DIFERENÇAS DE GÊNERO NA ESCOLA: INTERIORIZAÇÃO DO MASCULINO E DO FEMININO



DIFERENÇAS DE GÊNERO NA ESCOLA: INTERIORIZAÇÃO DO MASCULINO E DO FEMININO

Este trabalho está voltado para os aspectos que especificam as relações entre educadora e educandos do ponto de vista do gênero. As abordagens das questões de gênero focalizam as diferenças que são culturalmente construídas entre os sexos, explicitando como se edificam as relações sociais entre homens e mulheres.

Barbosa (1989) afirma que gênero não quer dizer que quando o indivíduo nasce, ele se torna homem ou mulher mas que eles se constroem com divergentes comportamentos, poderes e até mesmo diferentes sentimentos.

Scott (1990) conceitua o gênero mostrando que o corpo se transforma em motivo de investigação histórica e sociológica e que seu significado pode ser diferente de acordo com cada contexto. O uso do termo gênero representa um processo que procura explicar os atributos específicos que cada cultura impõe ao masculino ou feminino, considerando a construção social construída hierarquicamente como uma relação de poder entre os sexos.

Para Louro (1997), é preciso compreender o gênero como "constituinte da identidade dos sujeitos". Desse modo, o conceito de identidade, muito próximo das formulações críticas dos Estudos Culturais e dos Estudos Feministas, buscaentender os indivíduos como possuindo identidades plurais, as quais não são estáveis ou duradouras, mas se modificam e podem até ser contraditórias. A autora coloca a necessidade de se pensar as relações de gênero, as desigualdades entre homens e mulheres, de modo plural, ou melhor, ela afirma que os homens e as mulheres são identificados por gênero, classe, raça, etnia, idade, nacionalidade, etc. e, dessa forma, assumem "identidades plurais, múltiplas" e produzem diferentes "posições de sujeito". Nessa relação, as redes de poder (das instituições, símbolos, códigos, discursos, etc.) precisariam ser examinadas. Louro (1997) explica que as identidades são múltiplas e plurais, que elas transformam-se e podem nos ajudar a entender que as práticas educativas são "generificadas", produzindo-se a partir das relações de gênero, de classe e de raça.

Assim, é a identidade de gênero que possibilita à criança reconhecer-se como pertencente ao gênero masculino ou feminino, com base nas relações sociais e culturais que se estabelecem a partir do seu nascimento. Essa idéia ultrapassa a concepção do aprendizado de papéis, que pode tornar-se muito simples, uma vez que caberia a cada sexo conhecer o que lhe convém ou não, adequando-se a essas expectativas. Desse modo, examinar apenas a aprendizagem de papéis masculinos e femininos implica emdesconsiderar que a masculinidade e feminilidade podem exercer variadas formas e que complexas redes de poder estão envolvidas nos discursos e nas práticas representativas das instituições e dos espaços sociais,sendo produzidas a partir das relações de gênero. Além disso, a maneira como a família, a escola, agem em relação às meninas e aos meninos são fundamentais no processo de constituição da identidade de gênero.

A pesquisa de caráter etnográfico, teve como objetivo apresentar como o gênero se manifesta e se afirma na prática pedagógica de uma professora de educação infantil gênero e como eram vistas as interações entre meninos e meninas. Numa abordagem qualitativa, como procedimento central de investigação, foram realizadas observações e entrevistas com a professora, no sentido de entender como a docente elabora sua prática sobre as questões de gênero.

Buscou-se analisar os episódios das observações do trabalho da professora e até mesmo sua fala, a partir da igualdade de gênero. Assumimos ainda essa postura por acreditar que vivemos em uma sociedade que, do ponto de vista legal, requer a igualdade como um princípio dos direitos humanos. Nesse sentido, entende-se que atingir a igualdade de gênero não significa que os homens e as mulheres são iguais, mas, sim, que os direitos e oportunidades de uma pessoa são independentes do sexo da mesma pessoa.

Com base nos resultados obtidos, apresentaremos algumas situações observadas na escola e estabeleceremos relações com o conceito de igualdade de gênero. As imagens (desenhos) que apresentaremos, têm como objetivo aproximar nosso olhar, no sentido de "ver com outros olhos", e direcionar a atenção para as relações de gênero, para os estereótipos sexuais e, principalmente, apresenta-se como uma simbolização do que foi dito pela professora e pelas próprias crianças:

 

1"Essa menina é uma graça..."

A situação observada em sala de aula é a de uma menina que se aproxima da professora e pede para ir ao banheiro. A professora autoriza e, olhando para a pesquisadora, faz um elogio à mesma: "Essa menina é uma graça. Quieta. Comportada. O caderno dela dá gosto de ver".

Esta cena é uma representação fiel do comportamento esperado das meninas. A informação que a professora passa, é que essa aluna está correspondendo ao estereótipo previsto para seu sexo. A menina "quieta e comportada" recebe um elogio por estar cumprindo a conduta desejada.

A mesma situação é ainda reconhecível pela professora durante a realização da entrevista. Primeiramente, a professora tenta mostrar que meninos e meninas têm o mesmo comportamento e diz que ambos levantam do lugar e bagunçam. No entanto, ela acaba delineando as características de cada sexo e apresenta um perfil de menino e um de menina. Ressalta que "é difícil o menino ser como a menina" porque, apesar das exceções, as meninas são mais delicadas para conversar, não falam com brutalidade; jáos meninos gostam de bagunçar mais, o que revela uma convicção desigual de condutas para cada sexo.

2"Há que se impor limites!"

