A Reponsabilidade dos Hospitais em Caso de Erro Médico



Para que se compreenda a responsabilidade inerente aos hospitais no acometimento de erro médico, antes é preciso analisar as características e particularidades que revestem o contrato hospitalar. Nesse sentido, podemos afirmar que há, no contrato firmado com o hospital, uma relação de consumo, visto que quando uma pessoa escolhe um hospital, celebra com ele, tácita ou expressamente, um contrato de prestação de serviços, que vão desde a hospedagem, o alojamento, a alimentação, até a prestação de serviços paramédicos, de pessoal de enfermaria, instrumental, etc.

Cumpre considerar então que a atividade do hospital faz dele uma instituição prestadora de serviços, que fornece serviços de preservação e conservação da saúde, mediante remuneração. Disso decorre que o descumprimento deste contrato pode gerar danos de relevada importância, já que o bem jurídico em questão é a saúde, e, por vezes, a própria vida.

Por isso do enquadramento dos hospitais no disposto no artigo 3º, caput, do Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990, in verbis:

Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviço.

Assim, independentemente da natureza contratual, a relação entre hospital e paciente (ou familiares) é de consumo e, portanto, submete-se às regras do Código de Defesa do Consumidor.

Vencida esta questão, já podemos analisar as modalidades contratuais.

O hospital oferece serviços médicos propriamente ditos e serviços pertinentes à internação. Os primeiros são os que se consubstanciam no ato médico, na atividade desenvolvida por ele.

Álvaro Henrique Teixeira de Almeida, para explicar de forma mais completa a definição, utiliza-se da lição do professor Carlos Ferreira de Almeida, o qual entende que:

Caracteriza-se o ato médico por ser um ato privativo do médico, executado em favor de uma pessoa humana, consistente no tratamento ou prestação de cuidados de saúde, tudo com o escopo de promover ou restituir a saúde, suavizar os sofrimentos e salvar ou prolongar a vida.

De outro lado, os serviços de internamento compreendem a prestação de cuidados acessórios ao tratamento, podendo dizer respeito desde ao alojamento e à alimentação, até o fornecimento de serviços de paramédicos e material cirúrgico e a manutenção de aparelhos em bom estado de conservação.

Conforme o ilustre jurista Álvaro Henrique Teixeira de Almeida, é possível se visualizar três modalidades de contrato hospitalar: Contrato total, no qual o hospital se obriga a prestar os serviços relativos à internação e a prestar os serviços médicos, propriamente ditos; Contrato dividido, que será aquele que obrigar o hospital tão somente a prestar os serviços de internamento, e paralelamente a este contrato haverá outro celebrado entre o paciente e o médico, de forma direta; e Contrato exclusivo, que é aquele em que o paciente busca o hospital para dele usufruir os serviços médicos em regime ambulatorial, como consultas, procedimentos clínicos simples e exames complementares, portanto, o hospital se obriga a prestar os serviços médicos propriamente ditos.

Analisando apartadamente, temos:

a) Obrigações decorrentes da prestação de serviço médico propriamente dito – Contrato Exclusivo.

Tendo o contrato com o hospital por objeto a prestação de serviço médico propriamente dito, ele tem o mesmo conteúdo e a mesma natureza do contrato celebrado entre o paciente e o médico, diretamente. O que ocorre é que a obrigação é assumida pelo hospital, e será executada por profissional habilitado. De forma que o erro médico cometido enseja a responsabilização do hospital.

Isto porque o Código Civil contempla no seu texto legal que o hospital responde pelos atos dos médicos por ele contratados em regime de emprego ou que atuam como prepostos. In verbis:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

Portanto o hospital será responsável pelos atos do médico que tenha com ele vínculo empregatício, bem como pelos atos daqueles que, embora sem vínculo de emprego, esteja a ele ligado por contrato de prestação de serviços, modalidade em que atuará como preposto.

Deve-se dizer que a responsabilidade é solidária.

Não haverá, entretanto, responsabilidade para o hospital quando o médico não pertencer ao seu quadro de funcionários ou não atuar como seu preposto, ou seja, quando for ele estranho ao hospital. Neste caso não há vínculo jurídico entre o profissional e o hospital, e o médico é único responsável pelos danos oriundos do seu serviço.

O Código de Defesa do Consumidor despreza a existência do contrato hospitalar. Para o diploma legal a responsabilidade do hospital advém do fato do serviço. Assim, constatando-se que o serviço prestado tem defeito, o hospital responderá pelos danos causados aos seus clientes. Desloca-se, deste modo, a atenção da relação contratual para o fato do serviço ter, ou não, defeito.

Álvaro Henrique Teixeira de Almeida conclui:

Do exposto, se o hospital oferece serviços médicos propriamente ditos e eles são prestados de maneira defeituosa, contrariando a legítima expectativa de seus destinatários, responderá o hospital pelos danos conseqüentes. Em síntese, responde o hospital quando o evento danoso decorrer de defeito do serviço.

Lembrando, o autor, a seguir, que se não houver vínculo jurídico entre o profissional e o hospital esta regra não incide. Cabendo tão somente ao médico a responsabilidade pelos seus atos.

b) Obrigações decorrentes do internamento – Contrato Dividido.

Tratam-se dos serviços que não compreendem, propriamente, em ato médico. Dizem respeito à hospedagem e aos serviços paramédicos. É o contrato celebrado pelo paciente que busca um hospital para seu internamento.

