O VÔO DA MORTE



O VÔO DA MORTE

 

     Segunda feira tomei o avião com destino a Nova York. Teria que resolver uma série de compromissos lá.

     No avião havia gente de todas as espécies e algumas pessoas me conheciam. Cumprimentavam-me com leve aceno de cabeça e tomava seus devidos lugares.

     Falava-se de tudo ali: de sexo, de mulheres,de dinheiro, de negócios, de bebidas, de assombrações, de tudo enfim, menos de Deus. Era uma banalidade total a ponto de eu ficar pensando as barbaridades humanas.

     Lá no meu canto, que não tinha nada de belo,pus-me a orar e pedi a Deus que nos olhasse durante a viagem.

     O avião havia tomado uma grande altura e percorria o espaço em alta velocidade. Ninguém pensava em Deus, exceto eu. Bebida passava para um lado e outro. As pessoas sorriam alto contando piadas gostosas.

     Ninguém se importava de olhar para mim. Lógico, eu era um missionário de Deus. Não me envolvia com frivolidades mundanas - pensavam. Quando me olhavam, era com um certo enodo ou mesmo  desprezo. Talvez eu fosse a única companhia que não servia. Na verdade eu não ligava com coisas fúteis da vida e procurava agradecer a Deus por aqueles momentos de paz.

     Aquele povo não ligava para as coisas além da vida.O momento para eles era aquele. Precisavam aproveitar ao máximo das coisas mundanas.

     Depois de um certo tempo o avião começou a falhar. Veio ordem de apertar os cintos de segurança. O silêncio veio subitamente naquela multidão barulhenta. A ordem foi tumultuada quando anunciou-se que o avião tinha apresentado um defeito. O pânico tomou conta do povo. Em cada coração uma pancada a mais, em cada veia um rio de sangue a mais, em cada espírito uma dolorida angústia, em cada rosto a expressão da própria morte.

     Houve gritos e choros.

     O avião começou a se balançar e a cair. O desespero tornou-se maior. A morte apavorava o pobre povo. O nome de Deus apareceu no meio da multidão.

     Em meio ao tumulto eu me punha a cantar e agradecia a Deus  por estar vivendo ainda. E o povo continuava gritando, uns caindo, outros vomitando,outros rezando, alguns dizendo que não queriam morrer. E o avião caía.

     Olhei para baixo. Mais um pouco e tudo seria o nada no mundo terreno. Olhei as pessoas que perderam a tranquilidade. Deram fé de mim e avançaram para o meu pobre leito.

     - Ele é um missionário, um ministro de Deus, tem que fazer alguma coisa por nós.

     Foi então a minha vez de falar:

     - Deus não pode ouvir vocês. Fizeram o trajeto até aqui conversando sobre coisas banais como sexo, comércio, negócios, piadas, etc.Não pensaram em Deus. Como é que só procuram Deus na hora da morte? Acham que o Pai pode atendê-los? Voltem e continuem as suas banalidades.

     Grossas lágrimas caíram daqueles rostos assustados e amedrontados. Olhei mais uma vez para fora e disse à multidão:

     - Coragem, gente. É preciso ter coragem para morrer.

     Já quase perto do chão, o medo tornou-se maior nas pessoas, o solo amedrontava-as. A gritaria era infernal. Ninguém queria morrer.

     Levantei-me de onde estava. Ergui minhas mãos por cima das pessoas e clamei:

     - Senhor, piedade. Dai-nos a vida senhor por mais uns instantes, não merecemos, pois somos cavardes até para morrer.

     O avião equilibrou-se e pousou suavemente no chão. As pessoas olharam para mim boquiabertas e me perguntaram:

     - Nós fizemos tantas preces a Deus e Ele não nos ouviu e o senhor fez uma só e Ele atendeu, por quê?

     - Vocês fizeram as preces com os lábios e eu fiz com o coração.Se vocês não se lembram de agradecer a Deus nos momentos de alegria,como querem ajuda de Deus na hora da tristeza? Agora que todos estamos vivos,  quando deveríamos estar mortos, por que não agradecermos a Deus?

     Saímos do avião, ajoelhamo-nos no chão e agradecemos a Deus por ter nos salvos. Então rezamos num único coro harmônico: “Pai nosso que estais no céu...”


Autor: Henrique Araújo


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