferentes formas de ser e agir com esta criança, que moldará suas vivências para sua inserção no meio social. Da mesma forma, a partir do momento em que esta criança aprende balbuciar "mãmã" ou "papa", ela também passa a interagir e construir concepções distintas.

Como vimos desde que Mundo (Substantivo masculino) é mundo, nos diversos períodos históricos da existência do Homem (Substantivo Masculino), nas mais variadas culturas, as relações entre o masculino e o feminino sempre foram consideradas e representadas como opostos e também complementares. (Anexo I).

O livro didático não foi a causa destas diferenças, mas sim, um sintoma patológico da sociedade que criou e cria estas diferenças. Porém ele torna-se um "sintoma causador", quando ainda insiste em ilustrar as meninas de saia rosa, com seu laçinho rosa, dentro de casa brincando de casinha, fazendo "comidinha", enquanto observa sua boneca no berçinho.

6 O EDUCADOR COMO AGENTE DE TRANSFORMAÇÕES

Quantas vezes olhamos para o espelho e não gostamos do que vemos! Refletimos e decidimos que é preciso uma mudança. Então cortamos o cabelo, mudamos sua cor e às vezes sua forma, levantamos as sobrancelhas, mudamos a maquiagem, enfim realizamos uma série de modificações no intuito de chegar à frente do espelho e exclamar: "Agora sim!".

Da mesma forma os livros didáticos só vão mudar, quando a sociedade for apresentada de forma diferente e neste contexto, como educadores, temos um papel importantíssimo, não simplesmente na função de pressionar para que as mudanças nos livros didáticos ocorram, mas sim transformar a sociedade que ele representa.

Nossas escolas precisam trabalhar na integração de meninos e meninas, não apenas nos conteúdos, mas no geral e principalmente nas brincadeiras, que não precisam ser as mesmas, mas que podem ser realizadas nos mesmos espaços. Desta forma a Escola trabalha a superação de preconceitos e fica comprometida com uma educação não sexista. Além disto, a Escola pode explicitar esta nova realidade aos seus alunos demonstrando como as culturas passadas ainda continuam sendo transmitidas através dos livros didáticos.

 

6 CONCLUSÃO

Para concluir, gostaríamos de salientar mais uma vez que as representações de gênero são históricas e fazem parte da construção sócio-cultural do Homem, portanto muito antes do papel ser inventado, as distinções entre masculino e feminino, já eram ilustradas sobre as rochas paleolíticas.

Não acreditamos na total inocência dos livros didáticos, como dissemos, eles também fazem parte da causa ainda que sejam sintomas patológicos de uma sociedade sexista. Porém alguns educadores vêm durante muito tempo chamando nossa atenção para este tema, outros já deixaram a fase de observação e começaram a agir, e graças a estas ações, já identificamos que as transformações precisam acontecer primeiramente na Sociedade para posteriormente refletir nos livros didáticos.

Não sabemos em qual fase você se encontra, mas como educadores precisamos nos conscientizar do nosso papel transformador na Sociedade. Cremos numa Sociedade justa, igualitária e sem preconceito. Acreditamos ainda, que futuramente estes livros didáticos serão instrumentos de respeito às minorias, tolerância aos diferentes cultos e principalmente de liberdade de gêneros.

Da mesma forma que as diferenças de gêneros são históricas, a esperança também acompanha a "Humanidade", e não somente o homem, desde o principio dos tempos. Por isso temos certeza de que a Humanidade encontrará no seu caminho a perfeita harmonia, mas enquanto isso, você tem a liberdade de achar que isso é apenas "Coisa de Menino".

7 REFERÊNCIAS

BORBA, Jociane André de. Livro Didático Um Aliado à Imposição Social do Gênero

Disponível em: http://www.projetos.unijui.edu.br/matematica/cd_egem/fscommand/CC/CC_62.pdf

. Acesso em: 18/10/2009.

LIMA, Mirna. Porta Aberta Geografia. 2ª Série. São Paulo. Ftd, 2005, p.33.

MARTINS, Eliecília de Fátima. Os Papéis de Gênero nos Livros Didáticos de Ciências. Disponível em: http://www.fae.ufmg.br/ensaio/v9_n1/os-papeis-de-genero-nos-livros-di. Acesso em: 20/10/2009.

RODRIGUE, Joelza Ester. A História em Documento. 6ª Série. São Paulo. Ftd, 2006, p.58,59.


Autor: Edevânio Francisconi Arceno


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