ESTÉTICA MASSIFICADA E CULTURA DE CONSUMO



Gabriel Baldo Batista ([email protected]) Profª. Sandra Monteiro Lemos FACULDADE AVANTIS Pós-graduação Lato Sensu em Docência no Ensino Superior 12/12/09 1 INICIANDO A DISCUSSÃO Vivemos em um ambiente cercado de informação estética massificada, o qual introjecta no ser individual “novos” conceitos de felicidade e realização pessoal, a maior parte destes conceitos postulados por meios de comunicação de massa, dos quais, o mais abrangente é sem dúvida a televisão. Para Stiegler (2004) os dispositivos televisivos são: ... máquinas para liquidar esse eu das quais Michel Foucault estudou as técnicas no final da vida. Se dezenas, ou mesmo centenas de milhões de telespectadores assistem simultaneamente ao mesmo programa transmitido ao vivo, essas consciências do mundo inteiro interiorizam os mesmos objetos temporais. E se todos os dias elas repetem, na mesma hora e de maneira muito regular, o mesmo comportamento de consumo audiovisual porque tudo as leva a isso, essas “consciências” acabam por se tornar a consciência da mesma pessoa – ou seja, a consciência de ninguém. A inconsciência do rebanho libera um capital pulsional que não une mais um desejo – pois este supõe uma singularidade. (STIEGLER, 2004, p. 2 ). São os efeitos desta chamada sincronização temporal, desta simultaneidade na coordenação de expectativas, que possivelmente apresentam reflexos nos processos de percepção individual quanto a possíveis satisfações e motivações. Como exemplo de alguns desses reflexos poderíamos citar: as modificações na estrutura do núcleo familiar; as interferências nas relações religiosas; nas percepções políticas e mesmo na noção de lazer de nossa sociedade contemporânea, além de toda e qualquer estrutura socialmente constituída. O ambiente escolar e acadêmico, como não poderia deixar de ser, também encontra relações diferenciadas que suscitam “novos” objetos de estudos sobre os tais paradigmas a que estão sujeitos, formados a partir dessa realidade das relações sociais ditas “estetizadas” , determinadas por sistemas midiáticos de intermediação e formação de sistemas de significação. Diante do meu aparelho de TV, estando eu sozinho, posso sempre afirmar que me comporto individualmente, mas, conforme reitera Stiegler, a realidade é que faço como centenas de milhares de telespectadores que assistem ao mesmo programa. O mesmo autor observa que isso tudo poderia ser uma ilusão. É também esse o caso da chamada atividade de “tempo livre”, que, na esfera hiperindustrial, estende a todas as atividades humanas o comportamento compulsivo e mimético do consumidor: tudo deve tornar-se consumível – educação, cultura e saúde, assim como os sabões em pó e os chicletes. Mas a ilusão que precisa ser criada para se chegar a isso só pode provocar frustrações, descréditos e instintos de destruição. (STIEGLER, 2004). Estas formas massificadas de construção ideária podem representar um simulacro estético referente a posições estatutárias e representações da coletividade, influenciando diretamente nos padrões comportamentais e nas expectativas ligadas a qualquer produto consumível. Diante desse quadro, poderíamos problematizar as possíveis opções por cursos de graduação. Os cursos de graduação, ofertados normalmente pelas universidades, faculdades ou centros acadêmicos, podem ser identificados como qualquer objeto consumível pertencente ao sistema social de consumo, com valor estatutário e simbólico que o estaria determinando culturalmente. O pressuposto das relações consumistas, que norteiam as relações sociais sob o olhar da individualidade (massificada) e da participação ativa na teia das relações comerciais estabelecidas (compra, utilização e descarte), impõe como ideal de conquista a realização através do consumo irrestrito e efêmero, da eterna busca por satisfação material como ornamentária de reconhecimento ou inclusão. É Lipovetsky quem vai nos dizer que o conceito de “passageiro” e “efêmero” teria varrido todo o ideal de permanência, e, a regra do efêmero estaria governando a produção