Velho Ano Novo



Velho Ano Novo

Hoje quem vos fala é um professor. Mas não quero falar com alunos. Dirijo-me aos pais de alunos e aos professores desses alunos.

Já se tornou comum – tanto que já não faz efeito e, aliás, nunca fez nem fará – falarmos e reclamarmos e esbravejarmos contra a falência do sistema escolar brasileiro. Essencialmente verdadeira a reclamação: vivemos num sistema falido – para não usar aquela outra palavra, que alguns consideram impublicável! Mas esse não é nosso problema. Desde que foi criada, a escola não deu certo; e, é bom que se diga, foi criada para não funcionar!

Então como se ensinava, nos primórdios da humanidade?

No cotidiano! Na relação diuturna dos pais com os filhos! Não havia escola, pois a escola era a própria vida, a aldeia, a experiência dos mais velhos acumulada numa vida inteira.

Milhares de anos se passaram e alguém decidiu se apropriar de algo, dizendo: "isto é meu!" Acontece que para alguém se apropriar de algo precisa que outro alguém fique desapropriado daquilo. Numa sociedade comunal, como explicar essa relação expropriativa? Como justificar que alguns tenham o que outros são impedidos de ter? Um dos elementos criados para explicar e justificar essa relação de expropriação foi a escola.

É o tempo passou. E, cada vez mais, a sociedade foi se complexificando; consequentemente a escola precisou se especializar. Para isso foram sendo criadas teorias e normas e leis e outros estatutos juntamente com seus métodos e técnicas... e, cada vez mais a escola se distanciou dos princípios educacionais que residiam na sua base: a relação familiar e cotidiana da criança com seus pais. Assim, na sociedade complexa os pais, por vários motivos, não mais tem tempo para os filhos. Como não os querem soltos ao "deus dará" os abandonam nos pátios das escolas. E assim funcionam as escolas: um cercado para confinar centenas de crianças abandonadas pelos pais sem tempo – ou que dedicam seu tempo a ganhar o sustento dos filhos e de seus luxos. Então, se te perguntarem o que é uma escola, pode responder: uma concentração de crianças abandonadas pelos pais, sob a responsabilidade de professores.

Não me leve a mal e não pense que estou ironizando, ou brincando com a situação. Apenas quero dizer, de forma nua e crua, o que acontece; embora também possamos dizer que os pais fazem isso por amor – uma forma esquisita de amar, mas é amor! Por não ter tempo de dedicar amor e ensino e valores e educação aos filhos os pais delegam essas responsabilidades às escolas. E a instituição, acreditando que está fazendo o melhor, se torna cada vez mais complexa. E então, aquela multidão de meninos e meninas sem referências valorativas advindas do lar e com um emaranhado de normas e leis e estatutos acaba se engessando pois se faz necessário manter a ordem.

O pai, naqueles remotos tempos, ensinava tudo a seu filho e, além disso, detinha toda autoridade sobre a criança. A relação era face a face. Com carinho ou com chicote a criança aprendia aquilo que os seus mais valorizavam e aprendia, também, a valorizar suas tradições. Mas a escola foi criada. E multidões lhe são confiadas em períodos regulares de confinamento. E normas e estatutos lhe são impostos. E aquela relação face a face já não mais existe. Entretanto, como a escola existe na sociedade para suprir a ausência dos pais, a sociedade – formada por pais e outros teóricos – diz que isso pode e aquilo não pode, na escola. E dessa forma chegamos ao paradoxo: a escola existe, entre outras coisas, para ensinar, mas a sociedade que produz a escola estabelece normas para obrigar o professor a não ensinar. No processo escolar a criança deve, ano após ano, se elevar de nível, demonstrando domínio de algumas competências e habilidades; caso não tenha aprendido, deve refazer o percurso da aprendizagem – pois se o aprendizado é para a vida e não tendo havido aprendizado, como viverá? Mas a sociedade cria normas e estatutos, baseada em teóricos, dizendo que a criança não deve ser levada a refazer o percurso, sob pena de lhe criar embaraços psicológicos... ou, pior ainda, fica muito caro aos cofres públicos...

Por que isso acontece? Porque a sociedade cria sistema avaliativos cobrando aprendizado e ao mesmo tempo, cria normas para aprovar sem aprendizado. E o pior disso é que no fim das contas joga a responsabilidade sobre os ombros do professor.

Você deve estar se perguntando o porquê destas reflexões. Por que anunciei uma reflexão sobre o velho ano novo e discuto história da educação

Acontece que estas reflexões são pertinentes nos finais de anos. Por quê? Porque nesta época os pais se desesperam querendo saber da aprovação dos filhos; porque as escolas e o sistema escolar cobram estatísticas com alto índice de aprovação... mas ninguém se preocupa com aprendizado. Nem as escolas nem os sistemas nem os pais perguntam: essa criança/jovem aprendeu alguma coisa?

Escolas desestruturadas, professores salarialmente desmotivados e sem meios de fazer cursos de atualização... isso e vários outros fatores produzem escolas que não ensinam... Mas o sistema pede aprovação – sem aprendizado – e quer a comprovação do aprendizado não produzido. E o sistema cria ENENs e Prova Brasil e outrosrecursos avaliativos. No cotidiano se cobra a desaprendizagem e nas avaliações nacionais se cobra capacidade reflexiva.

Por isso dizemos que o novo, que está por chegar, é um ano velho, pois os métodos e técnicas e procedimentos e posturas são antigos e contrários às mudanças. Mesmo os planos e propósitos serão os mesmos de tantas vezes... e continuarão não se construindo.

Sendo assim feliz velho ano novo!

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

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Autor: NERI P. CARNEIRO


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