Nesta situação, houve uma conversa da professora com a pesquisadora. A primeira faz uma avaliação sobre o rendimento das crianças no tocante à aprendizagem e mostra que alguns alunos não tinham condições de ir para a primeira série. Falando sobre o seu trabalho, acrescenta: "A professora da Pré-Escola tem que controlar, impor limites nos alunos para, quando chegarem na primeira série, as crianças não darem tanto trabalho. Eu já vi sala de Pré-Escola onde as crianças subiam até na mesa, inclusive as meninas."

Considerando o princípio da igualdade, faz sentido dizer que tanto os meninos quanto as meninas não podem subir na mesa. No entanto, a professora reforça o estereótipo quando mostra que não se pode aceitar que os meninos subam na mesa, mas que é pior quando isso acontece com as meninas. Com efeito, podemos dizer que o comportamento da menina não é avaliado da mesma forma que o menino, ou seja, o que é percebido como "natural" para os sujeitos masculinos, pode ser visto como "não- natural"e até mesmo condenável para os sujeitos femininos.

3"Sai fora, eu sou homem! "

A professora precisou sair da sala por alguns minutos e pediu para que a pesquisadora cuidasse dos alunos até que ela voltasse. Nesse período de tempo, um menino e uma menina começaram abrigar para abrir uma sombrinha. A pesquisadora, para entender o que estava acontecendo, perguntou de quem era aquela sombrinha. Diante da pergunta, o menino soltou imediatamente a sombrinha e respondeu: "Sai fora, eu sou homem! Não é minha não. Eu uso guarda-chuva que é preto, que é de homem. Guarda-chuva é de homem e sombrinha é de mulher". E a menina respondeu que a sombrinha era dela.

No momento em que o menino começou a falar, a professora entrou na sala e associou o que estava acontecendo. No entanto, fez como se nada tivesse acontecido e continuou a explicar as atividades a serem realizadas, demonstrando claramente que essas situações de "conflito" não adquirem visibilidade e preocupação para a professora. Nessa situação, aparece o estereótipo da cor. A sombrinha era toda colorida e estampada com desenhos. O discurso do menino apresenta-se como ativo, procurando um espaço de afirmação e de "sobrevivência" do que é adequado ao seu gênero, e sua reação mostra o reconhecimento de iguais e o afastamento do diferente. Assinale-se que, na vida adulta, dificilmente homens comprarão sombrinhas, pois procuram sempre por guarda-chuvas.

Os resultados obtidos mostraram que as relações escolares apresentam facetas obscurecidas quanto às relações de gênero, e através dos episódios observados na escola e a fala da professora, pudemos verificar uma possível tensão entre igualdade e diferença, que foi mostrando-se na socialização de meninos e meninas. Esta perspectiva expressa que os estereótiposde gênero atravessam a construção do que é ser menino e menina, na qual não se explica como um fato exclusivamente escolar, mas converte-se em um fato social.

A análise das observações permitiu entrever que a professora compartilha de um olhar estereotipado sobre os papéis socialmente aceitos e recomendados para meninos e meninas. Essa visão é reforçada em atitudes e ações que acabam, várias vezes, reforçando os estereótipos sexistas. Na verdade, não pretendemos culpar a professora, mas entender que sua prática não é imune a crenças que estão arraigadas na sociedade de forma geral.

             As relações pedagógicas que são construídas na escola estão carregadas de simbolizações e as crianças aprendem normas, conteúdos, valores, significados, que lhes permitem interagir e conduzir-se de acordo com o gênero.

Com base nos dados levantados, é possível dizer que o trabalho da professora está embasadona concepção de um "modelo pedagógico" no qual estas questões não emergem, pois fazem parte de um currículo oculto. Desse modo, as professoras, durante o seu período de formação, não foram preparadas para refletir sobre como os estereótipos de papéis sexuais agem no contexto escolar. Este assunto não está incluído no currículo e no planejamento escolar, mas situações concretas e cotidianas mostraram como é forte o processo de construção de diferenciação sexista. Por outro lado, a professora é vítima desse processo, pois desconhece a força dos estereótipos sexistas.

Os episódios representativos da igualdade e diferença que analisamos e identificamos, mostram que, na construção do gênero, eles instauram, explicitam e expressam relações sociais e versões diferentes na identificação do feminino e do masculino. O papel do adulto, como os pais e a professora, é fundamental para a transmissão de atitudes sexistas, pois demonstram expectativas que ajudam na construção da imagem do que é ser menino e menina.

Professores

Os professores e professoras se constituemcomo produtoresdecultura.Sendoassim,noqueserefereàsrelaçõesdegênero,os educadoresdevemultrapassarseuspapéisdetransmissoresdeinformação;devem estarsempreemformaçãocontinuada,revendoseusconceitosepreconceitos, capacitando-se a perceber as visões estereotipadas nos materiais didáticos, sejam eles livros ou outros quaisquer; devem estar conscientes e entender o poder einfluência deseu comportamento e atitudes, assim como do que ensinam e de como ensinam na formação integral das/os alunas/os.

Questionar a acepção de ser didático dos livros utilizados no contexto escolar é também redefinir a concepção que fazemos do (a) professor (a), recolocando-o(a) no lugar de produtor da didatização dos textos escritos, uma didatização realizada pelos inúmeros textos aos quais tem acesso, na sua formação e na sua prática.

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Referências Bibliográficas:

BARBOSA, M. À procura da história das mulheres. Cadernos da Condição Feminina, Lisboa, n.29, 1989.

LOURO, G. L. Gênero, Sexualidade e Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.

SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, Porto Alegre, v.16, n.2, p.5-22, jul./dez/, 1990.


Autor: Maria Anunciacao Souza


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