e o consumo dos objetos (LIPOVETSKY, 2006). Apregoado por meios de comunicação ou informação de massa como valor intrínseco à liberdade individual, o sistema de consumo seria o principal sistema cultural atuante na formação identitária contemporânea. O fato de começarmos a tratar o universo humano, das relações sociais, como produtos, passando por crivos de aprovação, utilização e descarte, característica que anteriormente era exclusividade dos chamados produtos “tradicionais”, nos remete as seguintes problemáticas que guiarão esse estudo: estas relações de consumo exercem efetivamente, e em até que ponto, influências nas escolhas individuais quando da opção por um curso superior? Qual seria o maior apelo às escolhas individuais referentes a pretensa escolha profissional? De que maneira poderíamos perceber as motivações de alunos do ensino superior quando da seleção por um curso de graduação? Esta escolha seria influenciada pelo excesso de informação estética massificada midiaticamente a que estamos expostos? 2 REPRESENTAÇÕES COMO MERCADORIAS DE CONSUMO Bauman (2008) sugere que os membros da sociedade de consumidores são eles próprios mercadorias de consumo. [...] É a qualidade de ser uma mercadoria de consumo que os torna membros autênticos dessa sociedade. Tornar-se e continuar sendo uma mercadoria vendável é o mais poderoso motivo de preocupação do consumidor, mesmo que em geral latente e quase nunca consciente. É por seu poder de aumentar o preço de mercado do consumidor que se costuma avaliar a atratividade dos bens de consumo – os atuais ou potenciais objetos de desejo dos consumidores que desencadeiam as ações de consumo. “Fazer de si mesmo uma mercadoria vendável” é um trabalho do tipo faça-você-mesmo e um dever individual. (BAUMAN, 2008, pág. 76.) Assim, é a necessidade de “ser eternamente vendável” que torna a busca por formações diversificadas um caminho longo e de muitas variáveis. Nesse sentido as motivações ao se buscar um curso de nível superior, em uma sociedade culturalmente guiada pelo consumo, é, principalmente, a representação social simbólica de determinada profissão em determinado espaço de tempo. Assim sendo, em determinado momento “ser” (ou estar) arquiteto é uma significação de status frente a coletividade, este mesmo status pode migrar em espaços de tempo razoavelmente curtos para o “design”, para a moda, para as engenharias, para as ciências jurídicas, etc. Percebamos que as formações profissionais passam a ser tratadas simbolicamente, e que as implicações gerais desta postura alteram a forma geral de como é percebido e executado todo o sistema de ensino. A predileção e opção por determinada profissão pode ser mais uma escolha com base em representações coletivas simbólicas, do que propriamente uma decisão tomada por competências ou ponderações sobre capacidades. O compromisso com a introjecção de novos valores e comportamentos sociais, tais como, a percepção do conceito de liberdade e de escolha individual, a capacidade de realização individual (e a obrigatoriedade da busca), irrestrita e universal, e sobretudo de que o sucesso depende exclusivamente de escolhas pessoais, sendo as mesmas individuais e intransferíveis, acaba por generalizar formas de perceber o “sucesso” e as “conquistas” sociais referentes a status, tornando as opções por determinado produto, mais freqüentes em determinado tempo e espaço. O consumo ao materializar-se em um ambiente, onde os modos de percepção aparentemente de cunho e de alcance privados, seriam o reflexo de percepções coletivas, acabariam por atuar como influência direta nas combinações realizadas nas relações sociais. Chegamos ao ponto em que o invade toda a vida, em que as atividades se encadeiam do mesmo modo combinatório , em que o canal das satisfações se encontra previamente traçado, hora a hora, em que o é total, inteiramente climatizado, organizado ,culturalizado. (BAUDRILLARD, 2008 pág. 18). Os processos de seleção por um curso de graduação passam então pelos mesmos processos seletivos a que estão assujeitadas todas as “mercadorias”, inseridas em um sistema simbólico, conceituado culturalmente. Mesmo considerando as possíveis formas híbridas de formação cultural, temos de considerar a grande exposição midiática massificada que, como nunca antes, traz implicações com efeito global, homogeneizando as formações do ideário coletivo. É importante a percepção de que, segundo a lógica do sistema cultural de consumo, as satisfações não são as finalidades (enquanto fruição ou mais claramente, como posse). Uma das melhores provas de que o princípio e a finalidade do consumo não é a fruição reside no “facto” de esta se encontrar hoje forçada e institucionalizada, não como direito ou como prazer, mas como dever do cidadão. (BAUDRILLARD 2008 p. 94). A lógica imperativa é a das motivações (sob o simulacro das necessidades) e a da efemeridade (representando o descarte), que são as principais molas propulsoras das escolhas, sejam elas quais forem. Relembremos que, Segundo o veredicto da cultura consumista, os indivíduos que se satisfazem com um conjunto finito de necessidades, guiando-se somente por aquilo que acreditam necessitar, e nunca procuram novas necessidades, que poderiam despertar um agradável anseio por satisfação, são consumidores falhos. (BAUMAN, 2007, pág. 128). Sendo a satisfação um ponto de expectativa não alcançável em um sistema cultural de consumo, é possível que, em determinado ponto (tempo), a decisão por um curso de graduação venha a se tornar uma escolha efêmera, construída sob um sistema de expectativas que se altera quase com a mesma velocidade da própria escolha. Talvez em decorrência deste sistema organizado de eleição efêmera por determinado “caminho” na graduação, o número de evasões esteja em crescimento acentuado ao longo da última década. O Gráfico 1 ilustra a evolução do número de concluintes do ensino médio e do número de ingressantes e concluintes do ensino superior no período entre 1995 e 2001. Verifica-se que, embora os três indicadores tenham crescido no período, as taxas de crescimento, indicadas pela inclinação das linhas, são maiores para os primeiros. Tomando como referência o ano de 1995, o crescimento do número de concluintes do ensino médio foi de 93,4%; o de ingressantes no ensino superior de 85,0%; e o de concluintes do ensino superior foi de 55,7%. Gráfico 1 - Fonte: MEC/INEP – Censo da Educação Básica e Censo do Ensino Superior disponível em: http://www.rinace.net/arts/vol5num2e/art6_htm.htm É claro que temos de levar em conta outros possíveis fatores de influência, tanto para os índices crescentes de evasão quanto dos processos que encaminham a seleção por determinado curso, porém devemos perceber que os aspectos de formação cultural tem de estar presentes em qualquer processo analítico, não como método exclusivo, mas como análise centralizada, aproveitando todos os possíveis “atravessamentos” com outras óticas sobre o tema. A expressão “centralidade da cultura” indica aqui a forma como a cultura penetra em cada recanto da vida social contemporânea, fazendo proliferar ambientes secundários, mediando tudo. (HALL, 1997 pág. 5). A suposta “correta” percepção, por parte de docentes e das pessoas envolvidas, tanto no planejamento quanto na execução das estratégias de ensino e posicionamento de instituições de ensino superior, torna-se hoje fundamental à conjugação de interesses mútuos entre “consumidores e produtos”. Perceber que o aluno, como em um ato de “compra”, seleciona seu caminho na graduação, e que este, é formado por uma base cultural esteticamente constituída, por todo um arcabouço de processos visuais massificados (dentre eles sendo o principal a televisão), seria o primeiro passo para o desenvolvimento de novos caminhos na educação em nível superior. Não podemos entrar em um processo simples de desconstrução e crítica, como pensadores dos sistemas de ensino cabe ao corpo docente a percepção de possíveis novas e cambiantes expectativas. Desta forma procurando adequar cursos de graduação e instituições de ensino superior dentro de possibilidades que vislumbrem o desenvolvimento tanto de alunos, quanto de instituições, e propondo soluções possíveis, novos caminhos a se trilhar. 