QUEM FAZ A “CARIDADE”?



QUEM FAZ A "CARIDADE"?

É claro que o exemplo oferecido por Jesus (Mt 19,16-22) vai mais fundo no coração dos religiosos e de todos aqueles que se dizem seus seguidores, uma vez que o raciocínio do Mestre é o óbvio: "Se isto não for aplicado a religiosos, de quem poderá ser cobrado?"... E o mesmo sistema se repete no Novo Testamento com base no raciocínio sobre o Antigo: "Se os judeus não cumprirem esta lei, qual outro povo o fará?". A pergunta para Nicodemos fecha a questão: "És rabino (mestre-religioso) em Israel e não sabes essas coisas?"...

A cobrança de Jesus a religiosos, sacerdotes e prosélitos sempre foi muito mais severa do que qualquer uma endereçada a "leigos" ou pessoas comuns (Mt 23,14), e isto é a lógica pura aplicada. Pode-se mesmo afirmar sem medo que os únicos grandes inimigos de Jesus foram os religiosos, e foi a religião-templo de Sua época que O assassinou numa cruz, num julgamento iníquo e impiedoso.

Isto levanta sobre TODA religião uma suspeita terrível a priori, uma vez que outras chefias e instituições jamais O perseguiram e nem mesmo foram citadas por Ele. Pelo contrário, o de quem se podia (talvez se devesse) esperar grande perseguição a Jesus e ouvir dEle terríveis recriminações – as forças armadas – ganharam dEle até certa simpatia e reverência, servindo de exemplo prático para ensinar a obediência aos seus discípulos. Até mesmo do Governo (o romano da época), ao qual muitos dos seus seguidores levantaram protestos inflamados, bandeiras e até oposição armada, Jesus quase nada disse, como se estivesse perfeitamente engajado com a idéia de que "toda alma esteja submissa à autoridade porque toda autoridade vem de Deus" (Rm 13,1).

Portanto é forçoso pensar que o alvo de Seus ataques se concentrava sobre a religião-templo,ou à institucionalização da fé, que levou à comercialização do Sagrado, à venda de indulgências, à religião de fachada, à burocratização da entrada do Reino de Deus e a todas as mazelas que hoje abundam no seio do Cristianismo, ou do que sobrou dele. E nada que estamos apontando aqui, a rigor, é novidade para os cristãos menos desavisados, porquanto a estatística histórica é pródiga em registrar os descaminhos engendrados pelas religiões, incluindo a própria igreja cristã (este dado "igreja-cristã" não deve também espantar ninguém, pois se a própria religião-de-Deus – o Judaísmo de Abraão, Isaque, Jacó, Moisés, etc. – foi a responsável pela condenação de Jesus, então isso fatalmente se repetiria, tal como o "estranho atrator" da Sincronicidade Geral, que invariavelmente levaria a própria igreja-de-Jesus a rejeitá-LO, naquela ironia expressa na música "Cidadão": "Fui eu quem criou a terra, enchi o rio, fiz a serra, não deixei nada faltar/.../, mas na maioria das casas eu também não posso entrar").

O que acabei de colocar, atente o leitor, em nada desqualifica peremptoriamente a religião e a igreja, uma vez que ambas não são opostas a Deus e não podem ser encaradas como um sistema adversário de Jesus, embora muitas vezes chega a ser até o contrário da espiritualidade. E é aqui que reside o nó górdio do problema sob enfoque, mostrando que o abismo do pecado não apenas afastou o homem de Deus, mas danificou e periclitou até mesmo aquilo que teria a função específica de re-aproximar (religião = religar) as almas decaídas de Deus, complicando para o próprio Criador o resgate desejado por seu Amor às criaturas.

Portanto deve-se representar o Planeta Terra como um grande hospital de almas (inclusive com uma enorme ala psiquiátrica), no qual a própria estrutura arquitetônica do hospital necessita de reparos e até mesmo o ato de curar precisa de cura, porque homem algum – e médico algum – jamais consegue agir sem cometer erros, e Jesus resumiu isso quando disse "sem mim nada podeis fazer" (Jo 15,5).

Estando a errância invariavelmente atrelada ao agir do homem, este se atrapalha até na hora de fazer o bem, confunde-se sobre o que lhe foi ensinado, hesita entre duas sugestões, enerva-se com facilidade, não interpreta bem o que lhe é comunicado, não consegue obter de si sinceridade absoluta (nem quando se auto-analisa), jamais é fiel a nada, odeia perdoar quem lhe ofendeu, detesta regras de organização, etc., etc.. Por tudo isso, e disso plenamente sabedor, Jesus recebeu um jovem rico que lhe perguntava "o que mais precisava fazer de bom para herdar a vida eterna". Para não omitir-se em relação a todos estes exemplos da errância humana, Jesus foi logo dizendo "por que me chamas bom?", como se dissesse: "Você esqueceu que tudo o que os homens fazem dá errado? Eu também sou homem" (a humildade infinita de Jesus não deixaria passar esta sem que Ele a manifestasse no auge de sua visão sobre a errância inevitável da Humanidade).

