Obrigação de Votar e Princípio da Livre Manifestação



Pontualmente, entendemos que há necessidade de diferenciar o instituto do sufrágio do voto. Muito usados como sinônimos, estes não o são e nem devem ser entendidos como tal; cremos poder apontá-los como sinônimos da Democracia.

Enquanto o sufrágio é a capacidade de exercitar a democracia, a escolha, de participar ativa e passivamente do processo democrático eleitoral, o voto é seu instrumento. É a forma sob qual o indivíduo, ora cidadão, exterioriza sua participação, sua vontade. O sufrágio é um direito público de vontade individual com natureza política.

Como explica José Afonso da Silva[1]: "as palavras sufrágio e voto são empregadas comumente como sinônimos. A Constituição, no entanto, dá-lhes sentido diferente, especialmente, em seu art. 14, por onde se vê que o sufrágio é universal e o voto é direto e secreto e tem valor igual. A palavra voto é empregada em outros dispositivos, exprimindo vontade num processo decisório. Escrutínio é outro termo com que se confundem as palavras sufrágio e voto. É que os três se inserem no processo de participação do povo no governo, expressando: um, o direito (sufrágio), outro, o seu exercício (voto), e o outro, o modo do exercício (escrutínio)".

Em um sufrágio pode haver combinações entre a capacidade ativa e passiva, outorgando a qualquer cidadão, desde que, respeitadas as normas constitucionais e eleitorais, a capacidade passiva, ou seja, de ser votado. Sendo certo que para todo agente capaz passivo tem, obrigatoriamente, que haver a capacidade ativa – votar; ser eleitor.

Já aludido anteriormente, a regra geral da capacidade ativa consiste exatamente na obrigação que a Constituição indica ao indivíduo de se tornar cidadão e participar, coercitivamente, do processo de escolha de seus governantes. Inafastável a característica coercitiva da outorga: tornar-se cidadão é obrigação (Lei n.º 6236/75); estar presente ao ato, é obrigação (art.146 , V , C.E); usar da capacidade ativa é faculdade (art. 50 §1.º da Res. TSE n.º 22.154/2006).

Vejamos a leitura do parágrafo único do art. 1º da Constituição, combinado com o "caput" do art. 14 do mesmo diploma, os quais ditam que a República Federativa do Brasil possui como fundamento a cidadania, a dignidade da pessoa humana, além de, todo o poder emanar do povo, e que soberania popular é feita pelo voto direto, secreto e isonômico.

Enquanto alguns dos elementos da Constituição parecem amplos, outros, quando não o limitam, se chocam, (vez) que trata, entre outros, do cabimento do próprio art. 14 da Constituição Federal. Veja: o "caput" do citado artigo, ao mesmo tempo em que exara a isonomia do valor do voto, também o faz personalíssimo e sigiloso.

Na mesma esteira encontramos o art. 82 do Código Eleitoral que professa que "o sufrágio é universal e direto; o voto, obrigatório e secreto". Nesse diapasão temos que o Código Eleitoral, em seu art. 71, V, prevê o cancelamento do título de eleitor àquele que não votar em três eleições consecutivas; aliás, acerca do voto secreto, coisa que muito nos importa, prevê o art. 103 "o sigilo do voto é assegurado mediante as seguintes providências: II - isolamento do eleitor em cabine indevassável para o só efeito de assinalar na cédula o candidato de sua escolha e, em seguida, fechá-la". Eis a gênese do sigilo do voto (Resolução nº 22.154/2006).

Mas nos resta aferição máxima do conceito de representação democrática, descrita no preâmbulo da Constituição que, embora não seja tratado como garantia fundamental, nem como princípio expresso da Constituição, há de sê-lo implícito. Vejamo-o como princípio implícito do Direito:

"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista, e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da Republica Federativa do Brasil".

Salvo exceções, todos os indivíduos nacionais têm a obrigação de, completo o requisito de temporariedade e nacionalidade, sem a cumulação das restrições de ser conscrito e de ser interditado judicialmente, de forma positiva, dirigir-se ao órgão competente e tornar-se eleitor.No nosso ordenamento cabe ao indivíduo impulsionar a atividade administrativa eleitoral - Lei nº 6236/75, sendo vedada a sua inscrição de forma oficiosa; restando ao Estado apenas o poder de policia repressivo, impondo-lhe, na sua omissão, sanções no mundo civil.

