Uma tentativa de diálogo entre Willian Bonner e Pierre Bordieu



Tendo em vista que estamos no ano em que o primeiro telejornal brasileiro está completando 40 anos de vida no ar, ou seja o Jornal Nacional, considerei relevante realizar maiores reflexões sobre como é pensada a lógica de apresentação do programa, sob o ponto de vista de William Bonner, em sua nova obra Jornal Nacional modo de fazer. Após exibir essa lógica, procurarei efetivar uma tentativa de diálogo com Pierre Bourdieu, em relação ao que ele pensa sobre campo jornalístico, seleção e forma de abordagens das notícias, bem como uma contradição do mundo jornalístico: o índice de audiência, em seu livro Sobre a televisão. Em modo de ensaio, pretendo, outrossim, evidenciar as possibilidades de repercussão sobre o que este Jornal pode representar nas mentalidades individuais.

Segundo Bonner, o objetivo primordial do JN é mostrar o que de mais importante aconteceu no Brasil e no mundo, sendo isso, de uma ambição gigantesca e de uma complexidade extrema para um programa de TV. (BONNER, pp. 18) A característica fundamental do telejornal é que ele aspira ser universal, isto é, tenta abranger todas as idades, todos os níveis de escolaridade e, portanto, está ciente que irá frustar muitos na seleção dos assuntos.

A montagem de exibição das reportagens é estruturada em duas "pernas"; as de fatos e as de atualidades. Entretanto, Bonner nos mostra que a mais forte corresponderia às factuais, visto que, "existem dias em que o jornalismo registra fatos que, no futuro, serão contados nos livros e serão guardados por gerações. Nesses dias, o que o jornalismo faz é escrever a história".(BONNER, pp 97) Aproximadamente, 80% das notícias são dessa naturalidade, o restante são as de atualidades. Para William, "um telejornal cumpre sua função quando antecipa as principais notícias que estarão nos bons jornais da manhã seguinte para os leitores desses jornais; e quando leva , aos não leitores de jornais, um extrato dessas notícia, de forma a despertar o interesse por elas". (BONNER, pp.22)

Diante disso, podemos refletir não sobre a legitimidade do que ele diz, mas por exemplo, em como se estruturou, em sua mentalidade, qual notícia seria mais importante no Brasil e no mundo ou qual o cerne do significado dos "bons jornais da manhã".

Doravante, Bonner evidencia que o JN está na memória de milhões de brasileiros, nesses 40 anos, devendo –se, sobretudo, pela estrutura bem montada da Rede Globo que possui repórteres subordinados aos departamentos de jornalismo das emissoras locais, sejam da Globo ou filiadas. Por isso, torna-se possível pensar os alicerces que constituem esse jornal, dando possibilidades dele entrar no ar. E quando entra, exibirá suas notícias que passaram por filtros e seleções das inúmeras reuniões de pauta que são realizadas. Dessa forma, Bonner trabalha a fim de executar as funções do jornalismo para a sociedade, uma vez que, segundo seu ponto de vista, suas funções são

"(...) apontar o que está errado para que seja corrigido, mostrar o que está ruim para que seja melhorado. Denunciar os que se corrompem para que sejam punidos. Expor o que estão em dificuldades para que possam ser ajudados. A utilidade social do jornalismo é exatamente a de proporcionar que tudo isso aconteça – e que os cidadãos tenham instrumentos para exercer seus direitos plenamente. (BONNER, pp.96)

Após essas breves constatações da forma que Bonner avalia sua execução de apresentação de telejornalismo, bem como suas funções sociais, nos direcionaremos a alguns escritos de Pierre Bordieu, a fim de compreender alguns mecanismos que podem operar, sem tanta evidência, no campo jornalístico, com intuito de perceber a complexidade que envolve um telejornal que é assistido por milhares de brasileiros. Embora Bordieu esteja orientado à imprensa francesa, constataremos que alguns elementos são verificados no caso brasileiro.

Segundo Bordieu, "os jornalistas têm óculos especiais a partir dos quais vêem certas coisas e não outras, e vêem de certa maneira as coisas que vêem. Eles operam uma seleção e uma construção do que é selecionado". (BORDIEU, pp.25). Desse modo, aparece na televisão algo de sensacional e espetacular que convida a dramatização. Nesse sentido, para o sociólogo, os jornalistas se interessam pelo excepcional, ou seja, o que rompe com o ordinário pelo o que é atribuído por eles. Por isso, é comum nesse meio a perseguição pelo furo que resultará em todos buscando o mesmo objetivo que acarreta, ao invés da originalidade e singularidade, na uniformização e banalização.