Daí a chegar até o ponto onde aquele jovem rico "entenderia" a errância foi um passo curto, já que o rapaz também argumentou pouco, dando uma resposta extremada ou que certamente não era cem por cento verdadeira (ao menos se for dada sob a luz da visão de Deus sobre a errância humana). Então Jesus, vendo que a conversa ia ser do tipo "ping-pong", também respondeu com o extremo, como quando disse no Sermão do Monte "sede perfeitos", sabendo que NUNCA JAMAIS homem algum poderá ser cem por cento perfeito, nem mesmo depois do Juízo Final (a perfeição absoluta da palavra de Jesus só cabe ao próprio Deus, em termos definitivos, em todos os tempos: só o Infinito pode ser infinito).

Assim, dizer ao jovem "vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres" é o máximo da caridade, mas um padrão muito acima do que o coração humano poderia praticar, porque dar tudo significa ficar literalmente nu (Mt 5,40), e portanto nem Ele mesmo, Jesus, deu tudo em termos absolutos. O que Nosso Senhor estava dizendo era que aquele jovem deveria desligar o coração dos bens por ele "idolatrados", comprados por sua riqueza e consumismo, e que havia algo muito mais nobre a fazer do que apenas praticar mandamentos – ordenanças – religiosos (Cl 2,20-23). Algo mais imerso na alma, uma entrega total da vida a Deus, uma caridade profunda.

Isto nos leva a pensar: o que poderia ser hoje em dia equivalente a tal caridade? Aquilo que equivaleria a dar tudo aos pobres? Arrisco-me a pensar que tal caridade poderia ser descrita assim: "dar oportunidade de emprego BEM REMUNERADO a quem não tem qualquer apadrinhamento político". Isto pode significar pagar um curso preparatório para um concurso público para quem não pode pagar, ou abrir uma vaga direta num cargo que seria dada a um filho ou familiar próximo. Eis o bom samaritano atual: salvar da miséria o que está abandonado no caminho de busca de emprego sem padrinho, dando-lhe chance de ganhar dinheiro ou preparar-se para passar num concurso.

O exemplo dado no parágrafo anterior é tão forte de fato que seu disparo vai alojar-se no coração dos mais "religiosos", que vivem falando em fazer a caridade (para os outros) mas jamais se tocam para ajudar alguém que nunca teve uma chance na vida. É uma caridade autêntica aos "excluídos", aos sem vez e sem voz, que sobrevivem somente à custa do amor de Deus e da ajuda de algum familiar, quando não mendigam nas ruas.

Hoje em dia já parece ser até "chique" promover cursos de aperfeiçoamento técnico no local de trabalho, treinamentos funcionais, promoções de status profissional, e tudo isso – esta é uma verdadeira moda para a prepotência dos atuais 'gestores' – para levar os empregados a uma tal de "agregação de valores", sem a qual ninguém serve mais para empresa alguma! Só que nesta mesma onda de aperfeiçoamento profissional, nenhuma empresa e nenhum patrão se dá conta de que os funcionários também são de carne e osso como os seus chefes, e também precisam de estímulos extra-empresa, ou seja, melhor remuneração para poderem ter em casa aquilo que faz uma pessoa humana feliz (pois ninguém é feliz na carência). É aqui que está a caridade faltante, a caridade que ninguém mais faz, mas vai à igreja domingo como se a fizesse!

Conclui-se que vivemos num tempo onde a hipocrisia domina tudo, desde a vida religiosa de distintas senhoras e distintos senhores, até a direção mais arrojada das empresas de sucesso, onde a moderna tecnologia e a esperteza dos "neurocientistas" fazem ricos cada vez mais ricos e mais vis em suas políticas de pessoal, alienadas das necessidades da pessoa humana. Até a Igreja acertou quando aderiu à opção preferencial pelos pobres, mas foi incapaz de fazer a caridade recomendada ao jovem rico, já que ela mesma nunca vendeu tudo o que tem e deu aos pobres. No final, Jesus estava sempre certo: sem a transformação profunda de cada alma nem adiantará mostrar o Caminho da salvação, sob pena de o trilharem os poderosos, cujo poder vem do dinheiro. E é bom mesmo que nós também abandonemos a nossa auto-imagem de religiosos, com toda a honestidade, e saiamos de dentro das igrejas, por um lado, tristes, como saiu o jovem rico. Mas por outro lado, que tenhamos honra para sair alegres do Templo, símbolo máxime da falsa religiosidade. Afinal, foram os religiosos que mataram Jesus, e o que Ele deseja agora está muito mais dentro de nós do que qualquer igreja seria capaz de avaliar.

Prof. João Valente de Miranda.

([email protected])
Autor: João Valente


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