O embrião à luz do princípio da dignidade da pessoa humana



A ciência de um modo geral vive hoje um momento único: os avanços são notáveis em todas as áreas do conhecimento e não são raros os momentos em que esbarram em questões éticas e morais. Afinal, existe um limite para as pesquisas científicas?

Visando disciplinar essas situações que são cada vez mais recorrentes, foi que nasceu uma nova seara do direito: o chamado biodireito cuida precipuamente das relações estabelecidas entre a ciência e o direito, prescrevendo quais dos procedimentos tecnológicos afrontam à lei e quais são permitidos. Questões polêmicas como a clonagem, os alimentos transgênicos, a embriologia pertencem ao ramo do biodireito.

Entretanto, tal tarefa não é das mais fáceis, eis que ela depende de muitas perguntas para as quais nem a legislação nem a ciência possuem a resposta. Esse artigo tratará de um assunto relativo ao biodireito: a questão do embrião

O embrião se forma a partir da fecundação do óvulo pelo espermatozóide. Tais células embrionárias possuem a capacidade de se transformar em qualquer tecido ou órgão do corpo humano, por isso são conhecidas também pela nomenclatura de células-tronco.

No ano de 1978, o mundo assistiu a uma verdadeira revolução na medicina: nascia na Inglaterra a menina Louise Brown, a primeira criança concebida através do método da fertilização in vitro, ou reprodução assistida, utilizada principalmente em casos onde o homem ou a mulher, ou mesmo ambos, possuem problemas de esterilidade.

No procedimento adotado pela reprodução assistida, o óvulo é fecundado pelo espermatozóide em laboratório, e não dentro do corpo humano, por isso recebe o nome de "assistida" ou "em vidro." Não se pode negar que tal tratamento é um avanço significativo para a ciência e trouxe ainda a solução para milhares de casais que não podiam engravidar de modo natural.

Ocorre, não raramente, que durante o tratamento de fertilização, são produzidos embriões em laboratórios que não chegam a ser introduzidos no útero da mulher, pois que esta já conseguiu o seu objetivo final, qual seja, engravidar.

Eis então que surge um dos grandes dilemas da ciência moderna: o que deve ser feito com tais embriões? Seu descarte constitui afronta à ética? Seria permitido que esses embriões fossem empregados em pesquisas sobre as células-tronco? Tal questão é extremamente complexa, pois envolve também uma das perguntas mais difíceis de serem respondidas pelos vários ramos do conhecimento: quando exatamente começa a vida?

Existem pelo menos 7 teorias que tentam desvendar este grande mistério da ciência. De acordo com a teoria biológica a vida tem início no momento em que o espermatozóide fecunda o óvulo, formando o embrião. A teoria embriológica defende a tese de que o a vida começa a partir da 3ª semana de gestação.

A 3ª corrente é conhecida como teoria neurológica que entende que a vida se inicia na 8ª semana de gravidez quando o embrião começa a sua atividade cerebral. Os defensores dessa tese argumentam que se a morte é declarada com o fim da vivacidade do cérebro, o começo da vida só pode ser constatado, desse modo, quando se verifica o surgimento deste.

A 4ª idéia é conhecida como nidação. Os defensores dessa posição entendem que a vida tem seu marco inicial quando o embrião se fixa no útero, pois é somente a partir desse momento que ele terá condições de se desenvolver até o nascimento. Isso ocorre no 40º dia de gravidez.

Tratemos agora da 5ª teoria. Ela é chamada de ecológica e sustenta que a vida se inicia na 25ª semana de gestação, pois a partir desta fronteira, os pulmões do nascituro se encontram prontos e ele pode viver fora do útero da mãe.

A penúltima teoria recebe o nome de metabólica e alega que a vida é um processo que não cessa, não há começo, tampouco um fim, sendo que o óvulo e o espermatozóide seriam apenas um meio para dar continuidade a esse sistema.

E por fim, temos a chamada tese do reconhecimento, que sugere a proposição de que a vida tem seu princípio a partir do instante em que a pessoa consegue fazer a distinção entre si e os demais seres humanos, o que ocorre nos primeiros meses de vida.

Conforme se denota da curta explanação acima, são inúmeros os entendimentos que objetivam elucidar tal questão, que se mostra como uma das mais complexas dos tempos atuais. Como a ocorrência dos embriões excedentes é corriqueira nas inúmeras clínicas de fertilização do país, tal tema necessitava de regulamentação.

