Tres velhos amigos velhos



 

TRES VELHOS AMIGOS VELHOS

 

Não havia um dia, um assunto, uma ocasião, em que os três estivessem de acordo.

Um deles tinha sempre que discordar.

E os outros dois, naturalmente, davam em cima dele, com todas as armas.

Mas quem discordava não era sempre o mesmo, não. Cada vez era um diferente

- “Lembram-se daquele fusca verde, que tinha quando morava no Brás?” – perguntava o Felipe candidamente.

- “Azul!” – retrucavam o Francisco e o Carlos – “azul!”.

- Era verde, gente!

-Azul! Azul!

- Puxa, o carro era meu, eu que pagava as prestações, as taxas, as multas – e acham que não me lembro da cor do carro? Era verde!

E os outros, teimando: Azul!

Depois de quinze minutos de bate boca, tudo voltava à tranquilidade. Cada um ficava com a sua cor; mas o assunto não acabava aí; amarravam-no no dedinho, prontos a puxá-lo de volta, à primeira ocasião.

Três minutos depois, o Carlos puxava outra:

- Passei ontem naquela escola na esquina da Portugal com a Flórida...

E o Felipe: - Não tem escola nenhuma na esquina da Portugal com a Flórida!

- Tem, sim senhor! É uma escola estadual...

- Não tem não!

- Tem.

-Não tem.

- Tem.

E o Francisco:

- Só se for a traseira da escola; por onde saem os alunos da manhã, enquanto os da tarde entram pela Rua Pensilvânia...

- Estão enganados, os dois!

- Qual é! Você é que se engana!

- Macacos me mordam! Você não dá uma bola dentro, confunde e complica tudo e nós não temos nem o direito de por os pingos nos is !

O que ele tinha ido fazer, na tal escola, o que ele viu, o que queria comentar, não interessa mais. Ninguém quer saber; e nem ele quer contar...

Parece que as pessoas de terceira idade não se envolvem com muitos detalhes.

Querem é polemizar, brigar, impor o seu ponto de vista, afirmar-se, ganhar um ponto.

É um modo de se manter vivo, de continuar sentindo-se no domínio das coisas, de ter certeza que não perdeu nada da antiga capacidade de memória, de raciocínio, de acuidade mental, indispensável para que o homem se sinta tal e tenha orgulho de si mesmo.

Se os assuntos são mais modestos, menos importantes para a salvação do mundo, paciência. Mas enquanto os três amigos puderem bater-se na defesa de suas opiniões daquilo que lembrar – ou acham que lembram – e que sabem, estarão vivos, sem dúvida.

Com certeza, quando o primeiro – qualquer um deles - morrer, um acontecimento triste, mas tão inevitável quanto a chuva, os outros dois vão comentar baixinho, num canto qualquer do velório:

- “Que pena! Era um bom sujeito, um grande amigo, um companheiro excelente: mas como era teimoso! Nunca vi um cara com a cabeça tão dura quanto ele!!”

E com certeza nem se darão conta que, quando os três se reunirem novamente lá em cima, a briga diária vai continuar, com grande satisfação dos três...

 

 

 


Autor: Romano Dazzi


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