Deste contrato decorre um dever hospitalar de incolumidade que tem por fim maior resguardar o paciente das conseqüências de um prestação de serviço defeituoso.

De modo que é responsável o hospital pelos danos oriundos dos serviços prestados que ferem a expectativa do paciente quanto à segurança e à incolumidade esperadas. A inobservância do dever de prestar um serviço com qualidade e que atenda às expectativas do paciente deve levar à responsabilização do hospital.

É possível analisar esta obrigação fracionadamente, da seguinte forma:
b.1) Obrigação de hospedagem com o oferecimento de recursos que atendam ao especial fim do tratamento.

Compreende à obrigação de o hospital oferecer aos interessados um mínimo de recursos para que suas possíveis complicações possam ser atendidas.

Álvaro Henrique Teixeira de Almeida elucida do seguinte modo:

Afora as obrigações típicas de hoteleiro e que igualmente são assumidas pelo hospital, posto que torna-se responsável pela perda ou deterioração da bagagem do paciente, assim como pelo furto ou roubo perpretado por pessoa admitida ou empregada no hospital, responde, também, o hospital, em caso de não contar com recursos mínimos para atendimento ao paciente, no que se refere ao seu tratamento, posto ser este o especial fim do internamento.

A título de exemplificação, vale citar alguns casos de obrigação de hospedagem:

I – prestar serviço de plantão médico, a fim de viabilizar eventual necessidade de atendimento de emergência;
II – dispor de um berçário adequado para enfrentar previsíveis complicações decorrentes do parto;
III - manter um veículo próprio (ambulâncias) para remoção de doentes, de modo a viabilizar a transferência do doente para um outro estabelecimento hospitalar, remoção esta que deve atender aos cuidados que a circunstância exige.
b.2) Obrigação de incolumidade propriamente dita.

Referem-se aos cuidados que deve ter o hospital quanto à utilização de aparelhos, aos serviços de paramédicos e os cuidados de assepsia.

Assim, o contrato de internamento gera o dever ao estabelecimento de desempenhar utilização cautelosa, diligente e adequada dos instrumentos hospitalares existentes e empregados nos tratamentos. Da mesma forma, fica obrigado o hospital de ter pessoal capacitado para o manuseio destes aparelhos, bem como de promover a sua conservação de forma satisfatória.

Cite-se como exemplo de responsabilidade do hospital por inobservância desta regra o caso da criança que foi queimada na incubadora, porque a temperatura elevou, o alarme do aparelho não funcionou, provocando, assim, as queimaduras na criança.

Quanto aos serviços dos paramédicos, os quais dizem respeito aos serviços que não encerram um ato médico e são praticados por enfermeiros ou funcionários em geral, o hospital fica obrigado pelos danos que decorrerem da sua prestação defeituosa. São exemplos de danos causado por paramédicos: paciente que cai do leito e sofre traumatismo craniano, por ter sido deixado em maca sem a devida proteção quando sofria crise convulsiva epilética; aplicação imperfeita de injeções que deforme e atrofie o braço do paciente.

A obrigação de incolumidade pública também gera ao hospital a obrigação de preservar a integridade mental e moral do paciente. Exemplo: hospital que fornece três resultados de exame de Aids, o primeiro positivo, o segundo duvidoso e o terceiro indeterminado, constatando-se depois que o resultado correto é o negativo. De forma o paciente padeceu de sofrimento, tristeza e vergonha, enquanto durou a dúvida.
b.3) Obrigação de vigilância e segurança

A obrigação de vigilância tem relevância quanto aos internamentos de pacientes portadores de doença mental. O hospital tem o dever de vigilância ininterrupta, desde o momento em que os doentes ingressam no hospital. Sendo que este dever é indelegável, não podendo recair sobre os familiares, uma vez internado o paciente. Assim, quando ocorre a fuga de um interno, deve responder o hospital, por ter faltado com a obrigação de vigilância.

No tocante à segurança, o estabelecimento hospitalar deve assegurar que os pacientes estejam a salvo de sinistros que afetem sua saúde e sua integridade corporal. Respondem, portanto, quando, a exemplo, um interno sofre queda em poço de elevador, ou quando o paciente sofre agressões físicas de outros internos, ou quando abandonam o paciente a própria sorte em caso de incêndio.
b.4) Obrigações de documentação, sigilo e informação.

O prontuário constitui um documento de grande importância para o paciente, o médico e o hospital, por ser através dele que dá a comunicação entre os médicos, viabilizando a interpretação de eventuais tratamentos que venham a ser feitos pelo médico plantonista do hospital. O prontuário tem relevante importância também para o processo judicial, vez que serve de meio prova em casos de responsabilidade civil.

Assim, é obrigação do hospital manter arquivada toda documentação médica do paciente.

Tal determinação advém da subordinação dos hospitais às normas da OMS – Organização Mundial da Saúde, que determina que eles devem dispor do SAME – Serviço de Arquivo Médico Estatístico, no qual os prontuários são classificados e arquivados pelo nome do paciente e da doença.

O sigilo do prontuário do paciente é dever do médico e do hospital, baseado na garantia constitucional de inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da imagem e da honra. Só podendo ser quebrado o sigilo com o consentimento do paciente ou em caso excepcionalíssimo, havendo justa causa.

Quanto à obrigação de informação, o hospital tem o dever de informar o paciente sobre o estado de sua saúde e sobre os riscos que enfrentaria ao se submeter a certo tratamento, ou a uma intervenção cirúrgica.
Autor: Pamela Carula Faeda


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