Foi visando tutelar tais assuntos que foi promulgada em 24 de março de 2005 a lei nº 11.105, conhecida como Lei de Biossegurança, e que trazia em seu art. 5º a seguinte redação.

Art. 5o É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:

      I – sejam embriões inviáveis; ou

II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

        § 1o Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.

§ 2o Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.

§ 3o É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei no 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.

Ocorre que, logo após sua entrada em vigor, o supracitado art. 5º da Lei de Biossegurança foi alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, intentada pelo Procurador-Geral da República, baseando, entre outros, que a referida legislação afrontava os princípios da dignidade da pessoa humana e o direito à vida. Após aproximadamente 3 anos de processo a ação foi julgada improcedente.

Destacamos um trecho do voto da Ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie, que sobre a questão asseverou:

Buscaram-se neste Tribunal, a meu ver, respostas que nem mesmo os constituintes originário e reformador propuseram-se a dar. Não há, por certo, uma definição constitucional do momento inicial da vida humana e não é papel desta Suprema Corte estabelecer conceitos que já não estejam explícita ou implicitamente plasmados na Constituição Federal. Não somos uma Academia de Ciências.[1]

De fato, conforme redigiu a então Presidente do Pretório Excelso a comunidade científica ainda não chegou a um consenso sobre o início da vida humana e a Corte Suprema não é um Instituto Médico. Cabia tão somente ao STF analisar a questão à luz da Constituição Federal, e foi exatamente isto que o mesmo fez.

Entendemos que o embrião não pode ser considerado pessoa humana, para isso faltam-lhe os aspectos materiais e psíquicos, entretanto, o embrião não é um objeto qualquer como um simples pedaço de papel e por isso merece regulamentação por parte do ordenamento jurídico.

A nosso ver, o embrião constitui uma forma de vida muito primitiva. Mas trata-se de vida humana, merecendo, portanto, tutela específica. Tal proteção foi efetivada através da lei 11.105/05, que acertadamente em seu art. 5º os parâmetros para que as células embrionárias sejam utilizadas em pesquisas: os embriões devem ser inviáveis, congelados há mais de 3 anos, devendo haver autorização dos genitores e sendo que tais estudos necessitam ser submetidos e autorizados por Comitês de Ética.

Não existe em tal conjuntura afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, eis que o embrião é uma forma de vida humana, mas não uma pessoa. E o mesmo se pode concluir no que tange ao preceito do direito à vida. Tais embriões não serão introduzidos no útero de uma mulher, portanto não existe a possibilidade de se desenvolverem de modo natural até o posterior nascimento.

Qual seria então o destino reservado a essas células? O descarte? A réplica nos salta à vista: é óbvio que não. A embriologia pode representar parte significativa senão a principal do futuro da medicina. Muitas das enfermidades para as quais hoje a ciência não dispõe de cura podem ter um desfecho completamente diferente através de tais estudos, que de forma alguma devem ser impedidos, desde que sejam realizados de acordo com a lei. Cita-se como exemplo a paraplegia, o mal de Alzheimer e o de Parkinson.

Nesse momento, passamos a analisar o outro lado da questão. As pessoas que sofrem de tais moléstias também não estariam sendo feridas em sua dignidade, direito à saúde e à vida, caso tais investigações médicas sejam proibidas?

Entendemos, sem pestanejar, que a resposta é afirmativa. Se negado a essas pessoas o direito de se submeterem a um procedimento terapêutico que pode representar a cura de uma doença estará se negando o direito à saúde e indiretamente o direito à vida, e invariavelmente causando-lhe sofrimento atroz, tanto físico quanto moral. Nesse momento constata-se de forma cristalina a violação ao preceito fundamental da dignidade da pessoa humana. Conforme se posicionou a Ministra Carmen Lucia em seu voto, na ADI nº 3.510-0/DF:

Por isso é que enfatizo que as manifestações sobre as idéias relativas à questão do uso das células tronco embrionárias em pesquisa são legítimas e desejáveis. Afinal, pesquisa científica diz com a vida, com a dignidade da vida, com a saúde, com a liberdade de pesquisar, de se informar, de ser informado, de consentir, ou não, com os procedimentos a partir dos resultados. Logo, diz respeito a todos e todos têm o legítimo e democrático interesse e direito de se manifestar.[2]

A destinação que se dará a embriões que certamente seriam destruídos é imensamente útil e valiosa não só para as pessoas que hoje se encontram acometidas por moléstias para as quais a células-tronco representam um futuro de esperança, mas sim para a humanidade de um modo geral.




Autor: Ana Silvia Marcatto Begalli


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