A obrigação do indivíduo é tornar-se cidadão e a do cidadão é estar presente para votar. São obrigações constitucionais e personalíssimas, com controle limitado pelo Estado, pois a obrigação é alistar-se como eleitor, comparecer à zona eleitoral no dia da eleição, apresentar-se ao mesário e confirmar sua regularidade; eis atividades impostas pelo ordenamento jurídico que importa, caso seu descumprimento, em sanção administrativa. Porém, como visto anteriormente, o comando obrigacional "votar" inscrito no art. 14 da Constituição Federal não possui o mesmo condão obrigacional de "escolher".

A confusão entre os sinônimos do voto, também se transfere entre os comandos da obrigação, pois o voto possui características próprias de pessoalidade e sigilosidade, ou seja, o Estado não pode aplicar uma norma obrigacional que fira o Princípio Constitucional da Liberdade; eis o que se vislumbra em uma análise sistemática da Constituição: a obrigação é do comparecimento, não da escolha, sendo, plenamente possível a presença do eleitor na seção eleitoral sem sua apresentação na urna (art. 50 §1.º e §2.º da Res. TSE n.º 22.154/2006).

Se o voto é um ato finalista, este deve ser precedido por inúmeros outros atos os quais, estes sim, possuem gerencia estatal: características obrigacionais como o alistamento, a inscrição na zona eleitoral próxima da residência, a exigência de comprovação de presença na seção eleitoral, apresentação de documentos de identificação e pessoalidade.

Temos então que votar é uma ação finalista e complexa que visa à oportunidade de o eleitor exercer seu livre arbítrio de escolha ou de não escolha.

Carlos S. Fayt apud Comentários á Constituição do Brasil, p. 580, define "a ação de emitir o voto configura um ato político e não um direito político", mas se entendermos que voto é escolha e escolha é um elemento de liberdade individual, o voto tem que ser uma ação obrigacional continuada somente até a apresentação do cidadão na seção eleitoral.

Vemos que há diversos comandos que alicerçam o entendimento da desobrigatoriedade da ação finalista do voto; inclusive, a existência do voto em branco, balizada no art. 2º e 3º da Lei das Eleições - que os desconsidera para a contabilidade dos cargos majoritários, bem como o art. 5º que os desconsiderou para os cargos proporcionais, reafirmando-o como manifestação de vontade e sendo-o em branco há de ser entendido como não escolha.

Corrobora a assertiva a própria dinâmica da Lei Eleitoral. A Resolução n.º 15072/82, reafirma a ação distinta e continuada: "o eleitor inscrito, ao ser incorporado para a prestação do serviço militar obrigatório, deve ter sua inscrição mantida, porém ficará impedido de votar" da mesma forma o comando do art. 50 §2.º da Res. TSE n.º 22.154/2006 trata da desobrigação de votar: "se o eleitor confirmar pelo menos um voto, deixando de concluir a votação, para um ou mais cargos, o presidente da mesa alertá-lo-á para o fato, solicitando que retorne a cabine e a conclua; recusando-se o leitor, deverá o presidente da mesa, utilizando-se de código próprio, liberar a urna eletrônica a fim de possibilitar o prosseguimento da votação, sendo considerado(s) nulo(s) o(s) voto(s) que ainda não houver(em) sido confirmado(s), e entregar ao eleitor o respectivo comprovante de votação."

Através de Resolução, o Tribunal Superior Eleitoral criou uma inelegibilidade inversa e atípica: a recusa de votar, tratada na Resolução n.º 22154/06, outorga ao presidente da mesa o poder de polícia repressivo, capacidade não contemplada no rol taxativo de suas atribuições, art. 41, facultando-o a reter o comprovante de votação,agindo de maneira flagrantemente inconstitucional e abusiva. É exatamente essa atitude que leva a uma inelegibilidade atípica, pois, uma das condições de elegilibilidade é estar quites com a justiça eleitoral, portanto, ter votado ou justificado sua ausência (art. 7º do C. E).




Autor: Alexandre Damasio Coelho


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