Qualidade da água subterrânea e riscos para irrigação
*Julio
Roberto
Araujo de Amorim
A prática da irrigação, em muitos casos, é a
única maneira
de se garantir a produção agrícola em bases sustentáveis, especialmente
em
regiões tropicais de clima quente e seco, como o Semiárido do Nordeste
brasileiro, onde ocorre déficit hídrico para as plantas, em virtude de
a taxa
de evapotranspiração exceder à de precipitação pluvial durante a maior
parte do
ano. Neste cenário de escassez hídrica, intensifica-se a procura por
mananciais
subterrâneos que, na maioria das vezes, têm a gestão dificultada pela
ausência
de informações sobre quantidade e qualidade das águas explotadas.
O uso de água subterrânea
para irrigação de culturas se apresenta como alternativa viável à
sustentabilidade
socioeconômica das atividades agrícolas na região semiárida. Todavia,
embora
exista uma quantidade considerável de poços em funcionamento, o emprego
de
águas de qualidade inadequada para irrigação pode resultar em prejuízos
inestimáveis
para o sistema produtivo e, principalmente, para o meio ambiente. O
quadro
atual dos solos afetados por sais em escala mundial – com uma
estimativa de que
quase 400 milhões de hectares de terras agricultáveis estejam afetados,
em
algum grau, pela salinização – vem aumentando progressivamente com a
intensificação
das práticas de irrigação, o que poderá levar a uma drástica diminuição
na
produção de alimentos e fibras, com consequente abandono e redução das
terras
agrícolas.
A presença de sais na água subterrânea está
diretamente
relacionada à sua capacidade de dissolução e ao tipo de substrato com o
qual ela
tem contato; logo, o principal fator determinante é a geologia da
região.
Aquíferos fraturados apresentam, geralmente, águas explotadas com
maiores
teores de sais do que os granulares; isto ocorre como resultado dos
maiores
períodos de contato, da falta de circulação das águas e dos tipos de
rocha
predominantes.
Considerando-se que a unidade de planejamento na
gestão dos
recursos hídricos é a bacia hidrográfica, a caracterização da qualidade
físico-química
das águas subterrâneas de uma bacia proporciona a geração de
informações que
podem subsidiar o processo de tomada de decisão relacionado à adoção de
políticas de uso dos recursos hídricos e ao processo de outorga de água
para
projetos de irrigação, além de constituir diretriz para instituições de
crédito
agrícola. Neste aspecto, o diagnóstico dos riscos potenciais associados
à
qualidade da água assume papel de grande importância, sobretudo no que
se
refere aos problemas relacionados à degradação dos solos pela
salinização e/ou
sodificação e à redução da produção das culturas, caso não se adotem
medidas de
correção ou mitigação.
Além de fatores ligados ao tipo de solo, à
cultura a ser
explorada, às condições climáticas da região e ao manejo da irrigação e
drenagem, a avaliação de adequação da qualidade da água para uso na
irrigação
deve considerar os riscos associados a problemas de salinização e
sodificação
para os solos; à toxicidade de íons específicos para as plantas; e à
obstrução de
sistemas de irrigação localizada pela formação de precipitados químicos.
O
efeito da
salinidade é, sobretudo, de natureza osmótica, resultando da ação
conjunta de
todos os sais solúveis presentes na água ou solução do solo. Tal efeito
interfere
no processo de absorção da água pelas plantas, podendo afetar
diretamente o
rendimento das culturas, caso não possuam a capacidade de fazer a
osmorregulação ou ajustamento osmótico das células de suas raízes e,
assim,
consigam se adaptar a baixos potenciais osmóticos presentes em solos
salinos. A
sodicidade se refere ao efeito resultante da concentração relativa do
íon sódio
presente na água de irrigação que tende a elevar a porcentagem de sódio
trocável (PST) no solo, responsável pela deterioração de suas
propriedades
físico-químicas, como resultado da dispersão das partículas de argila e
consequente
compactação do solo, redundando em problemas de infiltração. A
toxicidade diz
respeito ao efeito fitotóxico de certos íons específicos que pode
afetar o
crescimento e produção das plantas, independente do efeito osmótico. Em
algumas
situações, o efeito iônico pode se apresentar na forma de desequilíbrio
nutricional
e alterações na fisiologia vegetal.