3 A TECITURA DE ALGUMAS CONCLUSÕES Os processos de resignificação da realidade, assentados em percepções coletivas, porém quase sempre tomadas como formações identitárias individuais, somente podem ser entendidos com a correta percepção de que, os processos de comunicação de massa e processos de globalização cultural, representam fator predominante (porém não único) de formação ideária. A formação cultural mais homogeneizada por meios de comunicação de massa, tida como mediadora da maior parte dos sistemas de significação e valoração, é sem dúvida o sistema organizado de consumo, assim sendo devemos considerar este sistema cultural como pano de fundo em toda a possível análise sobre qualquer fato socialmente constituído. O fato é, como demonstrado no gráfico acima (MEC/INEP), que a procura por cursos de graduação parece ser uma prerrogativa comum, um desejo (ou declaração tácita de necessidade) que independe da seleção posterior por determinado curso de graduação. Estas mesmas formações ideárias comuns, possivelmente sofram as mesmas influências culturais massificadas do sistema de consumo. A inclusão de problematizações diversas, sob perspectivas culturais aplicadas a pesquisas variadas, procurando “novas óticas” sobre os mesmos temas, deve provavelmente amplificar possibilidades de abordagem. Os estudos culturais, aplicados com a devida centralidade necessária, e não como simples ferramental, percebida como pano de fundo, onde se desenvolvem com interdependência todos os processos sociais, e respectivamente, se possibilitam as significações e resignificações referenciais, articuladoras dos sistemas de percepção acerca da realidade, é o caminho mais provável para a formação de um sistema que Edgard Morin denominou como a necessidade da formação de um “pensamento complexo”. Não se trata de um pensamento que exclui a certeza pela incerteza, que exclui a separação pela inseparabilidade, que exclui a lógica para permitir todas as transgressões. O procedimento consiste, ao contrario, em se fazer uma ida e vinda incessante entre certezas e incertezas, entre o elementar e o global, entre o separável e o inseparável. (MORIN 2003. Pág.75). As percepções acerca dos processos culturais, referentes a formações coletivas de significado, que possam influenciar a formação geral das motivações, é um dos passos primordiais para a formação de um pensamento complexo, como Baudrillard, penso que as postulações midiática são responsáveis maiores pela formação do imaginário coletivo, definidores da maior parte dos processos de “livre escolha”, com Stiegler, comungo a opinião de que a assimilação simultânea de conceitos “temporais” gera um “rebanho”, uma coletividade guiada ao mesmo ponto empossado com as mesmas introjecções. Processos comunicacionais cada vez mais globalizados tendem a formar ondas coletivas de “busca pelos mesmos meios de significação”, assim sendo, tornando as procuras por determinadas graduações, sazonais, temporais e massificadamente induzidas por processos estéticos de representação. 4 REFERÊNCIAS: BAUDRILLARD; Jean. A Sociedade de Consumo. Lisboa, Edições 70, 2008. BAUDRILLARD; Jean. Para Uma Crítica da Economia Política do Signo. São Paulo, Gallimard, 1972. BAUMAN; Zigmunt. Vida Para Consumo: A Transformação das Pessoas em Mercadoria. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2008. BAUMAN; Zigmunt. Tempos Líquidos. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2007. HALL, Stuart. A centralidade da Cultura: Notas Sobre as Revoluções Culturais do Nosso Tempo. 1997. Londres LIPOVETSKI; Gilles. O Império do Efêmero.São Paulo, Schwarcz, 2006. MORIN; Edgar. Representação e Complexidade. Candido Mendes (org); Rio de Janeiro: Garamond, 2003. STIEGLER; Bernard. MÍDIA: O desejo asfixiado, ou como as indústrias culturais liquidam o indivíduo. 2004. Disponível em http://diplo.uol.com.br/_Bernard-Stiegler_ 10/11/2009.
Autor: Batista Gabriel Baldo


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