Pierre Bordieu trabalha com idéia que o mundo do jornalismo corresponderia a um microcosmo que tem leis próprias definidas pela posição de seu veículo no mundo global. Portanto, para compreendermos o que passará pela noite no Jornal Nacional, devemos tentar interpretar um conjunto de relações de forças objetivas que constituem o campo jornalístico.

Esse campo é legitimado pelo espaço social estruturado por dominantes e dominados e para entendermos o que pode fazer um jornalista, Bordieu nos evidencia para assimilarmos a posição do órgão de imprensa em que ele se encontra e sua posição no espaço do seu jornal. O campo jornalístico, portanto, possui uma importância no mundo social representando um monopólio real sobre os instrumentos de produção e de difusão. Ele também, segundo o sociólogo, veste uma particularidade, isto é, sua evidente dependência às forças externas, como por exemplo, a demanda de mercado.

O Jornal Nacional, obviamente, é apresentado através da televisão, que por sua vez, segundo Bordieu, possui um monopólio de fato sobre a formação das cabeças de uma parcela da população e pode adquirir um sentido que não corresponde absolutamente à realidade e, também, como afirma Patrick Champagne, caminha-se cada vez mais rumo a universos em que o mundo social é descrito e prescrito pela televisão. (in BORDIEU, pp 29). Não estou insinuando que o JN atue diretamente dessa forma através da TV, mas quero salientar algumas proposições, desses escritores, em relação aos efeitos sociais que podem repercutir esse meio de comunicação.

Verificamos, anteriormente, por meio dos escritos de William Bonner, que as reportagens do JN estão divididas em atualidades e factuais e o desejo do telejornal de ser abrangente e universal. Sendo assim, para Bordieu as notícias de variedades ou nesse caso de atualidades, às vezes representam um alimento predileto da imprensa sensacionalista, uma vez que mostra sangue, sexo, drama e crime, ou seja, elementos que sempre fizeram vender. Em relação às reportagens que tem por natureza atrair a atenção de todos, podendo-se chamar de omnibus, o autor francês salienta que "...são fatos que, como se diz, não devem chocar ninguém, que não envolvem disputa, que não dividem, que formam consenso, que interessam a todo mundo, mas de um modo tal que não tocam em nada de importante". (BORDIEU, pp 22).

Enfim, tentei propor algumas questões que selecionei desses intelectuais para atingir uma maior compreensão da atuação e representação social do jornalismo, como pano de fundo o JN. Como ele é direcionado para a massa, considerei relevante fazer a seguir uma pergunta para um pequeno número de pessoas, afim de constatar uma modesta repercussão a como esse programa pode refletir nas mentalidades de seus telespectadores. Ao perguntar, portanto, a seguinte questão: ao lembrar de uma notícia que você assistiu no Jornal Nacional, o que você recorda ter sentido quando adquiriu a informação? Obtive as seguintes respostas:

Ao assistir o Jornal nacional de 2° feira, teve um matéria que falava sobre a preferencia dos nova yorkinos em morar nos subúrbios da cidade, e não em "Manhatan" ou região central da cidade. Respondendo a pergunta da pesquisa, sobre o que senti, diria que senti uma sensação tipicamente tupiniquim, ou seja, nós, no Brasil, um país de proporções continentais, perdendo 5 minutos de um horário nobre em rede nacional para falar do cotidiano e preferencias citadinas de um outro povo, de outro país. O que me importa se os nova yorquinos gostam do subúrbio, se os californianos não gostam mais de praia ou se Britney Spears transou de novo com Arnold Swaseneguer??? Se eu fosse radical, diria que a Rede Globo dessa forma tenta enraizar a cultura do colonizador sobre a colônia, para que nós saibamos as preferencias do patrão. Também senti uma sensação de exclusão, pois o realizador daquela matéria, quando pensou no perfil de pessoas que assistiriam, certamente não pensou em mim, essa reportagem não foi feita pra mim, eu não me incluo entre aqueles que acham relevante este tipo de informação.
Marcelo Rosito Alvite, 32 anos. Administrador

Ao assistir o Jornal Nacional, na maioria das vezes, me sinto satisfeita e informada sobre o que está acontecendo em nosso país e no mundo. Embora, grande parte de suas notícias sejam tragédias e catástrofes, acredito que é um dos poucos telejornais confiáveis do país.
Bárbara Sant'anna Medeiros, 24 anos. Estudante de Pedagogia

Eu geralmente não acredito completamente nas informações transmitidas na mídia em geral. Num primeiro momento, sinto desconfiança.
Cecília Celeste Freitas Alves. Historiadora