O risco de salinidade ou de salinização do solo
é avaliado
pela condutividade elétrica da água de irrigação (CEa), que é o
parâmetro mais utilizado
para expressar a concentração de sais dissolvidos totais (SDT),
representados,
principalmente, pelos íons inorgânicos Na+, Ca²+,
Mg²+
Cl-, SO4²-, e HCO3-, os quais promovem a
condição de salinidade nas águas
subterrâneas.
Como medida do risco de sodicidade, ou seja, de
redução da
capacidade de infiltração de água no solo, recomenda-se utilizar a CEa
associada à relação de adsorção do sódio (RAS), visto que esta expressa
a relação entre as concentrações
dos íons sódio, cálcio e magnésio – que compõem os sais de maior
influência nas
condições de infiltração da água no solo –, podendo ainda ser correlacionada com a RAS do solo depois de
atingido o
equilíbrio dinâmico. Isto porque os sais solúveis presentes na solução
do solo
têm efeito floculante, oposto ao efeito dispersante do sódio trocável;
portanto,
para um mesmo valor de RAS, o risco de sodicidade será tanto menor
quanto maior
for a CEa.
Por sua vez, alguns íons constituem variáveis de
grande
importância pelo risco de toxicidade que podem representar para as
plantas. Os
íons cloreto, sódio e boro, quando presentes em concentrações elevadas
na água
de irrigação, podem causar sérios danos às culturas, reduzindo a
produção
destas. Além da concentração do íon em questão, a magnitude do dano
depende do
tempo de exposição, da sensibilidade das plantas, do uso da água pelas
culturas, do tipo de irrigação, etc. Com a irrigação por aspersão e sob
condições de alta evaporação, o problema tende a se acentuar. As
culturas
arbóreas e plantas lenhosas, em geral, são sensíveis ao sódio e ao
cloreto.
Os sistemas de irrigação localizada são
projetados para
aplicar a água ao solo lentamente através de pequenos orifícios,
denominados emissores
de água, que podem ser obstruídos por sedimentos e substâncias
químicas,
contidos frequentemente nas águas de irrigação. A obstrução dos emissores é apontada como um
dos mais
difíceis problemas enfrentados na operação de sistemas de irrigação
localizada.
Assim, em se tratando de irrigação
localizada,
além dos aspectos relacionados aos riscos de salinidade, sodicidade e
toxicidade – principais fatores considerados na avaliação da qualidade
das
águas –, devem ser também avaliados aqueles que permitam antever os
riscos
potenciais de obstruções em emissores.
A avaliação dos riscos de obstrução em
sistemas de
irrigação localizada está relacionada, principalmente, às concentrações
de
ferro e à precipitação de carbonato de cálcio (CaCO3). Para
a
determinação do risco de obstrução pelo teor de cálcio presente nas
águas
subterrâneas, recomenda-se utilizar o Índice de Saturação de Langelier
(ISL).
Por esse procedimento, calcula-se o pH da água e, em seguida, obtém-se
a
diferença entre o pH lido, com a ajudada do aparelho, e o pH calculado
(ISL =
pHlido - pHcalculado). Valores positivos de ISL
indicam
tendência de formação de precipitados de CaCO3; valores
negativos
são indícios de que o CaCO3 se manterá dissolvido em
solução, não produzindo
precipitados químicos. Quanto ao risco relativos à presença de ferro
nas águas,
sabe-se que alguns gêneros de bactérias filamentosas podem oxidar Fe+2,
transformando-o em Fe+3, que então se precipita, causando
problemas
de obstrução nos emissores e redução na uniformidade de aplicação de
água.
Autor: Ivan Brscan
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