Contentamento, de saber que o Brasil está prosperando com a descoberta do Pré-Sal, além de outras informações que mostram estarmos com as contas em dia e que já somos olhados com simpatia pela comunidade internacional.
Cid Roberto Vaske, 50 anos. Sociólogo

Não vejo nada que possa vir a desacrescentar-me ou acrescentar-me no que sou.
Rafael Sant'anna Medeiros, 22 anos. Estudante de Física

O Jornal Nacional na vontade de ser o melhor de todos, chegou a escrever um livro que na minha opinião se assemelha à Igreja Universal que faz a lavagem cerebral dizendo que é a única verdadeira, apenas dizem a notícia sem comentá-la. O Jornal da Band, ao contrário, comenta e faz críticas se for o caso. O Jornal Nacional é Radical.
Pedro Taraczuk, 70 anos. Aposentado

A cada dia, o Jornal Nacional nos apresenta notícias em que podemos observar apenas um ponto de vista, no qual o apresentador repassa a notícia de forma que hoje é julgada como padrão, porém adolescentes como eu, não estão adequados a um padrão. Sendo assim, o Jornal Nacional deveria interagir com o telespectador, mostrando notícias que convém a assistir fugindo do padronismo, tendo um ponto de vista amplo e não apenas de dois jornalistas.
Hélio Vargas Sant'Anna, 17 anos. Estudante de Ensino Médio

Sou fã dos apresentadores, Willian Bonner e Fátima Bernardes; pessoas sensatas, inteligentes e perfeitas. Já tivemos outros muitos bons, mas , atualmente, acho que deu certo. No entanto, acredito que a maneira de fazer o Jornal, mais precisamente, quando passam as notícias, noto que algumas são "mascaradas", não por culpa dos apresentadores, mas do sistema. Tanto que algumas emissoras dizem a notícia, comentam e criticam, não é o que acontece no nosso Jornal Nacional. Mesmo assim, continuo assistindo sempre, porque o Jornal Nacional faz parte da minha rotina.
Leia Teresinha da Silva Taraciuk, 42 anos. Técnica em Radiologia

Esses depoimentos não serviram para descobrirmos uma resposta objetiva da representação mental do Jornal Nacional para o público, mas forneceram elementos que estão contidos nessa suposta resposta, além de mostrar questões que cabe a nós refletirmos o porquê delas vir à tona, como por exemplo quando foi falado do enraizar da cultura do colonizador sobre a colônia ou a insinuação que o JN faz uma lavagem cerebral nos indivíduos. Poderíamos nos perguntar: Qual o significado dessas indagações ou o porquê delas serem legítimas para uma resposta a uma pergunta daquele tipo?

Com intuito de evidenciar algumas indicações ao que pode estar relacionado o conteúdo abordado por alguns dos entrevistados, darei continuidade a nossa tentativa de diálogo dos intelectuais, no que tange, principalmente, ao peso do índice de audiência na elaboração de um programa de telejornal.

Apesar dessa questão não ser relatada e nem encontrada como problema na obra de Bonner, verificamos que para Bordieu, "... a televisão regida pelo índice de audiência contribui para exercer sobre o consumidor supostamente livre e esclarecido as pressões de mercado, que não tem nada de expressão democrática de uma opinião coletiva esclarecida, racional, de uma razão pública, como querem fazer os demagogos cínicos". (BORDIEU, pp.97). Dessa maneira, verificamos no autor a idéia que pode-se e deve-se lutar contra o índice de audiência em nome da democracia.

O objeto do jornalismo, para Bordieu, não é o poder dos jornalistas, corresponderia, desse modo, à influência dos mecanismos de um campo jornalístico, que está sujeito às exigências de mercado, refletindo nos próprios jornalistas e aos diferentes outros campos ou demandas sociais. Por isso, considero que muito do que é apresentado no JN, está relacionado com o intermédio do índice de audiência e de diversos mecanismos de atuação que envolvem a elaboração de um telejornal.

Sendo assim, reconheço algumas limitações do intento da realização de um quase utópico diálogo entre o editor chefe do Jornal Nacional com um sociólogo que escreveu sobre a realidade da imprensa francesa. No entanto, acredito ter lançado contundentes problemas às complexas relações que envolvem um campo jornalístico que dará formas a como será apresentado o JN, além de constatar a relevância do jornalismo para a compreensão da lógica mental de uma sociedade de massas.

Referências

BORDIEU, Pierre. Sobre a televisão .Jorge Zahar Editor – Rio de Janeiro, 1996

BONNER, Willian. Jornal Nacional modo de fazer. Editora Globo. Rio de Janeiro, 2009.


Autor: Ricardo Taraciuk


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